Por Sueli Aparecida da Silva*

Os efeitos da pobreza, da desigualdade social e de gênero afeta principalmente as mulheres e seus filhos. Na realidade brasileira a vulnerabilidade social, o desemprego, a carência de políticas públicas efetiva de combate a desigualdade e falta de oportunidade e acesso aos meios adequados de sobrevivência atinge imensamente a população pobre, e com maior grau a mulher e sua prole.

Nos extratos mais baixos, as organizações familiares, tendo a mulher como chefe de família, criaram-se uma nova modalidade de gerir a economia familiar e local em função do desenvolvimento econômico vigorante. Em quase todas as famílias, de alguma forma, os filhos são subsidiados pelas mães.

A mulher sempre busca uma alternativa de produzir renda extra para garantir o equilíbrio na renda familiar, e na maioria das vezes, a prática gera uma permanência que a leva a se especializar na área, gerando uma economia constante e eficaz no desenvolvimento familiar e no giro do capital local. Como veremos a atuação das mulheres no desenvolvimento do microcrédito e da economia solidária.

Neste âmbito, o papel do microcrédito é muito importante para o desenvolvimento, ganhando espaço prioritário para atingir as necessidades/carências de empregos, de formalização de experiências locais e pessoais, na incrementação da economia local e/ou das habilidades pessoais, as quais convertem-se em bens e consumo para a comunidade local. Como explica o professor Yunus(1) sobre os excelentes resultados que deu o banco dos pobres, aproveitando as experiências locais, os recursos humanos e a matéria prima existente, gerou um desenvolvimento que elevou admiravelmente a qualidade de vida da população local e permitiu acessos a serviços e oportunidades, até então desconhecidas, ainda que necessárias, para a satisfação das necessidades básicas.

Para Yunus, nestas condições, as mulheres são as mais vulneráveis, e são elas também, as potencialidades mais latentes, com maiores habilidades para gestar e gerir a economia do microcrédito, como foi à experiência que contemplou as aldeias pauperizadas de Bangladesh, e confirmado no mundo inteiro que a experiência é, sem dúvida, uma forma eficaz contra a pobreza, desde que bem acompanhada, oferecendo possibilidades adequadas e accessíveis para a população.

As mulheres –desde suas habilidades, capacidades e criatividades– são tendentes a apostarem com tudo numa nova dinâmica de atuação e descoberta de uma “vida nova”, rumo a uma mudança transformadora. Yunus afirma que em uma família com carências econômicas, a mulher consegue com mais tranqüilidade equilibrar os gastos com o dinheiro extra. Para ele “as mulheres são atores privilegiados no desenvolvimento local” (YUNUS, p 116, 2000).

A atuação do microcrédito ou da Economia Solidária – Ecosol, gera uma relação incisiva entre sujeitos, como conta o professor Yunus, em sua experiência com mulheres que mudaram por completo a visão de mundo e suas relações sociais no contato com o incremento econômico. Elas que nunca sentiram capazes de ter em mãos um capital que as permitissem gerir um negócio próprio, e que as favorecesse economicamente, sobretudo a família, aos poucos descobrem com grandes capacidades de mudar um cenário inerte, pela situação acomodada. A relação de empoderamento econômico faz com que os sujeitos se conectam na sociedade. O professor Yunus coloca a experiência do empoderamento feminino, pelo microcrédito, como um modo de trabalhar as questões de gênero e as relações de sujeitos entre homens e mulheres.

O empoderamento econômico eleva a mulher à consciência de sujeito e, ela aprende que é possível outra relação entres homens e mulheres, desde a igualdade e equidade de gênero. Partindo da experiência de liberdade que mantém as mulheres como gestoras, como parte fundamental na relação de iguais, ainda que diferentes, mas com a mesma autonomia de participação concreta no desenvolvimento da vida familiar e da comunidade local. Este é o ponto fundamental da relação de empoderamento feminino.

No Brasil o microcrédito e/ou a economia solidária ganha muito espaço com a desigualdade social, que se revela de modo alarmante na distribuição das atividades laborais e sociais. Embora, tenha crescido o número de emprego formal para o gênero feminino, ainda há um alto índice de desemprego, se comparado ao masculino, e as mulheres ainda que igual ou mais qualificadas ganham menos em relação aos homens, exercendo a mesma função. Uma grande maioria de mulheres busca alguma maneira de elevar a renda familiar, as quais muitas vezes sentem obrigadas a tal façanha; na informalidade desenvolvem atividades ligadas as suas criatividades e habilidades, sobretudo manuais/artesanais. O microcrédito é uma grande saída para milhares de mulheres que optam por apostar nesta saída, como única fonte de renda familiar, agregando a experiência da economia solidária.

O banco do povo paulista afirma que as mulheres são maioria nos microempréstimos concedidos no Brasil. O mesmo tem 53%dos contratos tendo as consumidoras como destino. No São Paulo Confia, organização social paulistana que oferece crédito até para quem tem “nome sujo na praça”, de cada dez empréstimos, seis são para mulheres. A máxima do microcrédito acredita que “colocar renda extra nas mãos de mulheres é freqüentemente a forma mais eficiente de beneficiar uma família inteira. Esta renda torna, com certeza, um grande impacto no desenvolvimento local, uma vez que as mulheres investem muito na família, sobretudo na educação dos filhos”(2). Dar a mulher acesso ao microcrédito, conseqüentemente gera um efeito multiplicador aumentando o impacto social que beneficia não só as gerações presentes, mas as futuras, conforme o informe do Banco Popular da Mulher no Brasil. Pois as mulheres garantem o investimento na educação dos filhos, na troca de experiência local e na propagação dos benefícios gerados. O professor Yunus em um seminário sobre microcrédito em São Paulo, no ano de 2008, afirmou que “não existe inclusão social sem adesão a economia. O mundo é movido pelo dinheiro e os pobres tem que ter acesso e fazer parte disso”(3). E na realidade mundial, mormente as mulheres vivem a pobreza, como os filhos.

Neste processo é importante visualizar o processo de empoderamento econômico das mulheres pobres, pois a pobreza mundial tem marcadamente um rosto, o rosto feminino. Há uma feminilização exagerada e real da pobreza.

É notável observar que o desenvolvimento da economia local através dos programas e incentivo ao acesso econômico, desenvolve também as relações pessoais e sociais, criando assim, com maior facilidade uma rede de acesso e apoio. Para Yunus são visivelmente rápidas as mudanças ocorridas nos relacionamentos, no aumento da autoestima, no desenvolvimento de potencialidades latentes e dinamismos, mesmo que o acesso ao dinheiro se dê, sobretudo por mulheres empobrecidas e com grande índice de analfabetismo. O aumento da auto-estima é um dos primeiros impactos observados na relação de sujeitos. Sair do controle do homem, por meio da geração de uma economia própria caracteriza um salto de qualidade nas relações e no desenvolvimento local. A mulher, com seu dinheiro, conquista o espaço social, público e privado garantindo o seu direito de ser pessoa, sujeito histórico com capacidade e potencial de modificar a história social, sendo protagonista de ação transformadora. As mulheres passam a ser agentes não só de suas vidas, mas na vida de muitas outras pessoas.

No Brasil, as experiências das redes de atendimento de microcrédito priorizam o acesso de mulheres, como o Banco Popular da Mulher Campinas e Campo Grande criado em 2002, na cidade de Campinas, o Banco de Empreendedor Joseensse, criado em 1998, em São José dos Campos, o Banco da Mulher, fundado em 1984, conta com afiliadas distribuídas no território nacional: Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Cada afiliada tem uma política de empréstimo diferenciada. E tantas outras experiências que também atendem o público feminino dando-lhes a oportunidade de gestar uma economia solidária, ou como Hazel Henderson(4) propõe uma “economia do amor”, ou seja, uma economia sustentável, preocupada com vida no planeta. Neste propósito a mulher mantém maiores habilidades para desenvolver uma economia que seja auto-sustentável, a preocupação com a vida parte da sabedoria e da intuição feminina. Por isso, no processo econômico atual as mulheres têm ganhado espaço concretizando outra visão de desenvolvimento econômico. O empreendedorismo da mulher vai além da troca entre bens de consumo e valor econômico.

Para Ellon de Campos Rodrigues, gerente executivo do São Paulo Confia afirma que “a mulher é empreendedora por necessidade. Ela tem os filhos para criar e cuida muito do dinheiro. O empreendimento de uma mulher, em tese, dá mais certo do que o do homem. A mulher pensa na família como um todo.”(5) E por isso emprestar dinheiro para as mulheres e contar com um resultado mais conseqüente.

Muitos bancos buscam acompanhar o processo de desenvolvimento econômico das mulheres objetivando suas demandas de modo que a economia gerada seja uma forma de subsistência e ao mesmo tempo de dar continuidade ao processo de desenvolvimento econômico, gerando de alguma forma um lucro ou um capital de giro que favoreça outros setores da vida, senão a subsistência das necessidades básicas. Alguns bancos, além o empréstimo financeiro presta assessoria e acompanhamento de projetos por meio de assessoria de acompanhamento do crédito; apoio à comercialização, com a participação em feiras, bazares e exposições; análise de qualidade do produto e apoio na melhoria da qualidade, visando um resultado plausível, considerando as eficácias do processo.

Além do Microcrédito a Economia Solidária é uma proposta que tem agrado o mundo, aos olhos das pessoas que estão preocupados com a realidade atual do nosso planeta, e de certa forma a EcoSol é uma economia gestada e gerida por Mulheres. Henderson que tem mostrado ao mundo o que está errado nesta economia insustentável almeja um novo ordenamento da economia onde o trabalho das mulheres seja contabilizado na economia sustentável. Ela caracteriza a “economia do amor”, uma economia que gera vida e empoderamento social dos atores envolvidos, bem como o trabalho voluntariado. A economia baseada na economia do amor está todo o trabalho não remunerado, a cooperação e a solidariedade em trocas sustentáveis. Esse tipo de dinamismo econômico são as mulheres que dão visibilidades a ações.

Concretamente estamos diante de um novo horizonte na historia humana, ainda que um tanto fragmentando as mulheres se propõem, de certa forma, a “salvar” o mundo da rudeza masculina, que baseia suas ações no TER e SER racional. O feminino tem um papel fundamental neste novo ordenamento econômico onde o comunitário, social e o sustentável estão presentes.

Notas:

(1) Economista, Fundador do Grameen Bank, de Bangladesh, a maior instituição de microcrédito do mundo, e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006, mas conhecido como banqueiros dos pobres (2) Publicado em http://www.bejcredito.com.br/imprensa.html, consultado em 20/09/2010. (3) Ibdem. (4) Economista inglesa, Lider Mundial da Plataforma Mercado Ético] (5) Publicado em http://www.portaldoemprestimo.com/credito-e-emprestimos/banco-popular-paulista.php, consultado em 25/09/2010.

* Socióloga. Secretaria da Pastoral da Mulher Marginalizada Nacional