Entrevista com Danielle Ferraz
Durante o 1º Congresso Vegetariano Brasileiro e Latino-americano, realizado em São Paulo , aconteceu o 1º modaCOMpaixão, desfile com roupas, acessórios, cintos, bolsas, calçados e cosméticos fabricados sem componentes de origem animal. Esse é um projeto voltado para escolas de moda, sendo que nesta edição foi a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) a responsável pelo desenvolvimento dos looks, sob a coordenação da professora Neide Schulte.
A coordenação do desfile foi da jornalista e produtora de moda Danielle Ferraz. IHU On-Line entrevistou Danielle, por telefone, sobre o conceito e os objetivos do modaCOMpaixão: desenvolver a moda do futuro com ética e preocupação ecológica e social. Consumo ético, comércio justo, respeito ao meio ambiente e aos animais, sustentabilidade, solidariedade e reutilização são alguns dos conceitos que fundamentam a proposta das peças apresentadas na passarela. Nelas, não foram utilizadas peles, couro ou outros produtos de origem animal. Foi dada ênfase a materiais orgânicos, de fibras naturais, que não agridem o meio ambiente. Danielle Ferraz é jornalista (vencedora do Prêmio Abril de Jornalismo de 2001) e consultora de moda. Além de ser colaboradora das principais editoras e emissoras de TV do País, Danielle atua na área de reposicionamento de imagem para empresas, na concepção e direção de desfiles e eventos e é docente do Senac Moda, em São Paulo.
IHU On-Line – Como a senhora define o conceito “modaCOMpaixão”?
Danielle Ferraz – A idéia surgiu de um artigo que eu escrevi, intitulado Chique é ser consciente . Esse artigo aborda a moda atual, considerando que eu não me conformo que, com tantos recursos disponíveis, com a indústria têxtil tão desenvolvida, a ponto de produzir qualquer tipo de tecido e material, os animais ainda sejam mortos de maneira tão cruel, simplesmente para ter a sua pele retirada e essa pele ser sinônimo de glamour. Ao mesmo tempo, eu contestei alguns aspectos da moda hoje, como a questão do consumismo excessivo, quando o Planeta precisa que seus recursos sejam poupados. A partir disso, surgiu a idéia de fazer desfiles de moda que chamamos de moda consciente e ecologicamente correta. Foi quando surgiu o modaCOMpaixão, que, na minha definição, é uma moda ecologicamente correta e preocupada com o meio ambiente e com os animais.
IHU On-Line – Como foi o desfile do 1º modaCOMpaixão? Quais as repercussões?
Danielle Ferraz – A primeira edição de desfiles com essa moda foi realizada em Florianópolis, em 2005, e teve o título de Vegfashion. Foi algo mais grandioso que o desfile desse ano. Tivemos várias marcas e dois dias de evento, sendo o desfile do segundo dia feito com roupas desenvolvidas pelos estudantes da UDESC. Na edição deste ano, foram apenas os estudantes da UDESC que apresentaram suas roupas. Mas o desfile teve uma boa repercussão, as pessoas gostaram muito, inclusive os modelos que desfilaram quiseram comprar as roupas de tanto que gostaram.
IHU On-Line – Para onde está voltada a prática das Escolas de Moda no Brasil e fora dele? Quais as principais tendências? A ecologia e a preservação estão entre elas?
Danielle Ferraz – Estão, com certeza. As escolas que preparam os novos estilistas precisam voltar-se para essas questões, porque já chegou o momento em que o Planeta não suporta mais. É preciso buscar a reutilização em todas as áreas. E a moda, que é um meio de comunicação, precisa levantar primeiramente essa bandeira, assim como já vem fazendo.
IHU On-Line – Como será a moda do futuro?
Danielle Ferraz – A moda do futuro está muito ligada às questões ecológicas, na busca de poupar os recursos e na reutilização de materiais. É uma moda ecologicamente correta, que realmente combina com o atual momento que vivemos no Planeta e que está preparando as próximas gerações para que as pessoas sejam consumidoras mais conscientes. Precisamos entender que é o consumidor que vai fazer as empresas se reestruturem com relação à preocupação ambiental. É o consumidor que vai fazer uma pressão para que esses produtos surjam em larga escala.
IHU On-Line – É possível pensar uma moda ética, ecológica e socialmente correta no universo do luxo e do consumo desenfreado com o qual os consumidores da moda estão habituados?
Danielle Ferraz – Em primeiro lugar, precisamos realizar uma mudança no consumidor, o que já está começando. Já há um movimento nesse sentido. A nova geração, em função da educação nas escolas, já é muito mais consciente ambientalmente do que nós. As crianças já se preocupam muito mais com o desperdício de água, com a questão da poluição. Isso já vem de berço, é algo que precisa ser trabalhado desde a infância. Eu creio que esses novos consumidores, os jovens que questionam mais esses valores, com certeza vão ajudar a difundir essa moda ecologicamente correta. Há espaço para essa moda e quanto mais o consumidor for mudando de mentalidade, mais produtores que busquem essa nova prática vão surgir.
IHU On-Line – Como foram feitas as peças apresentadas na passarela?
Danielle Ferraz – As peças foram feitas com tecidos reutilizados de roupas doadas. Esse foi o conceito que surgiu com base no artigo “Chique é ser consciente”: fazer uma moda ecologicamente correta apenas com tecidos reutilizados e usando também como conceito a solidariedade, embutida na questão da doação. O que não é mais usado nós reutilizamos para fazer novas roupas. Não vamos customizar a roupa, mas reutilizar o seu tecido. Tinha muita peça de retalho, que chamamos de patchwork, além de aplicações e bordados. Estava tudo muito bem trabalhado. Inclusive teve uma linha de biquínis feitos com retalho, tudo muito colorido, porque foram aproveitados tecidos picadinhos de vários lugares. Tinha roupas feitas com tecidos de mais de 30 anos, que foram feitas com roupas muito antigas, que as pessoas não usavam mais e estavam no armário. Nossa idéia é difundir esse conceito de doar o que não usam e reutilizar o tecido para criação de novas roupas.
IHU On-Line – Qual a importância que a senhora vê em desenvolver um evento como esse?
Danielle Ferraz – O Congresso Vegetariano foi importante porque não discutiu só o vegetarianismo no sentido de não comer carne. Falou-se do impacto ambiental do consumo de carne, do que é feito nos bastidores com os animais, do impacto disso na saúde. Nesse contexto, pegamos carona no modaCOMpaixão, porque também combatemos a idéia de animais que são vítimas da moda e que acabam sendo mortos de maneira muito cruel apenas pelo status do uso de um casaco de pele.
Fonte: UNISINOS