Por Eduardo Szazi
Tomo a liberdade de transcrever decreto da presidenta suspendendo a transferência de recursos para o Terceiro Setor, enquanto determina aos Ministérios que avaliem a regularidade da execução dos convênios, contratos de repasse e termos de parceria. Em meu entendimento, na melhor das hipóteses, a experiência mostra que o prazo não será cumprido e o decreto resultará em suspensão de transferência de recursos por prazo indeterminado.
Isso porque:
1) Avaliação de regularidade, no modelo costumeiro de operação, se dá a partir de relatórios de prestação de contas. Não vejo outra forma para a burocracia fazer tal avaliação, ainda mais quando está acuada pelas denúncias e com medo de ações de improbidade;
2) Como os Ministérios não fazem visitas ‘in loco’, a avaliação da regularidade demandará ofício a todas as entidades para que apresentem prestações de contas parciais;
3) É fortemente improvável que todas as entidades apresentem relatórios em menos de 30 dias contados a partir de hoje;
4) Ainda que as prestações de contas sejam recebidas no prazo fixado, 30 dias têm sido notoriamente insuficientes para que os Ministérios avaliem as prestações de contas que recebem regularmente;
5) O aumento de volume de prestações de contas levará ao congestionamento do sistema de avaliação, fato observado, por exemplo, quando do recadastramento de entidades estrangeiras, que eram em número muito menor e tinham pacotes documentais muito mais simples, pois não usavam recursos governamentais;
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Na pior das hipóteses, como a retomada da liberação de recursos depende da avaliação das prestações de contas, que estarão acumuladas ‘aos montes’, o decreto induz ao aumento do ‘tráfico de influências’ nos gabinetes ministeriais, pois, afinal, algumas entidades poderão ter os seus recursos liberados antes, se suas prestações de contas forem apreciadas primeiro.
O procedimento escolhido pelo decreto, infelizmente, pode acabar reforçando a conduta que sempre deu azo aos fatos que levaram à própria suspensão das transferências de recursos.
Ponto que passou desapercebido e é, me meu entender, o principal ponto de fragilidade sistêmica, é o critério do ordenador de despesa para selecionar a entidade parceira.
Se o decreto prevê que a retomada das transferências depende de decisão ‘devidamente fundamentada e precedida por parecer técnico que ateste a regularidade da execução do convênio, contrato de repasse ou termo de parceria avaliado’, porque não avançar no detalhamento da exigência de tal parecer no processo de escolha da entidade?
Sei que o Decreto 7568 introduziu o ‘chamamento público’ para seleção de entidades o que é, sem dúvida, um avanço para os convênios e contratos de repasse, embora procedimento análogo já estivesse previsto para os termos de parceria com oscips desde 1999. Nos termos da lei 9790 e do decreto 3100, que tratam das oscips, a norma é mais avançada, pois envolve o conselho de política pública afeto ao objeto do termo de parceria, submetendo, assim, a decisão de contratação do Ministro de Estado ao escrutínio de um órgão colegiado.
Sabemos que a publicização dos atos governamentais é elemento chave para o sucesso no combate à corrupção. Por isso, a importância do envolvimento dos conselhos de política pública na tomada de decisão. Ademais, sendo as reuniões dos conselhos objeto de atas publicadas no DOU, a sociedade tem mais instrumentos para acompanhar a motivação de seleção de uma ou outra entidade, principalmente se tais atas forem suficientemente detalhadas.
Isso nunca ocorreu com os convênios e contratos de repasse, cuja motivação não era (e continua não sendo) publicizada para um conselho nem tampouco publicada no DOU, pois os ‘pareceres técnicos’ ficam restritos ao processo interno do Ministério.
A presidenta deve ser aplaudida pela coragem em editar os decretos 7568 e 7592, mas é necessário avançar para que as relações entre o governo e as organizações da sociedade civil, hoje estremecidas pelos escândalos, sejam reposicionadas para um patamar republicano, como se observa em outros Estados Democráticos de Direito.
Estado e ONGs são entes concebidos para atuar na esfera pública, em benefício da sociedade e, por isso, sempre terão elementos de conexão que justificam parcerias. O modelo de relacionamento deverá privilegiar o fortalecimento da democracia.