Por Luiz Gustavo PACETE (http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/140719_O+PAIS+ONDE+OS+BANCOS+NAO+CHEGAM)
Washington Luiz Cardoso, prefeito de Maricá, cidade com 139 mil habitantes no litoral norte fluminense, tinha um problema no início de 2013. Sua administração planejava compartilhar a prosperidade proveniente dos royalties do petróleo com os cidadãos maricaenses mais pobres. Para isso, a prefeitura criou um fundo que deveria distribuir R$ 70 todos os meses para as cerca de três mil famílias de baixa renda. No entanto, Cardoso queria garantir que o dinheiro não saísse do município. A solução foi lançar um banco comunitário que vai emitir Mumbucas, moeda social cuja aceitação é restrita ao município, e é a primeira moeda social virtual do Brasil.
“O Banco Comunitário Popular de Maricá foi criado em dezembro e é responsável pela Mumbuca, que, na prática, é um cartão”, diz Miguel Moraes, secretário de Direitos Humanos e Cidadania do município. “Em março, vamos iniciar a segunda etapa do projeto, que visa fornecer crédito para associações de pescadores, para cooperativas de artesanatos e para pequenos comerciantes”, diz Moraes. Os financiamentos de, no máximo, R$ 15 mil serão concedidos em Mumbucas e terão juros subsidiados. A criação da Mumbuca segue-se a outros exemplos de moeda social. Um deles, o Cocal, foi lançado pelo banco da Prefeitura de São João do Arraial, localizado a 250 quilômetros de Teresina.
Seus problemas eram bem diferentes dos de Maricá. Emancipada em 1996, a pacata cidade piauiense de 7,3 mil habitantes viveu até 2007 sem contar com qualquer serviço prestado por instituições financeiras. Quem precisava de uma agência bancária para pagar contas ou receber benefícios tinha de encarar uma viagem de 20 quilômetros até o município vizinho de Esperantina, enfrentando riscos de acidentes e de assaltos. A saída de Francisco das Chagas Limma, que foi prefeito entre 2005 e 2008, foi criar um banco comunitário, o Banco dos Cocais, e uma moeda social, o Cocal, que, como o Mumbuca, tem sua circulação restrita à cidade.
Em seus dois primeiros anos, o Cocal movimentou o equivalente a R$ 3 milhões e, atualmente, já responde por metade dos R$ 12 milhões que circulam por ali entre notas de real, impressas na Casa da Moeda, e cédulas de cocais, impressas localmente. O banco distribui o Cocal, paga funcionários públicos, cobra as contas de água e energia e credita os benefícios do Bolsa Família. O comércio também aceita o dinheiro paralelo e a economia gira. São João do Arraial é um dos 233 municípios brasileiros que não possuem uma agência ou um correspondente bancário, segundo o Banco Central.
Soluções como as de Maricá e São João do Arraial, assim como as encontradas pelos moradores desse Brasil onde os bancos não chegam, foram inspiradas no pioneiro entre os bancos comunitários, o cearense Banco Palmas. Lançado em 1998 no Conjunto Palmeiras, conjunto habitacional na periferia de Fortaleza, ele foi o primeiro a lançar uma moeda social, a Palma, cuja circulação é restrita à comunidade. Modestas, essas iniciativas fazem toda a diferença. Durante muitos anos, Aurineide Alves Cordeiro acordou cedo para percorrer as ruas de Fortaleza, vendendo roupas e calçados para sustentar a família.
Sua história seria igual à de milhares de brasileiros, não fosse o fato de ela ter sido a primeira tomadora de um empréstimo no Banco Palmas, no valor de R$ 400. “Eu não conseguia pegar empréstimo em bancos tradicionais, porque precisava comprovar renda e, como o meu trabalho era informal, nunca obtinha aprovação.” Hoje, aos 41 anos, Aurineide é proprietária de um depósito de materiais de construção no Conjunto Palmeiras. Mesmo com o aumento da renda, ela continua sendo cliente da instituição. “Se não fosse pelo banco, eu já teria fechado as portas há muito tempo”, diz. Criado pelo teólogo pernambucano Joaquim de Melo, a instituição foi a resposta encontrada pela comunidade para estimular a economia.
“Na época, os moradores gastavam 80% de seu dinheiro em outras regiões, o que impedia o crescimento dos negócios locais”, diz Melo. Para mudar esse quadro, foram necessários o apoio da Prefeitura de Fortaleza e um investimento de modestos R$ 3 mil. Deu tão certo que, no ano 2000, a comunidade passou a emitir sua moeda, a Palma. Hoje, a carteira de crédito da instituição é de R$ 4 milhões e ela oferece financiamento e serviços financeiros, como microsseguros. O projeto da pequena comunidade cearense acabou se tornando inspiração para outros bancos administrados por comunidades, que hoje integram a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, presidida por Melo.
Juntas, as 104 instituições, espalhadas por 19 Estados, emitem moedas sociais, oferecem juros abaixo dos do mercado e revertem o lucro para projetos sociais. Essa Rede movimentou R$ 18 milhões em 2013, atendendo 1,2 milhão de pessoas. A tendência é que esse número cresça aceleradamente. Apenas no ano passado foram criadas 25 instituições desse tipo e as estimativas são de que outras 35 sejam inauguradas neste ano. As cidades sem bancos são os alvos preferenciais. “O objetivo não é competir com as instituições tradicionais, pelo contrário, a ideia é ser um complemento”, diz Melo. Esse modelo deu tão certo que, em 2006, o governo da Venezuela enviou 20 técnicos para conhecer de perto o projeto do Banco Palmas.
Hoje, o país vizinho tem mais de três mil bancos comunitários. “O Brasil virou referência no assunto, mas poderia ter se desenvolvido mais rápido se tivesse um marco regulatório”, acrescenta Melo. Para o Banco Central (BC), os bancos comunitários não são instituições financeiras e, por isso, não são regulados. No entanto, isso não quer dizer que são completamente ignorados. Em 2001, o BC notificou judicialmente o Banco Palmas, alegando que ele estava infringindo a Constituição ao criar uma moeda paralela. Três anos depois, a Justiça deu ganho de causa ao Palmas.
A vitória nos tribunais contribuiu para a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho, que acompanha e estuda a expansão desses bancos. “Com a criação da secretaria, eles ganharam status de política pública social”, diz Leonardo Leal, coordenador do projeto de apoio a bancos comunitários da Universidade Federal da Bahia. “Isso foi importante porque agora até mesmo instituições financeiras tradicionais podem contar com esses bancos como correspondentes em regiões às quais não conseguiriam chegar.”
Atualmente, cerca de 50 bancos comunitários atuam como correspondente da Caixa Econômica Federal. O próximo passo é a criação de um marco regulatório, pois, sem uma legislação específica, esses bancos são impedidos de captar poupanças. Um projeto de lei da deputada federal Luiza Erundina (PSB – SP) que estabelece um marco regulatório para os bancos comunitários tramita no Congresso desde 2007, mas sem previsão de ser colocado em pauta. “Esse é o nosso principal esforço, afinal, não faz sentido que a comunidade local não possa poupar em seu próprio banco”, diz Melo.