Artigo de Selvino Heck*
“Nunca vi uma situação tão ruim. O volume de gente que nos procura desde o início da recessão aumentou drasticamente e ainda não começou a diminuir”, disse o pastor da igreja de St. Paul, Estado do Tennesse, EUA (FSP, B10, 22.02.10). O Departamento de Agricultura norte-americano informa que de 2007 a 2008 o número de cidadãos americanos em dificuldade ou com falta de acesso aos alimentos necessários a uma vida saudável (em português claro, em insegurança alimentar, ou passando fome) passou de 36,2 milhões para 49 milhões, mostrando como a crise econômica afetou o país. Hoje 1 em cada 8 americanos recebe auxílio-alimentação (ou Bolsa família).
No Estado do Tennessee, a taxa de pobreza está em 15% da população e de desemprego em 11%. Na igreja de St. Paul, o crescimento no número de pessoas atendidas chegou a 80% de 2006 a 2009. Reginald Majors, que perdeu o emprego como motorista de caminhão, conta somente com a ajuda das caixas emergenciais. Ele enfrenta a chuva fina e o frio de 0°C para buscar as porções de carne, sopa, vegetais, frutas, macarrão, arroz, feijão e cereais para os quatro filhos. Diz ele: “A recessão nos atingiu duramente. Mas vou parar de buscar comida aqui assim que conseguir outro emprego.”
Segundo a Red Feeding América, que fez em 2009 5,7 milhões de atendimentos emergenciais, mais de um terço dos que recebem caixas emergenciais é forçado a escolher entre comprar comida ou pagar por outras necessidades básicas, como aluguel, contas e assistência médica. Segundo Jaynee Day, diretora da agência, “a face da fome nos EUA está mudando por causa da crise. Os núcleos familiares estão triplicando, com várias gerações em uma mesma casa, o que cria novas necessidades alimentares. São novos clientes. Não é gente sem teto que vem recebendo comida há anos. Perdemos muitos empregos por aqui, especialmente no setor automotivo.”
Não acontece apenas no país mais rico do mundo. A crise econômica e social também ocorre no Japão e na Europa, especialmente nos chamados PIIGS – Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, atolados no desemprego e no caos social.
As manchetes da semana falam em ‘guerra na Grécia’, onde explodiu uma greve geral envolvendo todas as categorias profissionais e todos os trabalhadores gregos. O índice de desemprego na Grécia é de 10% e pode chegar a 20%, segundo o governo. Os cartazes dos trabalhadores gregos em greve dizem: ‘Não à austeridade e ao desemprego’; ‘Não pagaremos pela crise dos ricos’; ‘O povo e suas necessidades são mais importantes que os mercados’.
Por estas razões, mais do que se justifica o tema da Campanha da Fraternidade/2010, ‘Economia e Vida’. Como diz o texto-base da Campanha, “os sistemas econômicos dominantes levam à garantia dos privilégios dos ricos e dos governantes, em detrimento dos fracos e dos humildes. O dinheiro é transformado em ídolo.
O pensamento dominante sobre o desenvolvimento não considera devidamente o valor da vida nem a dos seres humanos, nem a dos demais seres a Terra, nem a do próprio planeta. O desenvolvimento, é , muitas vezes, confundido com o aumento da riqueza, a qual favorece apenas os que dela podem se apropriar. Estes não se preocupam com os outros, pensam que cada um deve se capacitar e se habilitar para abocanhar o que conseguir. Sentimentos de piedade ou solidariedade inexistem nesta forma de pensamento. O modelo econômico ao qual se vincula assenta-se no egoísmo e acredita que o progresso é gerado pela concorrência, mesmo que antiética.”
Os valores do Big Brother Brasil – confinar-se numa casa por meses para ganhar uma bolada de dinheiro, a obrigação de mentir, trapacear para atingir o objetivo final, expor-se ao mundo como alguém que não se é, etc. – são os valores que levaram à crise econômica, social, ambiental e de paradigmas que o mundo hoje atravessa. E que leva milhões ao desespero e à fome, leva à violência e à guerra, leva à desesperança e à falta de fé no ser humano.
O desafio hoje é construir uma nova economia, um novo projeto de desenvolvimento, que já se desenha em alguns países, especialmente na América Latina, que se vislumbra nas experiências solidárias de milhares de grupos que, na solidariedade e na partilha, buscam o bem-viver e novas formas de produção e comercialização, sem fome, sem miséria, sem opressão, sem desigualdade.
Uma economia a serviço da vida não se mede pelos bilhões de lucro ou superávit que produz, ou pelo acúmulo de bens, móveis e utensílios dentro de casa, ou nos gastos supérfluos e sem sentido, ou no glamour estampado em revistas e meios de comunicação. A urgência e as necessidades são outras, no mundo da rápida informação global e dos gigantes econômicos que impõem suas vontades. O retorno à simplicidade, que não significa abdicar do conforto e das coisas boas da vida, o gesto da partilha sem esperar nada em troca, o prazer de fazer coletivamente, a repartição justa dos bens produzidos, a capacidade de enxergar a dor e as necessidades do outro e da outra estão colocados como desafios da esperança e de uma utopia que constrói o Reino já a partir deste mundo.
Ou a economia gera vida para todos e todas ou leva a crises e sofrimento de muitos. Essa a escolha a fazer. A Campanha da Fraternidade/2010 está no centro desta escolha, determinante para o futuro. *Assessor Especial do Gabinete do Presidente da República Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política