Fonte: ABONG, publicado na Adital

Apesar das inúmeras conquistas dos movimentos feministas nas últimas décadas, a igualdade efetiva entre homens e mulheres no Brasil continua sendo uma realidade distante. Persistem graves problemas, como a reduzida representação política, os salários desiguais, a responsabilidade quase exclusiva em relação ao trabalho doméstico e ao cuidado de filhas e filhos, a mercantilização do corpo feminino, e um dos mais graves e preocupantes, a violência de gênero.

Esse tipo de violência se manifesta de diversas maneiras – como a violência doméstica, o assédio sexual, o estupro, o tráfico de mulheres, a criminalização do aborto – e atinge mulheres de todas as classes sociais, raças e idades.

Nesse contexto, a violência doméstica contra as mulheres apresenta índices alarmantes e constitui uma das maiores preocupações das brasileiras. Cinco mulheres são espancadas a cada 2 minutos no Brasil, de acordo com o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, da Fundação Perseu Abramo e do SESC, divulgado em fevereiro deste ano. Aproximadamente uma em cada cinco mulheres considera já ter sofrido algum tipo de violência de parte de um homem. E, segundo o Mapa da Violência 2010, do Instituto Sangari, a cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil. Os principais responsáveis por esses crimes são parceiros, ex-parceiros ou homens que foram rejeitados por essas mulheres. A violência machista tem consequências perversas para a saúde física e mental dessas mulheres, resulta em sentimento de culpa, isolamento, baixa auto-estima, dificuldade de participar da vida pública, entre outros desdobramentos.

Por isso, neste 8 de março, a ABONG reafirma a necessidade de se tomar medidas urgentes para combater esse problema, entre elas a efetiva implementação da Lei Maria da Penha (11.340/06), que prevê a criação de mecanismos com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo ações para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência e medidas de punição dos agressores. Neste mês, diversas associadas da ABONG realizarão atividades e mobilizações contra a violência machista, entre outros problemas enfrentados pela população feminina, e defendendo a Lei Maria da Penha (leia matéria sobre isso neste Informes).

Elaborada a partir de uma proposta apresentada por um conjunto de entidades dos movimentos feministas, a Lei Maria da Penha, sancionada pelo presidente Lula em 2006, é considerada uma conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres. A legislação engloba, além da violência física, a psicológica, sexual, patrimonial e moral, e apresenta diretrizes de políticas e ações integradas do poder público para diversas áreas.

A nova legislação trouxe inegáveis avanços, que vêm beneficiando milhares de pessoas. Um dos pontos de destaque são os instrumentos criados para combater a impunidade, que antes atingia 90% dos casos que chegavam à Justiça brasileira, e para demonstrar que essa violência não pode ser tolerada na nossa sociedade. Com a nova legislação, foi proibida a aplicação de penas de cesta básica ou multa a esses casos, que deixaram de poder ser caracterizados como crimes de menor potencial ofensivo. Estão sendo criados nos estados Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, e está em curso a descentralização e interiorização das delegacias e centros de referências de mulheres, entre outras mudanças.

A Lei Maria da Penha, no entanto, provocou fortes reações de setores conservadores que tentam invalidá-la de diferentes formas, inclusive com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), uma das associadas da ABONG, atualmente acompanha 23 projetos de lei para modificá-la que tramitam no Congresso Nacional, alguns deles propondo retrocessos. Há também uma enorme resistência na aplicação da lei, por conta do machismo arraigado nas instituições públicas brasileiras.

A Central de Atendimento à Mulher (180) registrou nos últimos anos um aumento expressivo no número de denúncias, provavelmente provocado pela redução da impunidade nesses casos. Ainda assim, a pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo mostra que as denúncias a alguma autoridade policial ou judicial não ultrapassam um terço dos casos. Isso quer dizer que ainda existe um enorme contingente de mulheres silenciadas, presas no ciclo da violência, que vivenciam a violência machista sem conseguir denunciá-la, muitas vezes dependentes emocional e financeiramente do agressor, que procuram preservar o núcleo familiar ou temem por suas vidas.

Provavelmente a Lei Maria da Penha não será suficiente para reverter esse problema, já que a violência contra a mulher é fruto de uma sociedade patriarcal e, dessa forma, depende de mudanças sociais e culturais muito mais profundas. No entanto, a concretização integral da Lei Maria da Penha constitui um passo importante para erradicar a violência doméstica e familiar; é necessário resistir coletivamente àqueles que a questionam e a desqualificam e impulsionar para que seja dada prioridade política e orçamentária à implementação desse instrumento.