xxPor Cândido Grzybowski*

Domingo, dia 30 de maio, foi o primeiro turno das eleições presidenciais na Colômbia. João Manuel Santos, o candidato do Partido da U do presidente Álvaro Uribe, quase alcançou a vitória no primeiro turno e está em muito boa posição para o segundo, no dia 20 de junho. João Manuel Santos foi, até outro dia, comandante das Forças Armadas da Colômbia. Em segundo lugar, vem o filósofo e matemático Antanas Mockus, do Partido Verde. Ele foi reitor da Universidade Nacional e duas vezes prefeito da capital, Bogotá, com uma gestão criativa e eficiente. Mas de verde nada tem. Atrás, em terceiro, vem Gustavo Petro, do Polo Democrático, como candidato de esquerda. Ex-guerrilheiro, que depôs as armas no começo de 1990, hoje ativíssimo parlamentar da oposição. O Polo Democrático está à frente da gestão da capital, Bogotá. Vale lembrar que na Colômbia, diferente do Brasil, o voto não é obrigatório, o que torna o comparecimento às urnas uma questão crucial na definição da legitimidade e, sobretudo, da real hegemonia.

O quadro colombiano é um nó de difícil solução se permanecer entregue às suas próprias contradições. Entre nós, aqui no Brasil, predomina uma avaliação política que ignora a profunda divisão que vive a sociedade colombiana, atravessada por uma guerra interna sem perspectiva de fim pela força das armas. Apesar da ofensiva oficial, a guerrilha das FARCs, apoiada no narcotráfico, depois de sofrer vários revezes, parece ressurgir com sete vidas. Mas a questão é que existem os “paramilitares”, também baseados no narcotráfico, gozando, na prática, de certa complacência do governo. Dada a associação do conflito com o narcotráfico, Uribe recebeu grande ajuda militar dos EUA, agora materializada nas sete bases militares, que tanta oposição recebeu de países sulamericanos, tendo o Brasil à frente.

A tal política de “segurança democrática” de Uribe, levada a cabo por João Manuel Santos à frente das Forças Armadas, é uma espécie de guerra contra o terror a la Bush. Baseada em uma política de prêmio por produtividade militar, avaliada por número de mortos, o exército está envolvido numa controvérsia a respeito de uns mil civis assassinados, contabilizados como pertencentes à guerrilha. Isso associado a muitas práticas ilegais em relação a opositores e Judiciário e muita corrupção a partir do centro do poder. Saindo da Presidência, será difícil para Uribe viajar por aí sem ser pego por algum juiz atento para levá-lo ao Tribunal Penal Internacional pelos inúmeros e comprovados crimes cometidos na frente do governo. Mesmo no plano econômico, os altos índices de crescimento não conseguem esconder o desemprego em alta (de 12 a 14%) e a desigualdade social mais acentuada, alimentados por uma política neoliberal meio fora do tempo. Hoje, a Colômbia está à frente do Brasil no quesito desigualdade social.

A falta de segurança e paz é um problema real na Colômbia. Mas a política de “segurança democrática” não visa exatamente reestabelecer a paz e construir uma sociedade democrática. Na verdade, em nome da busca por segurança deteriorou-se gravemente a situação dos direitos humanos e da democracia. Ou seja, está criada uma situação extremamente difícil para a paz sem uma mudança total de estratégia por quem for eleito. Pior, sem solução da guerra interna na Colômbia, não temos como avançar no projeto de região, hoje uma questão central com as mudanças geopolíticas em curso e o desenho de uma nova arquitetura de poder. A evolução da situação nesse país vizinho é um problema que diz respeito à cidadania de toda a região. Sem paz na Colômbia não há como pensar os desafios que temos para criar sociedades participativas e sustentáveis, com justiça social e ambiental na região, e ter peso nas decisões mundiais.

Venho de uma curta, mas estimulante, apesar de cansativa, viagem à Colômbia, de 23 a 27 de maio. Fui a convite do Instituto Distrital de la Participación y Acción Comunal (IDPAC), do governo municipal de Bogotá, e da organização civil Viva la Ciudadania, que mantém uma parceria para animar a participação cidadã na cidade. Fiz reuniões e dei palestras para lideranças comunitárias e agentes políticos sobre os desafios que temos para construir um outro mundo. A capital hoje é um bastião da oposição. Muito do clima que se vive nos bairros por onde andei pouco ou nada se deve a Uribe, e sim a várias administrações locais que, de forma contínua, apostaram na participação cidadã e na construção de uma cidade para todos e todas.

O clima eleitoral que senti na capital era de busca de outro caminho para o país, seja quem for o eleito. Participei de inúmeras reuniões para ver o que poderíamos fazer como cidadãs e cidadãos da região. Hoje, estou convencido que precisamos aproveitar a conjuntura para apoiar os e as que, de dentro da Colômbia, buscam arrancar um compromisso do eleito por uma agenda de diálogo político, negociação e superação da guerra sem saída, construção da paz e aposta na região. A dinâmica do Fórum Social Mundial pode ajudar. Mas precisamos envolver a região inteira, o Brasil em particular, criando condições para fazer as coisas andarem em outra direção.

* Sociólogo e diretor do Ibase.

**Texto retirado do Portal Ibase