Reportagem de Alexandre Costa Nascimento, publicada pela Gazeta do Povo, 20-02-2012
Uma mão de obra cada vez mais velha, escolarizada, escassa e, consequentemente, mais cara. O trabalho doméstico passa por um lento processo de transformação, decorrente das mudanças socioeconômicas do país na última década. A tendência estatística já sugere que contar com uma trabalhadora doméstica em casa será um “luxo” no Brasil dentro de alguns anos.
Na última década, o número de trabalhadoras domésticas cresceu em proporção menor que a população, segundo estudo realizado pelo instituto de pesquisas Data Popular a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a pesquisa, o país tem 6 milhões de trabalhadoras, 3% da população, que movimentam R$ 43 bilhões por ano – cifra equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) de Curitiba.
O rendimento médio da categoria cresceu 43,5% acima da inflação entre 2002 e 2011 – a renda média de todos os trabalhadores subiu 25% –, mas continua abaixo do salário mínimo. As domésticas com carteira assinada ainda representam apenas 28% da categoria, e ganham em média R$ 508,17, cerca de 80% do mínimo. As “sem-carteira”, 72% das profissionais, recebem somente R$ 351,43, pouco mais da metade do piso.
“O trabalho doméstico continua sendo a atividade que mais emprega mulheres no Brasil, em especial negras e pobres”, aponta a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Luana Simões Pinheiro. Segundo ela, o Brasil ainda não vive o “sumiço” do trabalho doméstico, mas já é possível observar um acentuado processo de envelhecimento da força de trabalho. Na última década, a média de idades das trabalhadoras cresceu de 35 anos para 39 anos.
“A extinção do trabalho doméstico é um fenômeno que não está muito distante da gente. Não estão entrando novas trabalhadoras para repor as que se aposentam. As jovens e meninas de regiões mais pobres têm tido acesso a escolaridade e vão cada vez mais entrando em outras profissões. Cai a oferta de mão de obra, mas não a demanda pelo serviço. Em algumas capitais já podemos perceber o reflexo disso nos salários ou no preço das diárias”, diz a pesquisadora. A coordenadora do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mundo do Trabalho da OIT Brasil, Márcia Vasconcelos, avalia que a redução das desigualdades sociais que ocorre no Brasil é mais lenta em relação às domésticas. “O trabalho doméstico tem invisibilidade, déficit de direitos e desvalorização. Reage de maneira mais lenta aos progressos verificados no resto da economia.”
Constituição discrimina a classe
A discriminação social das trabalhadoras domésticas encontra amparo na própria Constituição Federal. O artigo 7º da Carta Magna assegura a todos os trabalhadores brasileiros 34 direitos fundamentais, mas o parágrafo único desse mesmo artigo dá à categoria dos trabalhadores domésticos somente dez desses direitos. Essa diferenciação exclui as domésticas de proteções básicas como férias remuneradas, 13º salário, seguro desemprego, seguro acidente, remuneração por horas extras e limite máximo de jornada de trabalho.
Ao longo dos anos alguns direitos foram garantidos com legislação infraconstitucional. E um projeto de emenda constitucional propõe a exclusão do parágrafo que restringe os direitos da categoria. “Existe uma resistência da sociedade com o argumento de que a igualdade de direitos encareceria o trabalho doméstico. É um argumento cheio de preconceitos, semelhante aos usados pelos escravagistas quando a sociedade brasileira discutia a abolição no século retrasado”, compara a pesquisadora do Ipea Luana Simões Pinheiro.
Ascensão por meio do estudo
A evolução social das domésticas vem sendo impulsionada pela elevação do grau de escolaridade dessas profissionais. O número de trabalhadoras que chegou ao ensino médio quase dobrou entre 2002 e 2011, passando de 12,7% para 23,3%. Apesar de níveis ainda baixíssimos, a proporção de empregadas com curso técnico ou superior cresceu 85%, saltando de 0,7% para 1,3%.
Ana Cristina Timóteo Silva foi uma das trabalhadoras que teve a oportunidade de trocar a vassoura pelos livros e, posteriormente, pelas seringas. Ela faz um curso técnico de enfermagem e hoje trabalha no Hospital Evangélico, em Curitiba. “Ninguém escolhe ser doméstica por sonho. Comecei a trabalhar ainda jovem, com 17 anos, e tive que abandonar os estudos. Depois me casei, tive filhos e fui adiando o sonho de voltar a estudar”, conta Ana Cristina, hoje com 42 anos.
“Trabalhei 13 anos com a mesma família, com carteira assinada, e eles me ajudaram a estudar para ter uma nova profissão. Eles me ajudaram a pagar metade do curso”, diz. Segundo ela, o sonho de buscar uma nova qualificação ia além da questão financeira. “Existe a vontade de crescer profissionalmente e melhorar de vida”, avalia.
Mesmo trabalhando no hospital, Ana Cristina resolveu voltar a trabalhar como diarista há seis meses – justamente para a família que a ajudou com parte do financiamento do curso. Segundo ela, a soma das duas rendas representa o triplo do que ganhava apenas como doméstica. “Hoje temos casa própria, um carro financiado, computador e posso pagar dar à minha filha um estudo melhor”, conta. No Natal, a filha ganhou um iPad. “Posso dar a ela coisas que jamais tive ou imaginaria ter. A grande mudança foi possível através do estudo”, diz Ana.