Por Eleonora de Lucena (www.folha.uol.com.br)
Fundador do PT, Paul Singer está preocupado com a possibilidade de o partido perder sua base social em razão do ajuste implantado pelo governo, que classifica como violento e desnecessário. Teme que setores mais prejudicados possam se afastar do PT.
“De um governo do PT não se espera isso. O ajuste poderia ser feito ao longo de anos, e não ao longo de meses, e aumentando impostos para a elite”, diz o economista e sociólogo. Para ele, Dilma enfrenta uma “greve de investidores” e reage fazendo “concessão aos adversários”.
Líder da histórica greve dos metalúrgicos em 1953, que parou a indústria paulistana por mais de um mês, Singer afirma que o setor sindical, a igreja católica e o MST manterão pressão para uma guinada à esquerda do governo. “A grande massa dos petistas não acompanha isso [o ajuste]. Eu estou tentando evitar que o PT rache, porque isso vai nos prejudicar a todos”, declara.
Singer, nascido na Áustria em 1932, é hoje responsável pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego. Ele espera que os efeitos do ajuste entrem na pauta do congresso petista que começa na próxima quinta-feira.
Na sua avaliação, o partido corre risco de repetir as experiências de tradicionais partidos de esquerda europeus, que tiveram minadas suas bases quando adotaram política neoliberais. “A diferença é que nós temos mais democracia interna. É isso que salva o PT. Pode salvar, não garanto”, alerta.
Apesar do quadro atual, Singer está otimista com o futuro da esquerda. “As respostas da esquerda estão surgindo com a economia solidária”, defende.
A seguir, trechos da entrevista concedida em São Paulo.
Folha – O que ocorre no Brasil hoje?
Paul Singer – O que acontece é luta de classes, uma polarização. Trabalhadores assalariados e patrões capitalistas têm interesses absolutamente opostos. Quando há relativamente pleno emprego, a vantagem é dos trabalhadores, pela lei da oferta e da procura. Eles fazem greve, exigem salários melhores, mais direitos. No entanto, vem a inflação, o que é clássico no capitalismo em geral. Quando há crescimento vigoroso, pleno emprego, os preços geralmente sobem. Se há falta de trabalhadores qualificados, é natural que os salários subam e que os que pagam salários subam os preços. É a espiral preços-salários. Estou há 75 anos neste país e isso é absolutamente regular. Quando, ao contrário, se tem desemprego crescente, a inflação costuma ir para trás e as greves diminuem.
O país está migrando da primeira para a segunda situação?
Sim, estamos. Foi uma opção do governo.
O que o sr. acha dessa opção?
Não gostei. É uma política de redução do antagonismo entre governo e classe dominante, os capitalistas. O que ocorreu, sobretudo nos governos de Dilma, mas ainda com Lula, foi uma greve de investidores. O investimento é vital para o crescimento da economia praticamente caiu a zero. A explicação dos próprios capitalistas é de que eles não confiam. O que é uma desculpa, mas não é totalmente mentira. Investir significa fazer dívidas praticamente sempre e a empresa fica em perigo se o investimento fracassa. Mas os anos anteriores foram bastante positivos. Houve inflação, o que não é uma desgraça, mas um sintoma de que o país está avançando. O que se precisa fazer é defender os mais pobres da inflação. É Bolsa Família, salário mínimo reajustado. A classe rica não precisa: está sobrando dinheiro.
As medidas de agora estão aumentado o desemprego. Como o sr. caracteriza esse ajuste?
É muito violento. É uma política defensiva do governo. Visa brecar a enorme onda do “Fora Dilma”. O governo está querendo mostrar que está agora conseguindo a confiança das classes dominantes. O enorme aumento do desemprego é de assustar. Não creio que isso tenha sido imprevisto. Inclusive porque o governo cortou pagamentos, a obras, por exemplo. Se não se paga obras, os empresários não podem pagar os trabalhadores, o que provocou demissão de milhares. De um governo do PT não se espera isso. Não sei justificar porque eu acho que não era necessário. Não vejo nenhum motivo de fazer esse ajuste a toque de caixa.
Vamos supor que tenha o déficit. Não é grave. O governo tem muito crédito; cobre isso com dívida pública. Não estou dizendo eternamente; não é para fazer como a Grécia, que agora está encalacrada. Mas o ajuste poderia ser feito ao longo de anos e não ao longo de meses. Faria uma coisa gradativa, cortando algumas coisas e aumentando impostos.
Uma política que se esperaria de um governo do PT é que, em lugar de cortar gastos sociais, houvesse um aumento de impostos para a elite, para os que podem pagar mais do que estão pagando. Seria socialmente justo e outros países fazem isso. Mas o governo não tem maioria para isso no parlamento. Do jeito em que as coisas se configuram, entendo que o governo não faça isso. Seria dar um sinal de fraqueza, pois haveria derrota na Câmara e isso só desmoralizaria o governo. Mas o ajuste deveria prejudicar menos os trabalhadores, a camada mais pobre e necessitada. Dilma fez o Brasil Sem Miséria, que deu muito certo. Ela não é contra os pobres, muito pelo contrário. Eu não teria entregue o cargo mais importante, depois da Presidência, ao Joaquim Levy. Ele é de direita. Podia fazer com gente do próprio PT, que moderasse, fazendo de uma forma menos violenta.
O ajuste tem provocado muitas críticas dentro do PT. O partido vai ser atingido?
Já está sendo atingido. O sindicalismo não petista está tirando todo o proveito que pode disso. A Força Sindical, por exemplo, apoiou exatamente essa mesma política que está sendo feita agora quando foi implementada por FHC. Tudo, inclusive o fator previdenciário.
Isso pode erodir a base política do PT?
Erodir a base política é meio inevitável, mas isso se acerta ao longo do tempo. O que me preocupa mais é que pode mudar a base social do PT. Que os setores mais prejudicados por essa política do governo do PT possam se afastar do PT. Que o PT acabe recorrendo a setores sociais que aceitam essa política, mas que não têm nada a ver com os propósitos originais do PT. O partido tem 35 anos, não é nenhuma criancinha. Esperam-se coisas do PT, não isso que está sendo feito. No PT que eu conheço não tem quase ninguém que está gostando. Salvo se se entender que essa não é uma política definitiva, mas uma política para brecar uma ofensiva muito forte contra o governo atribuindo ao PT todos os problemas do país. Acredito que está sendo feita uma concessão aos adversários.
O PT pode perder sua base social?
Pode. Há muitos partidos de esquerda no Brasil, não é só o PT. O PSOL está aí e não aceita o que está sendo feito. O PT está convocando um grande congresso [de 11 a 14 de junho, em Salvador] e espero que isso seja discutido. Até agora, os congressos do PT têm sido autênticos e refletem os filiados do PT. A democracia funciona no PT. Vamos supor que o congresso critique essa política. Não sei o que Dilma vai fazer. Ela e Lula sabem o que estão fazendo. Considero Lula como grande inspirador dessa política para Dilma. Quando eleito, Lula enfrentou uma situação quase tão difícil quanto Dilma. Em 2003, a inflação subiu, houve um mal-estar e uma reação das classes dominantes, gente dizendo que iria sair do Brasil. Lula fez a mesma política, levou o [Antônio] Palocci para o Ministério da Fazenda, botou o maior banqueiro internacional no BC e aceitou a política que eles fizeram –que era muito parecida com essa atual. Só que não foi tão drástica. Com Lula deu certo e a economia voltou a crescer. Agora, ela está sendo feita de novo com o Joaquim Levy. É a política de aumentar juros e, consequentemente, cortar o crescimento, cortar a inflação e criar desemprego.
Mas em 2003, a situação internacional era diferente, com o avanço enorme da China.
Começo a desconfiar que não foi só a situação internacional [que trouxe a volta do crescimento]. Foi também o fato de que uma parte da burguesia brasileira resolveu investir porque a economia iria crescer como cresceu. Quando a economia cresce bem, os trabalhadores têm vantagem, mas os capitalistas têm mais ainda, com lucros muito mais altos. A parte final do primeiro governo Lula foi muito boa economicamente. O antagonismo a Lula como presidente foi pequeno.
O ajuste pode funcionar?
Se der certo dessa vez e realmente houver um aumento do investimento e a economia crescer 4% ao ano seria magnífico, não só para o país mas para esse governo do PT. Pode dar certo, como uma vez deu. É bom lembrar que a luta de classes no Brasil é comparativamente suave. Na Venezuela e na Argentina é muito mais violenta.
Como a questão da economia mundial afeta o ajuste?
O ajuste é uma parte da conjuntura. A outra parte é a economia mundial. Estamos num mundo globalizado. A interdependência política, econômica e financeira entre países é grande para chuchu. Maior do que costumava ser. Se essa mudança política que o PT fez no governo reconquistar a confiança dos que têm dinheiro e podem investir e se a economia mundial não cair numa situação de pressão, pode dar certo. Os europeus estão impondo a si próprios algo que está sendo feito no Brasil, a tal da austeridade. Os gregos elegeram um governo que quer fazer uma coisa oposta, mas tem uma dívida. A Grécia e grandes países europeus estão indo para a esquerda. Na eleição municipal espanhola, a esquerda teve vitórias inesperadas.
Mas quem avançou na Espanha foi uma nova esquerda, diferente do PSOE. O processo de esvaziamento dos partidos tradicionais de esquerda, como ocorreu também na Grécia, pode se repetir em relação ao PT?
Na Espanha, na Grécia, em Portugal, os partidos são clássicos; os social-democratas são do tempo de Marx. Não é o caso do PT, que é um partido recente. Na campanha em 2002, a Carta aos Brasileiros foi um sinal correto. Quem acreditou na carta não se enganou. Pelo que eu conheço do PT, a grande massa dos petistas não acompanha isso. Sou petista desde a fundação, mas não falo pelo PT. Falo como observador interno com parti pris. Vamos ver no próximo congresso se a maioria hoje no PT vai expressar uma posição oposta ao que o governo do PT está enveredando no momento. Não sei quanto disso vai ser discutido. Vai depender dos que compõem o congresso: podem pautar isso para fazer um confronto, ou podem estrategicamente dizer que não vão tocar nisso, pois o tema vai dividir e não vai adiantar nada.
O sr. acha que o PT deveria pressionar o governo para mudar essa política econômica?
Seria aconselhável. Não aconselharia uma crítica a ponto de separa-se do governo. Mas poderia fazer uma crítica apontando quem está sendo atingido.
Os mais pobres?
Não totalmente. A burguesia está pagando também. Subsídios vão ser cortados de uma vez e isso dói. Eu não entraria no congresso com uma postura de denúncia. Porque o PT já fez e essa política já deu certo. Por outro lado, não pode se desdizer totalmente depois de uma campanha eleitoral. Isso desmoraliza. Na próxima campanha, vai ser fácil dizer: “Não acredita porque eles não mantêm”. Vão ter de fazer um balanço cuidadoso e ver como as pessoas se manifestam. O PT tem uma base operário-camponesa; os grandes movimentos sociais apoiam o PT. Isso é um patrimônio fundamental. Sem isso, o PT fica uma coisa menor, insignificante.
O PT não corre o riso de virar um PSOE?
O risco existe. A diferença entre o PT e os grandes partidos políticos europeus é que nós temos mais democracia interna. É isso que salva o PT. Pode salvar, não garanto. Tem uma boa chance de que faça a diferença. Os jovens certamente não aceitam essa mudança. E há uma juventude importante vindo ao PT. Quem vai tentar empurrar o PT para uma outra via é a igreja católica. Já na época do Lula ela foi contra o governo. Em 2003, a CNBB fez graves e contínuas críticas ao governo pela esquerda, criticando a falta de reforma agrária. A igreja brasileira é uma das mais progressistas que há no mundo. O papa foi um bispo da Teologia da Libertação, priorizando os pobres.
A igreja tende a empurrar o PT para a esquerda num momento em que o governo adota políticas neoliberais?
É bem provável. Mas haverá outros [a pressionar]. Eu não estou sozinho no PT no sentido de estar meio infeliz. Eu estou tentando evitar que o PT rache, porque isso vai nos prejudicar a todos. Esse congresso é muito oportuno. É um momento em que os militantes vão poder dizer o que pensam ao governo com muita franqueza. E podem ameaçar a retirada do apoio do PT ao governo, se ele não mudar de política. Isso não é chantagem. É uma discussão aberta. Não sei o que vai acontecer. Sei que há muita insatisfação dentro do PT.
Além da igreja, de onde partirão as pressões?
Sobretudo dos sindicatos. Os sindicatos da CUT foram contra as medidas do pacote do Levy. Mas os deputados do PT, no fim, acabaram votando [a favor]. Os do PDT e do PSOL, não. Isso não é confortável para o PT obviamente. O governo conseguiu aprovar o tal do pacote com os votos do PMDB, que agora está na direita. Partidos de esquerda votaram contra. Existe uma contrapressão a essa virada brusca imediatamente depois da eleição. Se a política der certo, e, de repente, a economia começar a crescer, a oposição será menos veemente.
O sr. foi líder sindical na importante greve de metalúrgicos em 1953. Como avalia a questão da terceirização?
A terceirização favorece exclusivamente aos empregadores –que, aliás, festejaram. É um enorme antagonismo de interesses. Um exemplo. Os motoristas do Ministério do Trabalho são terceirizados e ganham menos do que os não terceirizados no serviço público. A terceirização é uma forma de pagar salários menores. Eduardo Cunha resolveu dar um presente para as empresas. Mas o governo pretende vetar, o que vai melhor um pouco o seu cacife.
Por falar em Cunha, como o sr. explica a ascensão conservadora no país?
Não tínhamos uma direita abertamente política, ela se escondia. Agora, está surgindo e Eduardo Cunha é um exemplo muito concreto. É um homem muito consistente. Não tenho nenhuma simpatia por ele: ele quer redução da maioridade penal, não ao casamento homossexual, ele quer tudo. Em todas as coisas ele é retrógrado. Esses movimentos de direita explícita que vão para a rua são novidade. O mais assustador são os movimentos que pedem a volta dos militares, o que significa ditadura. Isso é um enfrentamento direto com a democracia. Não sei se deveriam ser tolerados. Eu seria favorável à proibição de agressão direta à democracia. Tem que haver um limite. Seria inaceitável haver um partido antissemita ou antiárabe, antinegro.
O avanço da direita agora pode ser visto como uma reação ao longo ciclo petista?
A hegemonia de esquerda é uma das motivações mais fortes. Por isso, a reeleição de Dilma foi tão disputada, parecendo uma questão de vida ou morte.
Quais são as chances de Lula em 2018? Ele está afetado pela crise?
Sim, ele está sendo atingido. Lula não e imbatível. Continua muito popular na parcela mais de esquerda. Depende de quem seja o adversário. Só falta ser o Eduardo Cunha, que seria o adversário ideal para o Lula. Os que têm alguma memoria sabem que Lula fez algo semelhante a esse ajuste e, por sorte ou não, foi eficiente. Essas coisas existem em política. Governos de esquerda fazem políticas que não deveriam fazer, mas acabam fazendo pelas circunstâncias. Os governos grego, espanhol, português eram socialistas e fizeram políticas dessa espécie. Não é argumento a favor de fazer isso. Mas é um fenômeno mais amplo. Não tem uma explicação peculiar: a Dilma que é assim. Ela seria uma das últimas pessoas a fazer e acabou fazendo. As chances do PT em 2018 vão depender entre outras coisas, do êxito dessa política econômica.
E tinha alternativa?
Alternativa sempre tem. É preciso dizer que, se a situação anterior fosse mantida e continuasse o confronto fortíssimo como na campanha em 2014, havia a probabilidade de haver um impasse como o da Venezuela. Lá, há um governo que a classe dominante não aceita e quer derrubar de qualquer jeito. O governo reage mal. Mas há democracia. A Venezuela não é uma ditadura. A direita diz que é, mas é falso. Levar o Brasil a uma situação como essa pode ser meio trágico. O caso que me chama atenção –e que me fez entender o que está acontecendo no Brasil– é o da França. François Hollande é de esquerda; fez a campanha dizendo que o inimigo real é o capital financeiro. Mas virou presidente e o grande concorrente no mercado europeu da França é a Alemanha. A Alemanha é direita. A indústria francesa estava se sentindo em má situação. Ele não chegou a realizar nada do que prometeu; recuou totalmente. Pegou toda a pauta de reivindicações da direita e começou a satisfazer um ponto atrás do outro. Exatamente pelo mesmo raciocínio que temos aqui no Brasil. Se quiséssemos resolver o assunto pela esquerda, a forma mais eficaz seria expropriar o capital. Dizer: Não quer investir, dá para mim que eu invisto. Estatiza. O que a Dilma está fazendo, indiretamente, é dar concessões, atraindo capital para aeroportos, estradas. Isso é um desespero. É o oposto do que ela gostaria de fazer.
O governo teria força política para fazer essa expropriação, que ocorreu raras vezes na história brasileira?
Teria que usar a força mesmo, o que eu pessoalmente sou contra. Não dá para abrir mão da democracia nem por meia hora. É um jogo complicado que está sendo jogado em outros países também.
No caso da França, que o sr. citou, o partido de Hollande, o socialista, foi um fiasco, e a direita cresceu. O que concluir?
A direita cresceu por causa da campanha contra a imigração. A direita europeia é contra a União Europeia. A direita, que não tem nada a ver com os trabalhadores, tem uma oportunidade de ganhar apoio dos trabalhadores fazendo campanha contra a imigração. Sou de Viena, que é classicamente vermelha, governada pelo partido socialista por muitos anos. Na última eleição, todos os partidos perderam votos, menos a direita. Por causa da campanha contra os imigrantes, sobretudo turcos. É o velho nazismo, a cultura xenófoba. Aqui não temos isso.
Sem a questão da imigração, aqui direita poderia crescer com o esvaziamento do PT?
Não sei. Pode acontecer. É possível que, numa próxima eleição, a direita tenha mais votos e o PT seja abandonado por uma parte de seus apoiadores. Pode ser? Não tenho nenhuma certeza disso.
O modelo de desenvolvimento brasileiro parece esgotado. Como estudioso dessa questão, qual projeto o país deveria seguir?
O mais urgente no Brasil é o que já começou a ser feito, mas que não está completo: é tornar o pais mais justo, eliminar as grandes desigualdades que existem. O que precisamos é de uma mudança fiscal, fazer aquilo que já foi feito em outros países, que não deixaram de ser capitalistas. Simplesmente fazer com que o grosso dos impostos seja pago pelos mais ricos. É justo. No Brasil não acontece porque são os latifundiários e os grandes capitalistas que dominam o legislativo.
Como o sr. vê o futuro da esquerda?
Estou otimista. As respostas da esquerda estão surgindo com a economia solidária. Países, como a França, estão adotando leis de estímulo à economia solidária, que é inteiramente democrática.
No Brasil, há avanços extremamente importantes, como na agricultura familiar. Ela tinha praticamente desparecido. Agora, há uma agricultura camponesa e solidária. É essa pequena agricultura familiar que nos alimenta. A produção do latifúndio vai para o mercado mundial. O MST adotou a agroecologia e muitos outros movimentos foram na mesma direção. A agroecologia é muito melhor do que a agricultura industrial. Não é poluente e dá melhores colheitas. O MST produz um arroz excelente.
Qual o peso da economia solidária no país?
É 3% do PIB. Envolve 3 milhões de pessoas, entre 20 mil e 30 mil empreendimentos. Muitos são bancos comunitários; temos 107 deles. Em comunidades muito pobres são salva-vidas. Vou a lançamentos desses bancos. Ver a alegria das pessoas me faz bem à alma. É uma libertação para eles, principalmente para as mulheres. A pobreza é muito cruel. Na hora de uma doença, de um acidente o conjunto da família é brutalmente atingido. Um banco com crédito solidário ajuda famílias que estão numa situação muito precária. Acontece no mundo todo, na Índia, na África.
Estou traduzindo do francês um livro muito interessante da jornalista Bénédicte Manier. Chama-se “Um milhão de Revoluções Tranquilas”. É sobre acontecimentos assim, feitos por jovens, mulheres, negros, indígenas, os setores oprimidos. A opressão é a obrigação de fazer coisas que não se quer. É motivo para reação e organização para fazer uma sociedade diferente. A economia é fundamental, mas não é só. Espero a educação se revolucione e ensine a aprender. Um ensino convidativo, engraçado pode mudar tudo.
O capitalismo está aprofundando suas características, inclusive as piores. Mas, menos conhecido, existe esse outro mundo que está surgindo: uma reação dos cidadãos às coisas que funcionam mal. Fico feliz em ter o privilégio de conhecer esse mundo.
Fotografia de: Ed Ferreira/Folhapress