Fonte: http://aspta.org.br/campanha/657-2/

Em setembro de 2012 a revista científica Food and Chemical Toxicology publicou o artigo “Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize”, do pesquisador francês Gilles-Eric Séralini e sua equipe, relatando dados de experimentos de laboratório conduzidos ao longo de dois anos para testar os efeitos de longo prazo do milho transgênico da Monsanto NK 603 e do glifosato, o herbicida utilizado em associação com o milho modificado.

O estudo, que foi realizado com 200 ratos de laboratório, revelou uma mortalidade mais alta e mais frequente associada tanto ao consumo do milho transgênico, como do glifosato, com efeitos hormonais não lineares e relacionados ao sexo. As fêmeas desenvolveram numerosos e significantes tumores mamários, além de problemas hipofisários e renais. Os machos morreram, em sua maioria, de graves deficiências crônicas hepato-renais.

A revista em que o artigo foi publicado é, internacionalmente, das mais conceituadas do ramo. Para serem aceitos e publicados os estudos passam, necessariamente, por rigorosa avaliação de outros cientistas – a chamada “revisão por pares”.

Como seria de se esperar, após a publicação da pesquisa, que teve grande repercussão internacional, seguiu-se uma saraivada de críticas articulada pelas empresas e cientistas defensores da biotecnologia. As críticas foram todas respondidas pela equipe que realizou o estudo, que também disponibilizou à revista todos os dados adicionais solicitados após a publicação.

As duas críticas mais recorrentes ao estudo foram a espécie e o número de ratos utilizados como cobaias. Os ratos Sprague-Dawley foram “acusados” de serem naturalmente propensos ao desenvolvimento de tumores, e o número de ratos utilizados foi considerado insuficiente. Os críticos desconsideram, entretanto, que a espécie de cobaias utilizada pela equipe de Séralini é a mais comum nesse tipo de estudo, inclusive nos experimentos realizados pelas empresas que desenvolvem plantas transgênicas. Outros artigos relatando experimentos envolvendo a alimentação de ratos dessa espécie com plantas transgênicas já haviam sido publicados na mesma Food and Chemical Toxicology e utilizados em processos que levaram à liberação comercial de variedades transgênicas sem que tenha havido, nesses casos, críticas quanto à escolha dos ratos.

Com relação ao número de cobaias utilizado Séralini advertiu que nenhum estudo que embasou a autorização de plantas transgênicas tinha mais de 10 ratos avaliados por grupo de tratamento – número utilizado por sua equipe.

Além disso, cabe ressaltar que nenhum estudo publicado até então havia sido desenvolvido ao longo de dois anos, o que permitiu avaliar os efeitos da alimentação transgênica e da exposição ao glifosato ao longo do tempo de vida dos animais. É necessário observar que os principais problemas de saúde observados na pesquisa só começaram a aparecer a partir do quarto mês (nenhum outro estudo sobre o milho NK603 envolveu a alimentação de cobaias por mais que três meses).

No Brasil, após a publicação do artigo um grupo de entidades da sociedade civil encaminhou ao governo federal um ofício questionando a liberação comercial do milho NK603. Um grupo de integrantes e ex-integrantes da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) elaborou um parecer sobre o estudo de Séralini, também solicitando a revisão da liberação do milho transgênico no País. A Comissão, entretanto, se negou a reavaliar o produto e aprovou um contra-parecer, criticando o estudo francês – mas aceitou os dados da Monsanto obtidos a partir de ensaios feitos com a mesma linhagem e com durações mais curtas que a de Séralini et al. (Processo 01200.002293/2004-16, p. 200 e 205).

No sentido contrário, motivada pelos resultados do estudo de Séralini, a Agência Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) publicou, em setembro de 2012, diretrizes para a realização de estudos de longo prazo com ratos, reafirmando aspectos metodológicos usados por Séralini e sua equipe. Também em decorrência da relevância dos achados dessa pesquisa, a Comissão Europeia publicou edital no valor de 3 milhões de euros para a realização de pesquisas similares.

Mas o mais recente – e duro – ataque ao estudo aconteceu no final de novembro último, quando a revista Food and Chemical Toxicology anunciou a “retirada” do artigo de Séralini.

Segundo a Elsevier, editora da revista, o artigo foi retirado pelo fato de “não ser conclusivo”. O Dr. A. Wallace Hayes, redator-chefe da revista, justificou a retirada com o argumento de que o reduzido número de ratos e a susceptibilidade da espécie de animais utilizada no experimento não permitem extrair conclusões definitivas. A consistência científica, os métodos e os resultados da pesquisa não foram questionados pela publicação.

Segundo observado pela Rede Europeia de Cientistas pela Responsabilidade Social e Ambiental (ENSSER, na sigla em inglês), o redator-chefe da revista não informou quem foram os revisores que o ajudaram a chegar à conclusão de que a revista deveria retirar o artigo, e tampouco revelou os critérios e a metodologia dessa revisão, que prevaleceu sobre a conclusão da revisão por pares original que apoiou a sua publicação. Segundo a ENSSER, “esta falta de transparência sobre como se tomou esta decisão é imperdoável, carente de rigor científico e inaceitável, e suscita suspeitas de que a retirada do artigo seja um favor à indústria interessada, particularmente à Monsanto”.

É preciso também observar que o posicionamento assumido pela revista é contrário ao próprio método científico, pois a ausência de conclusões definitivas é justamente o que motiva o aprofundamento das pesquisas e do conhecimento – e não o contrário. Como também ressalta a ENSSER, segundo as diretrizes estabelecidas pela Comissão sobre Ética Editorial (COPE, em inglês) a falta de resultados conclusivos de uma pesquisa não justifica a sua retirada de publicações científicas – a revista Food and Chemical Toxicology é membro da COPE.

Além disso, é preciso notar que a revista científica manteve publicações anteriores sobre efeito do consumo de milho transgênico realizadas com a mesma linhagem de ratos, realizadas ao longo de apenas 13 semanas e 90 dias.

E um detalhe crucial nessa história e que não pode ser esquecido é que a composição do comitê editorial da revista foi alterada após a publicação dos franceses – justamente para dar lugar a um ex-funcionário da Monsanto, que desenvolveu o milho NK 603. Cabe aqui novamente citar a ENSSER, quando diz que as pesquisas do Prof. Séralini têm hoje mais validade do que nunca, pois até mesmo esta revisão secreta revelou que não existe nenhum erro nas questões técnicas, nem na conduta, nem na transparência dos dados – fundamentos nos quais se baseia a ciência independente, e que a relevância de seus dados será decidida por futuros estudos científicos independentes, e não por um círculo secreto de pessoas.

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