Texto de Leonardo do Egito Coelho
Não é de hoje que a polêmica em torno das cooperativas de trabalho ocupa a pauta da economia solidária. Desde a criação da SENAES – Secretaria Nacional de Economia solidária em 2003, que essa questão vem sendo tratada como prioritária pelo governo. É fato que a política da terceirização em muitos casos acentua a precarização das relações de trabalho, como é certo que o MPT – Ministério Público do Trabalho promove na Justiça do Trabalho uma verdadeira investida contra o crescimento desse segmento do cooperativismo.
Foram e ainda são diversas as medidas inibidoras do cooperativismo, variando desde pactos de ajuste de conduta até ações civis públicas, sempre contrárias às cooperativas de trabalho.
Paradoxalmente, o governo federal e muitos governos estaduais e municipais, seguindo o que reza a Constituição Federal, sinalizam apoio ao cooperativismo em seus programas, inclusive do segmento trabalho, embora nem sempre sejam consumados tais indicativos.
As discussões travadas em torno de um marco legal para a economia solidária – ecosol, dentre outras iniciativas, resultou no projeto de lei 7009 especialmente para as cooperativas de trabalho, que propõe a extensão dos direitos sociais previstos no artigo 7° da constituição Federal para todos os cooperados.
Este projeto de lei se mantém longe de um consenso e são vários os aspectos polêmicos que merecem ser pontuados. Além de diversas impropriedades conceituais, ele se destaca pela quebra do princípio fundamental da autonomia e indícios de inviabilidade econômica, pela desproporcionalidade entre os encargos que deverão ser assumidos pela cooperativa e a contrapartida do estado.
Curiosamente o projeto de lei das cooperativas de trabalho apoiado pela SENAES não correspondeu às expectativas da maioria das instituições que formam sua base de apoio e constituem o FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária, que acreditam na ecosol como política de estado. Todavia, o projeto de lei foi bem recebido por correntes do cooperativismo de 2° grau, no segmento trabalho, que disputam a hegemonia da OCB. Existem cooperativas que promovem a circulação no Rio de Janeiro e no Congresso Nacional de abaixo assinado em apoio ao PL 7009, ao contrário do que sustenta atualmente a OCB – Organização das Cooperativas do Brasil, no apoio à manutenção do parágrafo único do artigo 442 da CLT.
Há quem entenda que estas cooperativas vêem nesta medida legal uma possibilidade de legalização dessa violação aos direitos do trabalhador, ou mesmo fraudes legitimadas por uma ação estatal, na medida em que continuarão a não serem resguardados os legítimos e fundamentais valores do cooperativismo, como a autonomia, gestão democrática, livre aesão etc. Uma alternativa, porém, vem sendo pouco abordada para solução do problema. Trata-se do balanço social para cooperativas.
Ao contrário do balanço contábil, em que são registrados índices patrimoniais e financeiros de receitas e despesas, o balanço social aponta para outras situações que identificam práticas autogestionárias com efetiva participação dos cooperados. Vale registrar experiências bem sucedidas de balanços sociais em associações e empresas, para fins de responsabilidade social e demonstrar com clareza o destino dos recursos aplicados em obras sociais.
Apesar da discussão do balanço social já haver se iniciado entre as cooperativas de trabalho, especialmente entre aquelas consideradas oriundas do movimento de economia solidária, não houve a continuidade esperada, permanecendo o debate apenas entre alguns grupos específicos do cooperativismo de trabalho.
As possibilidades de convergência na realização de um balanço social para cooperativas, em razão da existência de grupos antagônicos, estaria na formulação de critérios, que garantiria uma pontuação mínima para as cooperativas, que trabalhassem com valores e princípios da economia solidária e que fossem assim certificado por um conselho, formado por membros do governo e sociedade civil, em especial o MPT.
Nesse momento de consolidação do CONAES – Conselho Nacional de Economia Solidária, que prevê ações integradas entre representações do governo e sociedade civil, se faz oportuno retomar a discussão do balanço social entre cooperativas de trabalho, especialmente por conta da proximidade da IV Plenária nacional da ECOSOL, quando mais uma vez estarão em discussão as estratégias para se afirmar a economia solidária como política de estado e não apenas de governo.
Nesse momento em que se multiplicam as iniciativas de políticas públicas favoráveis ao empreendedorismo, redes de certificação e comercialização baseadas em valores de uma outra economia, solidária e responsável, afrontam disputas entre grupos que dificultam a implementação de medidas estratégicas. Apesar das inúmeras iniciativas estaduais e municipais, ainda não foi possível a implementação de um estatuto legal da ecosol, sendo os impasses quanto a aprovação do PL 7009 e PL 007, que trata da política nacional de cooperativismo, são obstáculos naturais.
Uma questão central há que ser resolvida entre os que esperam a economia solidária trilhar seu caminho nas esferas legislativas. Afinal, o cooperativismo é ou não é parte integrante do movimento de economia solidária? O mapeamento realizado em 2006 não aponta a OCB, até então órgão máximo do cooperativismo brasileiro, como ator da ecosol, enquanto o CONAES assume a OCB como seu membro nato. O prêmio Nobel da paz em 2007, Mohamed Yunus, confessou relutar em adotar o modelo cooperativo formal, em razão da influência da ACI – Aliança Cooperativista Internacional na economia capitalista, embora reconheça que sua proposta de banco popular seja uma iniciativa cooperativista.
Outras questões não menos importantes, como as razões que inspiram o projeto de lei sobre a política nacional de cooperativismo e retardam o processo de consumação da economia solidária, até por manter as discussões em patamares já ultrapassados pela Constituição Federal e o novo Código Civil, referentes a número mínimo de associados e liberdade de associação. A tendência de convergência pode apontar para uma lei geral da economia solidária e do cooperativismo, fundamentada por valores e princípios, com leis específicas para cada segmento, conforme a necessidade.
O marco legal está disperso nestas e em outras questões, que apontam um universo de normas, que se aplicam aos empreendimentos da economia solidária. Não há como uma temática de tamanha dimensão social possa permanecer restrito a pequeno e específico conjunto de normas. Nesse contexto é que se espera que o CONAES, especialmente a partir do que for decidido na IV Plenária, consiga articular medidas que possam efetivar e a ecosol como política de estado. Vamos trabalhar e aguardar.