A retomada do projeto desenvolvimentista pelo governo brasileiro, paradigma atualizado e agora caracterizado como liberal-desenvolvimentista, tem causado temor e grande preocupação entre os povos indígenas, ativistas, movimentos sociais, e moradores da floresta, dos rios e das cidades amazônicas.
Dados do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração apontam que, entre 2001 a 2011, a produção mineral cresceu 550% no país. Praticamente no mesmo período, entre 2002 e 2012, o número de indígenas assassinados cresceu 170%. Foram aproximadamente 560 índios assassinados no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2019, elaborado pelo Governo Federal, propõe a implantação (entre 2015 e 2019) de mais de 60 Usinas Hidrelétricas, a maior parte nos rios da Amazônia, causando impactos socioambientais incalculáveis à região, e aos seus povos.
Contrapor-se a este projeto implica avançar em um confronto direto com Governos em todos os níveis, empresários e políticos corruptos, juízes comprometidos com o poder econômico, conglomerados nacionais e internacionais, entre diversos outros apoiadores que poderiam ser citados. Significa, enfim, confrontar-se com o Capital.
Tornando esta situação mais complexa, e especialmente perigosa para quem luta por direitos na Amazônia, no dia 29 de setembro de 2013, pouco antes da realização de uma audiência pública na cidade de Jacareacanga/PA, evento que tratou da construção da Usina Hidrelétrica de São Manoel, no rio Teles Pires, foi lida em praça pública uma carta assinada pelo Bispo da Prelazia de Itaituba/PA, direcionada aos índios Munduruku.
Várias questões que não aparecem na referida carta, explicam o teor da mesma. Apresenta-se a seguir uma parte de seu conteúdo, bem como alguns elementos que não estão explicitados nela, mas elucidam suas intenções.
Na carta o Bispo escreve que “O motivo desta carta é dar alguns esclarecimentos para que se evite problemas e confusões”. Segue afirmando: “Tenho conhecimento de que há pessoas que estão criando divisão entre vocês (…)”. “Recebi a informação de que pessoas estão indo nas aldeias e se dizendo do CIMI. Esclareço que, nos últimos tempos, não dei autorização para qualquer pessoa do CIMI trabalhar, em nome da Igreja Católica, na área indígena Munduruku, mesmo porque o CIMI não me pediu”.
Sendo direto, destaca: “Em especial quero esclarecer que uma tal de Ana Laíde, que não conheço pessoalmente, não tem qualquer autorização do Bispo para trabalhar em nome da Igreja Católica entre vocês. Tudo o que ela falar, fizer ou sugerir será sempre em seu próprio nome ou da instituição a que ela pertencer”.
Por fim, o Bispo decreta: “Portanto, se vocês quiserem ouvir e seguir esta pessoa, vocês são livres para seguir, mas se surgir problemas deve ficar claro que a Igreja Católica não tem nada a ver com suas atividades na área indígena de Jacareacanga”.
Em uma região historicamente marcada por intensos conflitos, e violência, a atitude de Dom Frei Vilmar Santin é temerária. A carta do Bispo da Prelazia de Itaituba por si só, e em especial por ter sido lida em praça pública, expõe Ana Laíde, educadora popular que realiza um importante trabalho discutindo a questão dos direitos humanos e socioambientais, a uma situação de extrema insegurança.
O vínculo político que existe entre o Bispo, o Prefeito da cidade, empresários e fazendeiros da região, entre outros, explica, mas de forma nenhuma justifica tal atitude. Assim, as entidades que assinam esta nota, responsabilizam, a partir deste momento, o Bispo da Prelazia de Itaituba; a prefeitura de Jacareacanga; as Polícias Civil, Militar e Federal; a Força Nacional de Segurança Pública; o governo Dilma Rousseff; o governo Simão Jatene; e as elites econômicas da região por qualquer coisa que possa acontecer com a referida educadora.
Ana Laíde se apresenta como militante pela causa socioambiental, como educadora popular, nunca como representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entidade da qual já fez parte. Seu trabalho na busca por um mundo melhor, contra a destruição do meio ambiente e dos povos da floresta, tem o respaldo de todas as entidades e indivíduos que subscrevem este documento. A ela, e a todos os lutadores e lutadoras sociais criminalizados, expressamos nossa mais profunda solidariedade e apoio.
Grande parte da Igreja católica sempre foi nossa aliada na luta contra os grandes projetos que historicamente tem levado a destruição da Amazônia e de seus povos, dos indígenas em especial, e temos certeza que a carta do Bispo de Itaituba não representa o posicionamento dominante nessa Igreja. Desta forma, deixamos expressa toda nossa indignação com a priorização de interesses políticos e econômicos, implícito na carta de Dom Frei Vilmar Santin, sobrepondo-se a defesa e garantia da vida.
Denunciamos ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual, e a todas as organizações nacionais e internacionais que têm como missão garantir o direito à livre organização, expressão e manifestação, que na Amazônia a liberdade de ativistas e moradores está sendo totalmente violada pelo governo brasileiro e seus apoiadores.
Um claro exemplo desta violação foi a morte do índio Munduruku Adenilson Krixi, em novembro do ano passado, assassinado pela Polícia Federal quando a mesma invadiu a aldeia Teles Pires. Outro exemplo é o atual estado de militarização da região do Tapajós, ação respaldada pelo Decreto Presidencial 7957/13.
Recentemente esta região foi novamente invadida, agora por homens da Força Nacional. Fortemente armados, acompanham pesquisadores que estão levantando dados para o Governo Federal. Nenhuma destas situações recebeu carta do Bispo da Prelazia de Itaituba, expressando o seu posicionamento.
Exigimos que sejam tomadas providências imediatas antes que Ana Laíde, e outros ativistas, tombem abatidos pelas balas desferidas por jagunços, que recebem “sinal verde” de supostas autoridades, como já se verificou tantas vezes nesta região.
Belém, 01 de outubro de 2013.
ASSINAM ESTA NOTA:
– Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal do Pará (SINTSEP/PA)
– Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS)
– Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU)
– Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Belém e Ananindeua
– Central Sindical e Popular CONLUTAS
– Mandato do Vereador Cleber Rabelo (PSTU/Belém)
– Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (ANEL)
– Diretório Central dos Estudantes/UFPA
– Juntos! Coletivo de Juventude
– União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES)
– Diretório Central dos Estudantes/UFOPA
– Rede Fórum da Amazônia Oriental:
Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO)
Associação Brasileira dos Ogãs (ABO)
Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do Baixo Amazonas (AOMT-BAM)
Associação de Artesãos do Estado do Amapá (AART/AP)
Associação de Divisão Comunitária e Popular (ADCP)
Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros de Santana (AGLTS)
Associação de Hortifrutigranjeiros Pescadores e Ribeirinhos de Marabá (AHPRIM)
Associação de Moradores Quilombolas da Comunidade de São Tomé do Aporema (AMQCSTA)
Associação de Mulheres do Abacate da Pedreira (AMAP)
Associação de Mulheres Mãe Venina do Quilombo do Curiaú (AMVQC)
Associação de Proteção ao Riacho Estrela e Meio Ambiente (APREMA)
Associação dos Moradores do Bengui (AMOB)
Associação Educacional Mariá (AEM)
Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (ASSEMA)
Associação Grupo Beneficente Novo Mundo (GBNM)
Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)
Encanto – Casa Oito de Março – Organização Feminista do Tocantins
Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)
Centro de Treinamento e Tecnologia Alternativa Tipiti (CENTRO TIPITI)
Centro Pedagógico e Cultural da Vila Nova (CPCVN)
Centro Popular pelo Direito a Cidade (CPDC)
Coletivo Jovem de meio Ambiente do Pará (CJ-PA)
Comunidade de saúde, desenvolvimento e educação (COMSAÚDE)
Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)
Cooperativa de Mulheres Trabalhadoras da Bacia do Bacanga (COMTRABB)
Cooperativa de Trabalho, Assistência Técnica, Prestação de Serviço e Extensão Rural (COOPTER)
Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (FAMCOS)
Federação das Entidades Comunitárias do Estado do Amapá (FECAP)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional – Programa Amazônia (FASE)
Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI-PA)
Fórum Carajás
Fórum de Participação Popular em Defesa dos Lagos Bolonha e Água Preta e da
APA/Belém – Fórum dos Lagos
Fórum dos Movimentos Sociais de Belterra (FMSB)
Fundação Tocaia (FunTocaia)
Grupo das Homossexuais Thildes do Amapá (GHATA)
Grupo de Mulheres Brasileiras (GMB)
Grupo Identidade LGBT
Grupo Ipé Amarelo pela Livre Orientação Sexual (GIAMA)
Instituto de Desenvolvimento Social e Apoio aos Direitos Humanos Caratateua (ISAHC)
Instituto de Divulgação da Amazônia (IDA)
Instituto de Mulheres Negras do Amapá (IMENA)
Instituto ECOVIDA
Instituto Trabalho Vivo (ITV)
Instituto Universidade Popular (UNIPOP)
Marcha Mundial das Mulheres (MMM – AP)
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto Urbano (MSTU)
Movimento Afrodescendete do Pará (MOCAMBO)
Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém (MMIB)
Movimento de Mulheres Empreendedoras da Amazônia (MOEMA)
Movimento de Promoção da Mulher (MOPROM)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Mulheres de Axé
Rede de Educação Cidadã (RECID)
Sindicato das Empregadas Domésticas do Estado do Amapá (SINDOMESTICA)
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM)
Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR/MA)
Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (SODIREITOS)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
União Folclórica de Campina Grande (UFCG)
União Municipal das Associação Moradores de Laranjal do Jari (UMAMLAJ)
– Associação dos Concursados do Pará (ASCONPA)
– Associação Sindical Unidos Pra Lutar
– Vamos à Luta – Juventude Indignada!
– Diretório Central dos Estudantes/UNAMA
– Grêmio Estudantil da Escola Estadual Ulysses Guimarães
– Grêmio Estudantil do NPI
– Junatas! Coletivo de Juventude
– Rede Emancipa – Movimento Social de Cursinhos Populares