Fonte: EITA (http://e.eita.org.br/1j)

Por Daniel Tygel

Vejam a lógica das notícias: como os miseráveis trabalhadores(favelados) das minas, que depois do Apartheid continuaram miseráveis, estavam prejudicando os lucros de uma empresa multinacional de Platina,que também eram lucros para o governo, então valia a pena matá-los (mais de 30, assassinados). http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/08/confronto-de-policia-e-mineiros-na-africa-do-sul-mata-36-diz-sindicato.html

Vejam que é dito, na notícia, que os “policiais foram forçados a atirar, pois estavam sendo atacados e o único jeito de dispersar era matando”. Vejam que em nenhum momento se comenta o absurdo que é a polícia continuar lá presente se 3 mil trabalhadores com ódio gigantesco estavam lá. O correto era a polícia ter se retirado, e a presidência entrar em negociação direta. Vejam a naturalidade com que os meios de comunicação “justificam” a presença da polícia pelo fato daquelas minas serem responsáveis pela produção de 96% da platina do país, e a terceira maior produção do mundo.

Vejam como as reivindicações dos trabalhadores não são citadas. Vejam como nenhum mineiro é ouvido.

Isso é o mundo em que vivemos. É raro que a polícia abra tiros desse jeito, mas isso aconteceu aqui em Pinheirinho, com apoio do governo estadual de São Paulo. O que não é raro é que a propriedade privada dos ricos, grandes empresas transnacionais, seja protegida com todos os mecanismos do Estado à disposição: regulamentos legais, financiamentos, policiamento, todo tipo de seguranças e garantia. Se uma pessoa pobre se levanta contra o lucro, é um criminoso.

Esta defesa intransigente dos lucros e da propriedade privada dos enriquecidos está por trás de boa parte das obras de infra-estrutura no Brasil e demais países, como a TKSA, Belo Monte, Transposição do São Francisco e tantas outras hidrelétricas, portos, estradas. Está por trás também do agronegócio e da violência no campo. Do uso abusivo de venenos e sementes de grandes empresas e dos vários mecanismos de coerção, assistência técnica e proteção das empresas. Está por trás da criminalização dos movimentos sociais.

Isso é, na minha opinião, umas das coisas que precisam ser discutidas na V Plenária Nacional de Economia Solidária: quais os significados e impactos da autogestão, do trabalho associado e da cooperação ao invés de competição na organização da economia? O que significa uma economia para a vida e não para o lucro? Que estratégias devemos usar para conseguir lutar por um reconhecimento da economia solidária como motor de um outro desenvolvimento?

Aliás, por que a economia solidária não recebe apoio quando se baseia na cooperação e na autogestão, mas só recebe apoio se ganha uma carinha de “empreendedorismo social” e microempreendedores ou ação social contra a pobreza? Por que? Será que é por que não damos resultados econômicos em termos de PIB? É isso? Ou será que a economia solidária não interessa a um Estado totalmente ligado a interesses do grande capital, dos ricos, das multinacionais?

Na minha opinião, este debate mais amplo é necessário. Tivemos coragem e ousadia em negar a fusão da economia solidária com o microempreendedorismo “sebraeano”, com a ideia de “capital social” (ganhar dinheiro fazendo o “bem”), em 2011 na discussão do PL865. Conseguimos lograr uma importante aliança com alguns movimentos durante o encontro de Diálogos e Convergências em setembro de 2011 (vale ler a carta final do encontro! ela se encontra em www.dialogoseconvergencias.org). Conseguimos agora nos colocar durante a Cúpula dos Povos claramente contra a economia verde e sua mercantilização da vida.

Mas é bom entendermos o que isso significa: ter posicionamento pela vida e contra o lucro implica em ser criminalizado, ser isolado, e ter setores torcendo para que os empreendimentos solidários não vão para frente. Os empreendimentos solidários têm dificuldades por não terem nenhum tipo de apoio, enquanto as empresas convencionais têm todo tipo de apoio, desde o cultural, financeiro, de logística, de financiamento, de isenções tributárias e até mesmo de vigilância sanitária, por seu modo industrial de produção, contrário ao modo mais artesanal e comunitário da economia solidária.

Ao tomarmos posição, temos também que ter clareza de que nos colocamos “contra a corrente”, até mesmo de setores chamados de progressistas, como grupos de algumas centrais sindicais ou de partidos “progressistas”. E ao nos colocarmos contra a corrente, temos que lutar para ganhar um reconhecimento como motores de outro desenvolvimento. E nos alinhar com outros movimentos sociais à luta pela mudança do modelo de desenvolvimento.

Acredito que este tema enriquece o debate da V Plenária Nacional. Pois às vezes sinto um excesso de disputas internas em alguns dos fóruns estaduais, muitas vezes por migalhas e restos de programinhas e ações, enquanto deveríamos estar olhando para o conjunto da sociedade neste contexto atual. É por isso que a V Plenária é diferente da IV Plenária. A IV Plenária, em 2008, era de reestruturação e debates internos sobre o FBES. A V Plenária, por sua vez, necessita ter como foco uma análise da situação contextual e das lutas que são necessárias travar por parte do movimento de economia solidária.

E isso é difícil, pois o simples fato de sobreviver como um empreendimento solidário hoje é um ato de luta. Por isso o movimento de economia solidária, assim como o de agroecologia, são diferentes de muitos outros movimentos.

Não é uma luta só de reivindicação e crítica ao sistema, mas principalmente uma luta em fazer a ação econômica no dia a dia, produzir, consumir, vender, com outra lógica. É uma política do cotidiano (daí a importância enorme do movimento de mulheres e da educação popular influenciando o movimento de economia solidária), que não se manifesta em massivas demonstrações populares, mas sim em lindos e diversificados produtos e serviços produzidos e comercializados a partir de princípios e valores não capitalistas (não-capitalista significa aqui: “não centrado no acúmulo de capital”, ou seja, “não centrado no lucro, mas sim no cuidado e na reprodução da vida”).

Como fazermos um movimento social diferente, com a cara da Economia Solidária? Esta é outra questão que julgo importante para a V Plenária. A partir das práticas existentes, de cooperação, organização em rede, realização de feiras, construção de bancos comunitários e fundos rotativos, de centrais de comercialização solidária, de incubadoras universitárias… são tantas manifestações diferentes da Economia Solidária. Como dar mais visibilidade a isso? E como impedir que isso seja confundido com as palhaçadas da “responsabilidade social empresarial”, da “economia social”, da visão-sebrae de microempreendedorismo, e da visão dos governos federal, estadual e municipal de que economia solidária é apenas uma ação social?

Vamos discutir isso? É para isso que servem os Fóruns de Economia Solidária: para servirem de referência e de base às pessoas que fazem o movimento de economia solidária. Disputas ou alianças confusas com setores da economia social e empresarial só fragilizam esta “casa”. Que tal cuidarmos de nossas casas? Fazer dos Fóruns de Economia Solidária a casa em que as/os trabalhadores de empreendimentos solidários e de entidades possam se encontrar, celebrar, se reconhecer, partilhar suas dúvidas, dores, lutas, experiências, conquistas e outras práticas do dia a dia?

A Plenária não pode também se resumir a ficar olhando somente para pequenos programinhas que existem ou somente para políticas públicas. A Plenária é diferente de uma Conferência. A Plenária é do movimento de economia solidária. Uma conferência é uma ação governamental de discussão de políticas públicas. Temos que ir muito além disso.

Que tal se a Plenária for um momento lúdico, de encontro, de festa popular, em que possamos nos reconhecer, olhar nossas práticas e experiências, e perceber as tantas coisas legais que estão acontecendo neste país na economia solidária? São milhares de exemplos bonitos e fortes, em todo o canto deste belo país. Que seja momento de encontro e cooperação, e não de “disputa” aos moldes sindicais ou partidários. Que consigamos lidar com as diferenças internamente, mas sem perder a identidade!

Reproduzo abaixo o resultado das audiências públicas do PL 865, no ano passado. Acho que são inspiradoras para vermos o que é e o que não é a economia solidária. Seguem abaixo.

Deixo, com estas bobas reflexões, um abraço carinhoso a cada um e cada uma que, ao viver da economia solidária, está dando um passo de transformar nossa sociedade. Esta é a verdadeira luta, que precisa de trincheiras, que são os fóruns de economia solidária.

Vamos que vamos, rumo a V Plenária Nacional de Economia Solidária!

Carinho,

daniel – lua nova de agosto de 2012

Leia abaixo um pequeno trecho do documento entregue à Presidência da República em agosto de 2011 depois das audiências públicas estaduais e nacional. Apś a entrega deste documento, o governo voltou atrás e dissociou a economia solidária do microempreendedorismo. O documento encontra-se em: http://www.fbes.org.br/?option=com_docman&task=doc_download&gid=1452