Artigo de Ester Vivas
Os grupos e cooperativas de consumo agroecológico compõe uma realidade cada dia mais presente a nível local. Ainda que se trate de experiências que, em cifras totais, somam um número reduzido de pessoas, demonstram que é possível levar a cabo outro modelo de consumo que tenha em conta critérios sociais e meio-ambientai.
Estes coletivos agrupam pessoas de um mesmo território ( bairro, cidade…) com o objetivo de levar a cabo um consumo alternativo, ecológico, solidário com o mundo rural, re-localizando a alimentação e estabelecendo relações diretas entre consumidor e produtor a partir de circuitos curtos de comercialização. Estes núcleos se constituem majoritariamente nas grandes cidades onde existe uma maior distancia entre consumidores e produtores/camponeses e seu formato acostuma a ser o de associação ou cooperativa.
No presente artigo chamaremos estes coletivos: “grupos e cooperativas de consumo agroecológico”. A pesar de que muitos deles se auto-definam a favor do consumo de produtos ecológicos, consideramos que sua prática cotidiana está inserida mais nos princípios da agroecologia, com uma carga não só ecológica mas também social e política[1].
Alguns modelos
No Estado espanhol, encontramos principalmente as grandes tipologias de grupos e cooperativas de consumo agroecológico: aqueles que integram em seu seio os consumidores e os produtores e outros que só estão formados por consumidores.
No primeiro grupo destacariam experiências como a cooperativa de produção e consumo Abaixo do Asfalto está a Horta ( BAH) em Madri, que se inspira em modelos europeus de longa trajetórias como as AMAP (Association pour le Maintien de l’Agriculture Paysanne) francesas[2], ou muitas das associações históricas como “La Ortiga de Sevilla”, La breve Málaga”, “El Encinar de Granada”. Estas buscam integrar em um mesmo marco produtores e consumidores conseguindo um compromisso estável de solidariedade mútua, na qual os consumidores garantem a compra total da produção do camponês antecipadamente, se solidarizando tanto em relação aos benefícios com às perdas. Em determinados projetos, seus membros trabalham alguns dias ao ano na propriedade apoiando os produtores.
Em um segundo grupo encontramos a maioria das experiências catalãs e outras cooperativas de referência como Landare em Pamplona, Bio Alai em Vitória, La Llavoreta em Valência e Arbore em Vigo. Nestas, a relação consumidor e produtor é mais flexível, baseando-se em uma relação de confiança e conhecimento mútuo ( com visitas periódicas nas propriedades) mas onde cada um trabalha em marcos separados. Alguns grupos e cooperativas mantém uma relação mais estreita com os campesinos com quem trabalham e outras menos.
A pesar de compartilhar critérios ideológicos comuns existe, como vemos, uma grande variedade de modelos organizativos, de relação com o produtor/camponês, de formato e compra, etc… Por exemplo, alguns grupos e cooperativas com o passar do tempo tem aumentado e adequado a oferta às necessidades de consumo de seus membros. Na atualidade, muitos destes oferecem o que se chamam “cestas abertas”, onde cada consumidor pode pedir periodicamente ( em geral cada semana) aqueles produtos que necessita e pagar pelos mesmos, mas existem também outros formatos de “ cestas fechadas” em que o consumidor recebe periodicamente uma cesta com produtos do campesinato com quem trabalha pagando sempre a mesma quantidade ( com o objetivo de garantir anualmente a compra do produto que o camponês elabora).
Outro elemento que distingue alguns grupos e cooperativas de consumo agroecológico de outros é o grau de profissionalização dos mesmos. Muitas destas experiências contam com pessoas contratadas que levam a cabo tarefas de gestão. Este é o caso de muitas das iniciativas históricas em Andaluzia, Valencia, algumas em Catalunha e outras mais novas na Galícia. Freqüentemente, estes grupos e cooperativas contam com uma loja aberta ao público, acessível tanto aos sócios como a não sócios. Outras experiências, ao contrário, reivindicam ou optam por um modelo sem pessoas liberadas, como é o caso de várias iniciativas catalãs.
Origens e evolução
Os primeiros grupos no Estado Espanhol surgiram no final dos anos 1980 e princípios dos 90. Na Andaluzia, na esteira da constituição do Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos (ISEC) na Universidade de Córdoba foram introduzidos so princípios da agroecologia dando lugar a experiências como a Cooperativa Almocafre em Córdoba(1994). Outras iniciativas andaluzas foram LA Ortiga em Sevilla( 1993), El Encinar em Granada(1993), La Breva de Málaga(1995), o El Zoco de Jaén ( 1995). Na Catalunha, se constituiu El Brot em Reus(1987), El Rebost em Girona(1988) e Germinal em Barcelona ( 1993). Em Pamplona se criou Landare(1992), em Vlência La Llavoreta( 1993),no País Basco, Bio Alai(1993), entre outros.
A maior parte destas experiências surgiu de núcleos militantes em movimentos sociais da época, ainda que haja distintas trajetórias e motivações após cada uma delas. Na Andaluzia, por exemplo, se desenvolveram criando vínculos com o Sindicato de Obreros Del Campo (SOC) [3]. Nesta primeira onda, várias iniciativas se constituíram formalmente como sociedade cooperativa enquanto que outras optaram pelo formato de associação. Ainda que seja interessante observar como, com o tempo, várias destas últimas se legalizaram como cooperativas ao considerar que era um modelo mais adequado aos seus princípios.
Uma segunda onde se produziu na última década de 2000. Na Catalunha se passou de menos de dez cooperativas no ano 2000 a mais de noventa na atualidade, somando hoje em dia um total de 2880 unidades de consumo[4]. Destas, 86% se encontram na província de Barcelona e 46% na capital da Catalunha[5].
Em Madri, no final dos anos 90 foram criados os Grupos Autogestionados de Konsumo (GAKs) por parte de várias pessoas que vinham de movimentos sociais e que buscavam consumir de outra maneira em base nos princípios da soberania alimentar e agroecologia, e em pouco tempo somaram uns seis coletivos. Pouco depois, no ano de 2000, se criou “ Bajo el Asfalto está la Huerta! [6] , que deu lugar a dez grupos de consumo em diferentes bairros de Madri, somando um total de 130 unidades de consumo e um grupo de produção ( encarregado de trabalhar os terrenos coletivos), e que inspirou outras iniciativas madrilenhas como “Surco a Surco”.
Em outros territórios onde não existiam experiências deste tipo, como na Galicia, surgiram novas. Em Vigo, em 2001, se criou a Cooperativa Arbore[7], que hoje soma 290 unidades de consumo e que tem multiplicado por dez seu número de sócios inicial, uma vez que têm acompanhado a criação de outras iniciativas galegas como a Cooperativa A Xoaninha em Ferrrol.
No decorrer dos anos 2000, aqueles grupos e cooperativas históricas viram multiplicar seus membros e aumentar seus sócios, uma vez que foram capazes de oferecer uma maior variedade de produtos. Germinal passou de um grupo para cinco, principalmente em Barcelona, que somam um total de 200 unidades de consumo. “ Bio Alai” em Victória Gazteiz tem, segundo dados de 2008, 650 unidades. Landare em Pamplona viu multiplicar por 40 o número de sócios em dezessete anos e hoje conta com 800 unidades familiares e calcula que umas 4 mil pessoas se alimentam de produtos de suas lojas. E neste período surgiram novos grupos em Madri, Múrcia, Catalunha, País Basco, Valencia, Andaluzia, Ilhas Baleares, entre muitos outros territórios. ,
É importante ter em conta como, neste período, organizações de comércio justo com uma visão global e transformadora desta prática[8] começaram a incluir em suas lojas produtos agroecológicos ou a promover em seus locais grupos de consumo. Este tem sido o caso de muitas das organizações da Rede de Espaço por um Consumo Justo, como a “Xarxa de Consum Solidari” em Barcelona que hoje conta com seis grupos de consumo agroecológico, Sodepaz em Madri, A Cova da Terra em Lugo, Gira por el Desarrollo em Santander, Picu Rabicu em Xixon, entre outras. Pondo de relevo a necessidade de “atualizar” o conceito de comércio justo Norte-Sul com uma perspectiva mais global de solidariedade e de justiça comercial e camponesa Norte-Norte”e “Sul-Sul”, vinculada a defesa de soberania alimentar.
Também devemos assinalar a iniciativa ARCO (Agricultura de Responsabilidade Compartilhada) do sindicato camponês COAG, apresentada publicamente em 2009 mas que já vinha sendo trabalhado desde 2006, com o objetivo de promover os circuitos curtos de comercialização ( mercados de produtores, grupos de consumo, caixas de domicílio, comedores coletivos etc…) e evitar intermediários. A crise em que se encontra o setor e as dificuldades de acesso direto dos consumidores têm levado os agricultores a buscar alternativas. Uma experiência que já vem a tempos funcionando nas regiões de Andaluzia. Múrcia, Madri… se adaptando a realidade de cada território e colocando em contato camponeses com consumidores.
Causas e porquês
Mas, quais têm sido as causas deste amento tão importante após o ano 2000 dos grupos de consumo agroecológico? Poderíamos assinalar dois grandes porquês. Em primeiro lugar, o auge do movimento “ antiglobalização” deixou um substrato de relações férteis e de cumplicidade nos locais que facilitaram a criação destes espaços, uma vez que se deixou evidente para muitos ativistas a necessidade de vincular a luta global com a prática cotidiana. Isto explica que uma nova geração militante, muito ativa no movimento “ antiglobalização”, participara a posteriori nestas experiências de consumo alternativo, seja como usuário ou como promotores.
Um segundo elemento seria a crescente tomada de consciência do impacto negativo do atual modelo agroalimentar e seus efeitos na saúde. A multiplicação de casos como as vacas loucas, os frangos com dioxina, a gripe aviária…têm feito que cada vez mais pessoas se preocupem acerca de como se elaboram e de onde provém aquilo que comemos. Deste modo, ainda que seja a partir de uma preocupação individual, mais pessoas optam por consumir produtos ecológicos.
Este aumento dos grupos e das cooperativas de consumo apresentou a necessidade de estabelecer marcos de coordenação e de apoio mútuo. Na Andaluzia se criou em 1995 a Federação Andaluza de Consumidores e Produtores Ecológicos e Artesanais ( FACPE), que agrupa as associações e cooperativas agroecológicas andaluzas ( El Encinar, La Breva, La Ortiga, El Zoco, Almocafre) e algumas mais jovens ( Serraria Ecológica em Ronda, La Borraja em Cádiz, etc..) [9]La FACPE cota com uma junta diretiva, uma equipe técnica e várias comissões de trabalho e seu objetivo é apoiar as organizações membros, dispõe de critérios de distribuição e produção próprias e leva a cabo ações de sensibilização. Há que ter em conta que a maioria de seus membros são associações e cooperativas compostas por produtores e consumidores.
Na Catalunha, no ano de 2005 se legalizou a Coordenadora Catalã de Organizações de Consumidores de Produtos Ecológicos Ecoconsum, que já vinha trabalhando desde muitos anos, e que na atualidade agrupa em torno de vinte grupos, principalmente aqueles que estão a mais tempo funcionando e com estruturas mais consolidadas[10] enquanto que se torna difícil integrar aqueles mais jovens e pequenos. Há que ter em conta que na Catalunha existem em torno de noventa coletivos. Ecoconsum não conta com pessoas contratadas mas baseadas no trabalho voluntário de seus membros através de comissões e tão somente reúne consumidores, já que na Catalunha praticamente não existe associações que integrem consumo e produção. Posteriormente, surgiu um novo espaço, com o nome de La Repera, que tinha por objetivo ser um marco de encontro entre grupos de consumo e produtores. Em sua primeira jornada, em 2008, participaram umas 110 pessoas, ainda que com o tempo se têm evidenciado a dificuldade por manter este espaço como um mecanismo estável de coordenação entre consumidores e camponeses, mais além de encontros anuais e de uma boa sistematização de dados e experiências[11].
Em Madri existiu, antes de 2005, a Coordenadora de Grupos de Consumo Agroecológico que agrupava uma dezena de coletivos, mas tensões internas fizeram fracasar esta iniciativa. A posteriori, se constituiu a Coordenadora de Grupos de Consumo Ecológico de Madri formada por alunos dos grupos mais consolidados, uns nove, com o objetivo de resolver assuntos logísticos e gestionar pedidos maiores, ainda que muitos não participam deste espaço como os GAKs, o BAH ou outros que tem, cada um, marcos próprios de coordenação para seus grupos membros. Também em Madri, a pouco tempo atrás, se tentou promover espaços de encontro entre consumidores e produtores como os encontros de La Rehuerta.
Outras experiências de coordenação se realizaram na Galicia, Ilhas Baleares, Múrcia… A nível de Estado, ainda que tenham havido intenções de impulsionar uma rede ou uma coordenadoria de âmbito estatal, isto ainda não prosperou.
Limites e oportunidades
A multiplicação de grupos e cooperativas de consumo agro-ecológico apresenta uma série de oportunidades, mas o desenvolvimento levado a cabo até o momento TAM bem põe em relevo uma série de limites.
a) “Comer bem” versus ativismo político: Em muitos dos grupos de consumo encontramos, em linhas gerais, duas sensibilidades. Por um lado, setores interessados em “comer bem” e com pouca trajetória ativista e por outro pessoas que provém de movimentos sociais e que vêem os grupos de consumo como espaços políticos e de militância. O equilíbrio entre estas duas sensibilidades não é sempre fácil e implica debates de fundo sobre os princípios e objetivos do grupo, uma vez que os setores mais ativistas não sempre compartem os mesmos critérios, por exemplo, em relação ao consumo de carne.
Mas se consideramos os grupos de consumo como um instrumento de transformação política e social, com vontade de opor-se a um determinado modelo de produção e distribuição nas mãos da indústria agroalimentar, a perspectiva de ação política coletiva é fundamental. Uma opção que só busque o “ comer bem” facilmente pode ser cooptada pelo discurso e uma prática capitalista verde. Na Catalunha, por exemplo, têm surgido os supermercados Veritas que vendem produtos certificados como ecológicos, mas no qual dá no mesmo se a maçã é africana ou catalã sempre que seja certificada. Nestes, os critérios de proximidade, direitos trabalhistas, etc… não se diferenciam muito dos grandes distribuidores.
As potencialidades desta ação política coletiva se colocaram de manifesto, na Catalunha, no recolhimento de mais de 100 mil assinaturas a favor de uma Iniciativa Legislativa Popular ( ILP) contra os transgênicos promovida pela Plataforma “ São o que Semeam”. Ainda que esta iniciativa tenha sido derrubada no Parlamento Catalão em julho de 2009. Mas é fundamental conscientizar aqueles setores menos politizados que se queremos “ comer bem” isto implica necessariamente uma ação política. No caso dos transgênicos está muito claro. Se não for proibido o seu cultivo ( o Estado Espanhol é na Europa quem cultiva inclusive variedades proibidas em outros países) haverá dia em que toda a agricultura, tanto ecológica como convencional, será transgênica, fruto dos processos de contaminação desta última. Ou paramos os transgênicos, e para fazê-lo temos que sair às ruas, ou já podemos dizer adeus ao consumo ecológico.
b) Uma gestão e participação que nos paraliza? Mas o dia a dia de boa parte destes grupos de consumo acaba centrando-se em tarefas cotidianas de gestão: contabilidade, pedidos, limpeza, controle de estoques…, que restam tempo e esforço a uma ação e a um debate político mais além do consumo.
Assim mesmo, a disponibilidade de tempo que se requer provoca, por um lado, uma alta rotatividade entre seus membros, que lhes reste força e capacidade de consolidação ( muitas pessoas ao não poder seguir o ritmo abandonam o grupo), e, por outro lado, faz com que pessoas e ativistas, com pouca disponibilidade, não possam participar.
Para dar resposta a estes problemas, alguns grupos e cooperativas tem optado por profissionalizar-se e contar com pessoal contratado para realizar determinadas tarefas de gestão, mas isto, freqüentemente têm envolvido uma parte importante de seus sócios. Ainda que a participação ativa naqueles grupos que só contam com voluntários tampouco está assegurada e nem é muito elevada.
Outro elemento a ter em conta no funcionamento destas experiências, principalmente naquelas que contam com pessoas contratadas, é a grande quantidade de tempo que requerem os processos de tomada de decisões, com múltiplas reuniões de trabalho e longas assembléias, que podem gerar frustração e paralisia na própria organização. Se bem que buscar a participação ativa da maior parte dos membros é fundamental para contar com organizações vivas e saudáveis, também é chave distinguir entre aqueles temas que requerem debates profundos e a longo prazo dos que tem um caráter mais técnico. Do contrário, a “participação” pode ficar relegada tão somente a quem conta com mais tempo e disponibilidade e acabar excluindo uma parte importante dos sócios.
c) A cooperativa como fim ou como instrumento: Também é necessário reflexionar acerca do valor estratégico que alguns de seus membros dão a estes grupos como instrumento de transformação. Ainda que estas experiências tenham um valor simbólico importante, demonstrando que é possível levar a cabo outro modelo de consumo, estas não podem ser um fim em si mesmas e não podemos considerar que sua mera generalização nos conduzirá a uma mudança de modelo e de sociedade. A realidade em que vivemos requer mudanças profundas em muitos âmbitos.
As cooperativas e os grupos de consumo são uma peça mais de uma complexa engrenagem para transformar o atual modelo político, econômico e social. Estas têm que aliar-se com outros atores sociais ( camponeses, trabalhadores, mulheres, ecologistas, pescadores…) para mudar o atual modelo agroalimentar, mas devem ir mais além e unir-se a outros coletivos, participar de outros espaços ( fóruns sociais, contra-cumbres, campanhas contra a crise, plataformas amplas…) para coletivamente conseguir antepor um paradigma político que ponha em seu centro as pessoas e o planeta.
A lógica capitalista que impera no atual modelo agrícola e alimentar é a mesma que afeta outros âmbitos de nossas vidas: a privatização dos serviços públicos, a especulação com o território e a habitação, a deslocalização empresarial, o trabalho precário, etc… Mudar este sistema agroalimentar implica uma mudança radical de paradigma e a crise multipla do capitalismo em que estamos imersos (financeira, social, política, alimentar, energética) o que o coloca claramente em evidencia.
d) Uma relação igualitária entre consumidor e campesinato: Há que assinalar também que tipo de relações se estabelecem entre consumidores e camponeses/produtores e que interesses têm uns e outros. Do mesmo modo que há que rechaçar uma relação puramente mercantil entre ambos, não é positivo tampouco cair em uma mistificação da prática camponesa nem daqueles que a exercem. Os grupos e cooperativas de consumo tem necessidades específicas de consumo ( rotinas em seu funcionamento, oferta ampla, qualidade dos produtos…) que as vezes podem não casar com os do campesinato ( produção limitada, vários clientes…) Devemos considerar estas “ tensões” como naturais entre atores que jogam papéis distintos. Os consumidores tem que ser conscientes que consumir de “ outro modo” implica adaptar-se as características de um determinado modelo de produção agroecológica e os camponeses têm que aceitar rotinas e práticas organizativas. O que é fundamental é que estas relações se estabeleçam de igual para igual, em base na confiança e o conhecimento mútuo, rompendo com uma prática e uma lógica mercantil.
e) Crescer, ser viáveis e manter os princípios: Um dos desafios atuais dos grupos e cooperativas de consumo é como chegar a mais pessoas mas mantendo princípios ideológicos claros. Vários são os problemas que se apresentam. Por um lado, o considerável aumento destas experiências, por exemplo, na Catalunha têm gerado alguns problemas de abastecimento. A demanda cresce mas a porcentagem de pessoas que trabalham no campo, e desde uma perspectiva agroecológica, não o fazem no mesmo ritmo. O Estado Espanhol é um dos países com mais produção ecológica da Europa, mas a maioria desta produção se destina a exportação. Ademais, assistimos a uma crescente “ descaponização” do mundo rural, o empobrecimento do campesinato é cada vez maior, situação que deixa nossas necessidades alimentares nas mãos da indústria. Sem um mundo rural vivo, nossa segurança alimentar está gravemente ameaçada. É fundamental uma perspectiva de solidariedade campo –cidade.
Por outro lado, como chegar a mais pessoas mantendo critérios de ruptura com o modelo agroalimentar atual? Vários são os grupos e as cooperativas de consumo que dizem não querer crescer e manter-se em um número determinado de membros que permita sua viabilidade. Mas, se queremos mudar a atual ordem de coisas é fundamental chegar a mais gente. Como fezê-lo? É aqui onde se apresentam opções e debates como a contratação de pessoas que realizam algumas tarefas logísticas. Para alguns, isto significa não respeitar o modelo, para outros é a única maneira de ir mais além. O que é importante é que, de um modo ou outro, se mantenha, determinados critérios políticos vinculados a soberania alimentar e a agroecologia. Um grupo de consumo que só funcione com pessoas voluntárias não é imune a adotar critérios de compra totalmente flexíveis no que diz respeito aos princípios agroecológicos e uma experiência profissional pode funcionar com critérios políticos muito claros, ademais, inserir-se nos marcos da economia cooperativa e solidária, reivindicando que outra economia e que outra prática comercial é possível, como passa com experiências como Arbore em Galícia ou a Xarxa de Consum Solidari em Catalunha, para citar algumas.
Outro elemento a ter em conta ao analisar o auge destas experiências é a capacidade de coordenação entre as mesmas. Nos territórios com maior número de grupos e cooperativas de consumo se têm consolidado coordenadorias e federações que cumprem este papel, mas que, majoritariamente, somente reúne uma parte destas iniciativas, enquanto que muitas outras ficam de fora. O grande desafio está em fazer que estes instrumentos de coordenação sejam realmente úteis.
Assim mesmo, temos que apresentar quais marcos adotaremos para uma maior coordenação entre os grupos de consumo e outros atores que trabalham na mesma direção. Algumas cooperativas já incluem consumidores e produtores, mas muitas outras não. Para melhorar o contato entre ambos, está se lençando iniciativas que permitam coordenar aqueles que consomem com quem trabalha na terra. Se trata de experiências como La Repera na Catalunha ou La Rehuerta em Madri.
Em um sentido mais amplo existe a Plataforma Rural[12], , um espaço onde se encontram organizações camponesas, ecologistas, ONGs, cristãos de base, consumidores, comércio justo… com o objetivo de trabalhar por um mundo rural vivo e que em encontros celebrados a cada dois anos acordam linhas de trabalho e ações a favor da soberania alimentar, contra os transgênicos, de denúncia da Política Agrícola Comunitária ( PAC), etc…
Precisamente, no último encontro, no 6 Fórum por um Mundo Rural Vivo, e, Andorra ( Teruel) se aprovou o lançamento de um processo de construção de redes a favor da soberania alimentar desde o local, que se chamou Aliança pela Soberania Alimentar dos Povos. E é aqui onde os camponeses e consumidores tem muito a dizer, junto com outros atores. Este processo já está em marcha em vários territórios ( Madri, Andaluzia, Galicia, Pa´si Valencia, País Basco, Catalunha, Castilha-La Mancha…) e pode ser uma muito boa oportunidade para fortalecer e ir mais além na defesa da soberania alimentar incorporado vários coletivos e criando redes com outras campanhas e plataformas.
A alimentação é algo que nos toca a todos. Mas “ comer bem” implica mudar o atual modelo agroalimentar industrial e para fazer há uma premissa imprescindível: mudar o sistema.
Esther Vivas é co-autora dos livros Del campo al plato (Icaria editorial, 2009) e Supermercados, no gracias (Icaria editorial, 2007), militante da Esquerda Anticapitalista e membro da redação da revista VIENTO SUR. http://www.esthervivas.wordpress.com
* Artigo publicado na revista Viento Sur, nº108. http://www.vientosur.info/ Tradução para o português: Paulo Marques, integrante do coletivo Brasil Autogestionário, www.brasilautogestionario.org