Por Bruno Pavan (http://www.brasildefato.com.br/node/32227)
Cada vez mais presentes no noticiário internacional, os grupos Boko Haram e Estados Islâmico levantam um número crescente de questões no mundo ocidental. Uma das polêmicas é o papel das mulheres no “novo mundo” que defendem, embasado em uma interpretação radical do código islâmico.
Para esses grupos, por exemplo, a educação formal das mulheres não podem passar de 15 anos. Além disso, elas estariam aptas a se casar a partir dos nove. Organizações de direitos humanos do mundo todo acusam esse discurso de ser misógino, ou seja, de provocar ódios as mulheres. De acordo com as mesmas leis, homossexuais também não seriam aceitos.
Para a doutoranda em ciência política na Universidade de Campinas (Unicamp) Katiuscia Moreno, os direitos das mulheres e de homossexuais ainda não foram totalmente consolidados em nenhuma sociedade e que por isso há uma naturalização de discursos fundamentalistas.
“Não surpreende a tentativa de constituição de um Estado que ignore o direito das mulheres e de ‘minorias’ sexuais, inclusive em suas versões mais agressivas, como as chibatadas que mulheres recebem caso desviem de certa conduta de vestimenta esperada no EI”, diz.
Ecos no ocidente
Engana-se quem acredita que os discursos que defendem o subjugação das mulheres partem somente dos muçulmanos. O pesquisador da Universidade da California-Santa Barbara e professor da PUC-RJ, Fernando Brancoli, analisou como esse discurso encontra ecos no ocidente através das redes sociais.
Em fóruns machistas na internet é possível encontrar mensagens de homens defendendo as atitudes do Estado Islâmico perante as mulheres. “[O EI] Sabe como tratar essas mulheres hoje em dia. Leis simples, sem modificações. Você sai da linha e recebe o que está escrito. É nisso que devemos investir: a volta de um sistema claro, que coloque as vadias em casa”, braveja um internauta.
A militante da Marcha Mundial da Mulheres do Rio Grande do Sul, Cintia Barenho, aponta que isso é reflexo dos valores da sociedade patriarcal impostos na sociedade ainda hoje. “O discurso religioso está impregnado de misoginia. E nesse sentido, até podemos fazer uma certa analogia com as doutrinas Evangélicas Fundamentalistas no Brasil”.
Influência nas mulheres
Não só homens acabam se simpatizando com o discurso dos grupos fundamentalistas. O alistamento de mulheres muçulmanas que vivem na Europa no Estado Islâmico é algo que vem crescendo nos últimos tempos.
Uma das explicações é a de que os soldados do grupos são vistos como heróis pelas mulheres muçulmanas. Moreno reforça que o processo pode ser explicado por uma simpatia dessas mulheres pelo estado regido pela sharia, ou seja, o direito islâmico e que elas não são assimiladas pelo ocidente. “Talvez o recado implícito nesses processos migratórios seja justamente esse: seus costumes ocidentais não me representam e eu não assimilo ou sou assimilada pela sua cultura”.
Barenho também destaca que o choque cultural e a xenofobia que elas tem de enfrentar, principalmente na Europa, pode influenciar essas atitudes.“Se tu vive num país ocidental que promove e aceita cada vez mais a xenofobia e descriminação e vê que no oriente há um Estado que não só te aceita, mas também promove a religião que tu professa, o que pode parecer mais sensato de ser feito? Temos que ter cuidado de não demonizar os muçulmanos e criar a falsa ideia de que tudo que é do Ocidente é progressista”, ponderou.
Moreno concorda com a ponderação, lembrando que a opressão contra mulher é, infelizmente, uma constante em todas zonas de conflito. “Existem notícias de soldados da própria Organização das Nações Unidas (ONU) que ‘namoram’ jovens locais em missões, deixando para elas o peso do estigma da sociedade quando retornam aos seus países. Uma mulher no exército estadunidense tinha mais chances de ser estuprada por seus colegas de trabalho do que ser morta em campo.”
Resistência curda
Por outro lado, as mulheres curdas têm desempenhado um papel fundamental na resistência ao Estado Islâmico na Síria. Sem o apoio dos Estados Unidos, o Partido da União Democrática (YPD) e o Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) são os únicos grupos que conseguem fazer frente ao EI sem ajuda externa e com presença central das mulheres em sua organização.
“Há uma revolução das mulheres no Curdistão Sírio, especialmente em Rojava, onde a liberdade das mulheres está no centro do debate. Nem o regime de Assad nem os grupos terroristas têm respaldo local e quem constrói e promove a resistência são as mulheres. Elas estão promovendo uma revolução com perspectiva feminista”, encerrou Barenho.
* Foto: Mulher em campo de refugiados na Síria | Créditos: UNRWA