Nos últimos dez anos o Brasil ganhou destaque no cenário mundial pela construção, em diálogo com a sociedade, de um conjunto inovador de instrumentos de políticas públicas voltados à erradicação da fome e da pobreza, e que figuram como parte integrante de um processo mais amplo de implantação de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Os efeitos positivos gerados por esse arranjo intersetorial de políticas foram essenciais para que os índices de pobreza e desigualdade caíssem de forma contínua ao longo da última década. Segundo pesquisa recente publicada pelo IPEA, sugestivamente intitulada A Década Inclusiva (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda, no Brasil, a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou 16,6% em termos acumulados entre 2001 e 2011, enquanto que a renda dos mais pobres atingiu índices de crescimento equivalentes a 91,2% neste mesmo período (IPEA, 2012). Mesmo assim, como nos informa esta mesma publicação, a desigualdade brasileira ainda figura como uma das 12 mais altas do mundo.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), institucionalizado em 2003, consolidou-se como uma experiência fundamental nesse processo de construção de uma sociedade mais justa e igualitária, possibilitando a aquisição, pelo poder público, com dispensa de licitação, de uma ampla diversidade de alimentos oriundos da agricultura familiar, que hoje são distribuídos a pessoas em situação de vulnerabilidade social por meio de instituições socioassistenciais, equipamentos públicos de alimentação e nutrição (incluindo bancos de alimentos, cozinhas comunitárias, restaurantes populares, entre outros) e escolas da rede pública e filantrópica de ensino. As compras públicas, anteriormente vistas como uma atividade dirigida ao consumo e controladas por um pequeno número de empresas, tornaram-se, com isso, uma ação promotora do desenvolvimento. Em 2012 o PAA atendeu, nas diferentes regiões do Brasil, a mais de 185.000 agricultores familiares e a milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

Em função de seu caráter inovador, o PAA tornou-se objeto de pesquisa e monitoramento por parte de pesquisadores, nacionais e estrangeiros, de diferentes áreas. Foram inúmeros os trabalhos realizados analisando dados quantitativos, fornecidos pelos órgãos executores, mas também, via levantamentos de campo, entrevistando gestores públicos, agricultores familiares, representantes de associações e cooperativas participantes do programa, entidades sócio-assistenciais e pessoas

beneficiadas pelas doações. Essa intensa atividade de pesquisa permitiu captar vários efeitos positivos do PAA junto aos seus beneficiários, entre eles: a diversificação dos sistemas produtivos da agricultura familiar, a melhoria de renda das famílias de agricultores fornecedoras do programa, a ampliação de postos de trabalho no setor agrícola, a construção de novos mercados e a dinamização dos mercados locais e regionais, o incentivo a uma agricultura familiar de base ecológica, o fortalecimento das organizações locais e do tecido associativo das comunidades rurais, o fornecimento de produtos de qualidade a populações em situação de vulnerabilidade social, a ampliação do número de pessoas atendidas pelas entidades sócio-assistenciais, a qualificação dos serviços prestados pelos equipamentos públicos de alimentação e nutrição, a promoção do desenvolvimento local e regional, entre outros.

Esses resultados encontram-se hoje sistematizados em diferentes publicações, relatórios de pesquisa, trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Claro está que, como pesquisadores, cumpre-nos abordar o programa com olhar crítico capaz de identificar suas insuficiências e necessários aprimoramentos com base em investigação rigorosa. Essa tarefa tem sido facilitada pelo amplo acesso a todas as informações referentes ao programa que nos tem sido concedido tanto pelo Governo Brasileiro quanto pelas organizações sociais, ao longo de todo esse esforço de investigação e avaliação, O PAA, nesse sentido, sempre primou pela transparência e publicização de informações.

Diante do quadro acima descrito, causa-nos estranheza o modo como tem sido conduzida e veiculada nos meios de comunicação, a chamada Operação Agrofantasma, que busca investigar presumidas irregularidades na operacionalização do Programa de Aquisição de Alimentos no estado do Paraná. Defendemos, sem dúvida, a averiguação de toda e qualquer irregularidade relacionada ao PAA, mas compreendemos que a prisão de 10 agricultores e de um funcionário da CONAB do Paraná, que vinham colaborando com as investigações, ainda demanda uma justificativa mais clara enquanto uma ação do poder público. Causa-nos, além disso, profundo constrangimento o modo como o trabalho desenvolvido pela CONAB e pelo Diretor Sílvio Porto, nesses dez anos de implantação do PAA, têm sido referenciados na mídia, em reportagens marcadas por muitos adjetivos e pouca clareza, e que parecem revelar, antes de tudo, um profundo desconhecimento sobre o programa e sua importância para as populações mais pobres desse país.

Reforçamos aqui que a CONAB tem sido uma peça-chave na execução do PAA e demais políticas de combate à fome e à pobreza, constituindo-se como uma empresa de vital importância para o abastecimento agroalimentar brasileiro. Sílvio Porto, Diretor da DIPAI/CONAB, é conhecido, por sua vez, pelo seu comportamento correto como homem público, pelo seu comprometimento com o PAA e pela sua capacidade administrativa e técnica no campo do abastecimento e da segurança alimentar.

Reafirmamos, por fim a importância do PAA enquanto política pública promotora do direito humano a alimentação à adequada e do desenvolvimento do país, conforme revelam os estudos realizados a seu respeito. Consideramos que a ampla participação das organizações sociais é ferramenta fundamental em sua implementação, caracterizada por uma trajetória permanente de aprimoramento de seus instrumentos de execução e controle social. Consideramos, ainda, que o Programa deve ter sua continuidade garantida, mantendo sua dinâmica permanente de diálogo com a sociedade civil e a ciência, no intuito de aprofundar seu caráter inovador e promotor de novas dinâmicas sociais, econômicas e ambientais no Brasil.

Assinam esta manifestação:

Nome Instituição

Alcemi Barros UFES

Alfio Brandenburg UFPR

André Michelato UFES

Ana Cristina Siewert Garofolo

EMBRAPA Agrobiologia

Anelise Rizzolo UNB

Antonio I. Andrioli UFFS

Claudia Job Schmitt CPDA/UFRRJ

Cristhiane Oliveira da Graça Amâncio EMBRAPA Agrobiologia

Elido Bonomo UFOP

Elisabetta Recine UNB

Emma Siliprandi Unicamp

Flavio Sacco dos Anjos UFPEL

Francisco Menezes IBASE

Georges Flexor UFRRJ

Inês Burg UFFS

Ines Rugani Instituto de Nutrição – UERJ

Islandia Bezerra UFPR

Jorge O. Romano CPDA/UFRRJ

Julian Perez-Cassarino UFFS

Leonilde Sérvolo de Medeiros CPDA/UFRRJ

Marcelo Kunrath Silva PPGS/UFRGS

Moisés Balestro UNB

Nelson Delgado CPDA/UFRRJ

Renata Menasche UFPEL

Renato Maluf CPDA/UFRRJ

Robson Amâncio UFRRJ

Rosângela Pezza Cintrão Doutoranda, CPDA/UFRRJ

Rozane Triches UFFS

Sérgio Pereira Leite CPDA/UFRRJ

Sérgio Sauer UNB

Sérgio Schneider PPGDR-PPGS/UFRGS

Sílvia Rigon UFPR

Sílvia Zimmermann CPDA/UFRRJ

Sonia Lucena Andrade Centro Josué de Castro – Profa aposentada UFPE

Teresa Gomes PUC-PR

Vanessa Schotz Doutoranda – CPDA/UFRRJ