Fonte: Por Vera Masagão Ribeiro*
Há um ano, a Secretaria-Geral da Presidência da República constituiu um Grupo de Trabalho, com participação de vários ministérios e representantes da sociedade, para elaborar um novo marco regulatório para as organizações da sociedade civil, as chamadas ONGs (Organizações Não Governamentais). Esse foi um compromisso de campanha assumido por Dilma Rousseff perante centenas de entidades e redes que subscreveram uma plataforma cujo horizonte era estabelecer novas bases para o engajamento cidadão no Brasil.
O apoio governamental às organizações da sociedade civil que atuam visando o interesse público é uma prática comum em países onde a democracia está consolidada. Estudo da Johns Hopkins University revela que o subsídio governamental às ONGs no Brasil é pequeno em comparação a esses países. Temos aqui uma legislação insuficiente e confusa, que dificulta o acesso das organizações cidadãs aos recursos estatais, ao mesmo tempo que permite o uso indevido dessas entidades, por parte de governantes, para favorecer grupos políticos ou simplesmente para enriquecimento pessoal.
A mais recente onda de escândalos envolvendo transações desse tipo levou à queda de ministros e ao enrijecimento dos controles sobre as organizações que acessam recursos federais. Ainda assim, o Grupo de Trabalho coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência, ao qual a Plataforma das Organizações da Sociedade Civil se integrou, conseguiu mobilizar a contribuição de um conjunto relevante de gestores públicos, juristas e líderes sociais que elaboraram propostas para melhorar a relação das entidades sem fins lucrativos com os órgãos do Estado. A mais importante delas é um Projeto de Lei que estabelece um novo instrumento de contratualização, o Termo de Fomento e Colaboração, estabelecendo obrigações relativas ao chamamento público e à prestação de contas, tanto para os administradores públicos como para as organizações.
Do ponto de vista político, o principal avanço do Projeto de Lei é reconhecer que as organizações da sociedade civil não podem ser reduzidas a braços executores de políticas governamentais; devem ser fomentadas como expressão autônoma da sociedade, espaços de experimentação de novas tecnologias sociais, canais de participação e controle social. Um instrumento adequado para regular o repasse de recursos governamentais às organizações é um primeiro passo necessário, que precisaria ser complementado com o reforço e constituição de novos fundos públicos voltados ao fomento da participação social. O ministro Gilberto Carvalho anunciou em março a constituição de um fundo dessa natureza, mas até agora nada foi concretizado.
Não obstante isso, e ainda que o acesso a recursos públicos seja absolutamente legítimo, a sociedade civil organizada não pode depender integralmente de repasses governamentais. Deve ser também capaz de mobilizar junto à própria sociedade os recursos necessários para promover suas causas. Para tal, precisaria contar, como em outros países democráticos, com instrumentos para captação de recursos, como incentivos fiscais e um regime tributário favorável. Infelizmente, no Brasil, o mesmo imposto que se cobra da pessoa que deixa uma herança para os descendentes é cobrado daquela que deseja fazer uma doação a uma entidade sem fins lucrativos ou mesmo a uma universidade pública.
Para cumprir a agenda da Plataforma das Organizações da Sociedade Civil, com a qual Dilma Rousseff se comprometeu como candidata, temos ainda muito a fazer. Vivemos um longo compasso de espera, já que o Grupo de Trabalho coordenado pela Secretaria-Geral da Presidência teve suas atividades encerradas em julho e até agora não se conseguiu sequer que seus produtos fossem apresentadas à Presidenta. No que se refere a um marco regulatório para as organizações da sociedade civil, corremos o risco de dar continuidade aos oito anos de promessas adiadas da gestão Lula da Silva.
Não podemos esperar mais. Temos a palavra dada, escrita e assinada da Presidenta. Temos também a urgência histórica, pois à medida que avança o crescimento econômico do país, aumentam as responsabilidades que pesam sobre seus cidadãos e governantes. Precisamos de uma sociedade civil brasileira forte e engajada que, além de consumir mais, se comprometa com a busca de alternativas econômicas, sociais e ambientais sustentáveis, tanto quanto com os valores da justiça e da solidariedade.
Vera Masagão Ribeiro é Diretora Executiva da Associação Brasileira de ONGs – Abong e membro da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil.