Fonte: UOL Notícias

Imagine um mapa no qual, além de cidades, regiões e Estados, é possível também identificar em quais localidades houve escândalos de corrupção, com seus respectivos esquemas e personagens investigados e ainda colaborar com a menção de casos que eventualmente não estejam nele listados.

É essa a dinâmica do Mapa da Corrupção no Brasil, iniciativa lançada no final do mês passado por uma moradora de São Paulo e que cresce, desde então, graças à divulgação e colaboração de internautas.

O mapa está hospedado no Google Maps e é operado por meio da ferramenta wiki, software de perfil colaborativo que permite a edição coletiva e automática dos documentos. Até a manhã desta quarta-feira (15), pelo menos 40 casos –a maioria, das regiões Sul e Sudeste –haviam sido listados pelos colaboradores. O número de visualizações, contudo, foi bem maior: cerca de 30 mil.

Criadora do serviço, a editora de imagens Raquel Diniz conta que a ideia surgiu em 2008, em viagem a uma Espanha em início de crise econômica. Ela diz que, morando lá por dois anos, viu movimentos sociais surgirem em resposta à crise e por meio deles conheceu mapas de corrupção divididos por partidos políticos, como o autodenominado “corruptódromo” do “No Les Votes” (“Não vote neles”), também no formato wiki. Quando voltou ao Brasil, decidiu colocar em prática algo semelhante –já que matéria-prima não seria exatamente escassa.

“Há muitos casos de corrupção no Brasil, e senti que era importante as pessoas terem um retrato desse quadro, para que ele pudesse servir de referência e para que a população não vote em que está no mapa. Porque é fato: muitos que roubam e até já foram presos continuam no poder; continuam sendo votados”, critica.

Para identificar um caso de corrupção no mapa, é preciso que o colaborador adicione um link que confirme que não se trata de invenção. É válida, por exemplo, matéria publicada na mídia sobre o assunto.

Indagada se não teme uso político da ferramenta por partidários de uma ou outra sigla, por exemplo, Raquel admitiu que essa possibilidade existe. “Não tem como não ser arriscado, porque a edição, até pelo tipo da ferramenta, é automática. Mas, se isso acontecer, excluo”, comenta, para completar: “É um vespeiro. Seria fácil falar que tenho medo, e realmente tenho, mas fiz a opção de deixar o mapa público porque acredito que se trata de uma construção de longo prazo –e porque acredito na internet, com as redes sociais e as ferramentas wikis, como algo para que as pessoas tenham uma opinião própria. É por meio do mundo web que as pessoas ainda vão se informar para votar em alguém”, aposta.

“A dúvida é: quem vai contribuir?”

Estudioso da temática da corrupção, o norte-americano Matthew Taylor, professor doutor do departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo), afirma que iniciativas como o Mapa da Corrupção são válidas. “Toda iniciativa no sentido de se usar a inteligência conjunta de milhares de contribuidores é muito válida, pois produz algo independente, que acaba se somando ao que fazem pequenas ONGs, por exemplo”, diz. Mas ele ressalva: “A dúvida é: quem que vai contribuir?”

Para o analista, como vários dos casos dispostos no mapa são das regiões Sul e Sudeste do Brasil, nota-se um alcance pequeno para esse tipo de ferramenta. Segundo ele, mudanças no atual sistema político teriam mais resultados se a mapa tivesse ampla penetração entre o eleitorado brasileiro.

“Ainda não são muitos os eleitores que acompanham esse tipo de informação –não que não seja útil. Mas em uma eleição de deputados, por exemplo, a lista aberta de representação proporcional é algo que diminui muito o vínculo entre a informação e o voto contra a corrupção. Enquanto se utilizar esse tipo de lista, mesmo que todos os eleitores fossem super conscientes, dificilmente conseguiriam impor algum tipo de responsabilização por corrupção, por meio do voto, aos deputados. Em São Paulo, por exemplo: o cidadão escolhe um entre 70 deputados –a responsabilização é muito baixa, pois, ainda que eleja o seu, tem outros 69”.

De acordo com Taylor, o voto distrital, na linha oposta ao de listas abertas, “talvez ajude” a aumentar a responsabilização de políticos ou candidatos corruptos –uma vez que poderiam ser barrados antes mesmo do pleito. “Mas é um tipo de voto que diminui a representatividade do eleitor, que não opina na escolha desses nomes”, define.

Para explicar a mudança de comportamento positiva que acontece no curto ou médio prazos, o especialista cita um site indiano, o “I paid a bribe” (Eu paguei um suborno”), como referência de alternativa viável a um cenário de mudanças mais rápidas.

“Porque é uma ferramenta que garante o anonimato de quem denuncia, e também do denunciado –o que é citado é o tipo de corrupção e em qual tipo de serviço ele aconteceu. O resultado é que se formou uma base de dados sobre pagamento de propina em serviços diversos por toda a Índia, e sobre uma corrupção que afeta a vida cotidiana”, afirma. “E o que é bom: sem precisar de um editor (como no mapa brasileiro), definindo um padrão de cobrança de propina e, pelo anonimato, com chances menores de utilização política”