Fonte: Notícias ComCiência (www.comciencia.br)

“A mídia está incutindo uma idéia extremamente perigosa: de que somos culpados pelo estado atual de nossa política”, alerta a cientista política Vera Chaia. A pesquisadora, que é integrante do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, analisou o jornalismo comunitário praticado pelo telejornal SP-TV da Rede Globo. Essa linha editorial, que amplia a cobertura dos problemas da cidade e dá voz ao cidadão comum, foi adotada desde 1998 pela Rede Globo por despertar muito interesse na população, aumentando os níveis de audiência. Para Chaia, esse tipo de jornalismo induz o telespectador a pensar que está participando ativamente da vida política, mas transforma os cidadãos em consumidores, responsabiliza os eleitores pelo estado atual da política e reduz o exercício da cidadania ao voto e fiscalização.

Há, segundo a cientista social, uma aproximação entre o jornalismo comunitário praticado pelo SP-TV e o jornalismo cívico (civic journalism) norte-americano, no qual os jornalistas propõem uma forma mais engajada de atuação, sob o lema: não basta informar, é preciso fazer mais! Seguindo esse modelo editorial, o telejornal SP-TV transformou os problemas cotidianos dos habitantes da cidade de São Paulo em notícia: a praça sem segurança, a canalização do córrego, o terreno abandonado, etc.

A idéia é envolver os cidadãos na vida da cidade, fiscalizar e acompanhar as ações do Estado e a gestão política, dando voz ao homem comum para que este explicite suas reclamações e opiniões, visando a criação de um canal de comunicação entre a população e as instâncias decisórias. Para Chaia, “embora o telejornal SP-TV defenda a cidadania transforma, o tempo todo, os cidadãos em meros consumidores insatisfeitos: com a água, a rede de esgoto, a luz, as ruas, etc; e isso é construído através das queixas dos telespectadores”.

A presença de repórteres com uma postura crítica e de cobrança é característica dessa modalidade de jornalismo. No SP-TV 1ª edição os jornalistas Chico Pinheiro e Marina Godoy expressam suas opiniões pessoais durante as exibições das matérias. Já o âncora Márcio Canuto apresenta-se como uma espécie de fiscal do povo, pedindo explicações e cobrando soluções dos problemas apontados pela população. “É interessante porque se vê aí o poder desses âncoras de fazer cobranças, de desmoralizar algumas autoridades e de se declararem os ‘paladinos [defensores] da justiça'”, analisa a pesquisadora. De acordo com ela, manifesta-se aí uma contradição desses jornalistas, que se consideram ao mesmo tempo profissionais da mídia e representantes do povo.

Cidadania reduzida a voto e fiscalização

Durante as eleições de 2000, 2002 e 2004, a cientista política acompanhou o telejornal SP-TV com o intuito de entender a comunicação como poder, tanto de definição de políticas quanto de uma agenda. Durante esses momentos, o SP-TV produziu séries especiais para informar o cidadão sobre questões ligadas às eleições, que eram inseridas em cada programa. Essas séries mudavam de acordo com o contexto eleitoral. Em 2000, por exemplo, a ênfase foi dada a temáticas diversificadas: políticas públicas, gestão municipal, legislativo municipal, sociedade civil e voto e eleições. Já em 2002, a prioridade voltou-se às eleições estaduais, focalizando questões próprias do governador, dos deputados e de líderes comunitários. E em 2004, foi a vez do eleitor fazer perguntas sobre os problemas da cidade aos principais candidatos à prefeitura.

Em todas as séries Vera Chaia identifica a idéia de transferir para o cidadão a responsabilidade pela situação da política no país. “São programas didáticos que mostram o fazer político, mas que reforçam a culpa católica. Nós nos sentimos culpados por tudo que está acontecendo”. Esta idéia é construída de diversas formas nos programas. Vários episódios reforçam a idéia de que os eleitores não fiscalizam adequadamente o trabalho dos políticos, trazendo desde denúncias até exemplos de “boa cidadania”, como nos programas que mostravam pessoas acompanhando sessões da Câmara de Vereadores de São Paulo em suas horas vagas. Outras instâncias do sistema político e a própria mídia dificilmente são responsabilizados. A orientação do voto do eleitor também se faz presente em todos os programas da série da Rede Globo. “A tendência desse tipo de jornalismo é associar o exercício do voto à conquista da cidadania, pois é visto como forma privilegiada de interferir nos destinos da própria vida. A cidadania e o voto deixam de ser direitos para serem obrigatoriedade”, analisa Chaia.

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