Por Esther Vivas*

A crescente mercantilização da agricultura é uma realidade inegável nos dias de hoje. A privatização dos recursos naturais, as políticas de ajuste estrutural, os processos de “ descampesinizaçã o”, a industrializaçã o dos modelos produtivos e os mecanismos de transformação e distribuição de alimentos nos conduziu a atual situação de crise alimentar.

Neste contexto, quem decide o que comemos? A resposta é clara: Um punhado de multinacionais da indústria agro-alimentar que, com o beneplácito de governos e instituições internacionais, acabam impondo seus interesses privados acima das necessidades coletivas. Frente a essa situação, nossa segurança alimentar está gravemente ameaçada.

A suposta “preocupação” por parte de governos e instituições como o G8, G20, Organização Mundial do Comércio, etc.., frente ao aumento do preço dos alimentos básicos e seu impacto nas populações mais desfavorecidas, que mostraram o transcurso do ano de 2008 em Cúpulas internacionais, não fez mais que mostrar sua profunda hipocrisia. O atual modelo agrícola e alimentar lhes garante importantes benefícios econômicos, sendo utilizado como instrumento imperialista de controle político, econômico e social no que diz respeito aos países do sul global.

Como assinala o movimento internacional Via Campesina, ao final da última reunião da FAO em Roma na metade de novembro: “ A ausência dos chefes de Estado dos países do G8 têm sido uma das causas principais do fracasso total desta Cúpula. Não se tomaram medidas concretas para erradicar a fome, deter a especulação sobre os alimentos ou frear a expansão dos agro-combustí veis”. Assim mesmo, apostas como a Parceria Global para a Agricultura e a Segurança Alimentar e o Fundo Fiduciário para a Segurança Alimentar do Banco Mundial, que contam com o apoio explícito do G8 e do G20, apontam nesta direção, deixando nossa alimentação, uma vez mais, em mãos do mercado.

De todos modos, a reforma do Comitê de Segurança Alimentar ( CSA) da FAO é, segundo a Via Campesina, um passo adiante na direção de “ democratizar” as decisões em relação da agricultura e alimentação: “ ao menos este espaço respeita a regra básica da democracia, isto é, o principio de “ um pais, um povo”, e outorga um novo espaço a sociedade civil”. Ainda que esteja por ver a capacidade de incidência real do CSA.

Monopólios

A cadeia agro-alimentar está submetida, em todo seu processo, a uma alta concentração empresarial. Se começarmos pela primeira etapa, as sementes, observamos como dez das maiores companhias ( como Monsanto, Dupont, Syngenta, Bayer…) controlam, segundo dados do Grupo ETC, a metade de suas vendas. As leis de propriedade intelectual, que dão às companhias direitos exclusivos sobre as sementes, estimulam ainda mais a concentração empresarial do setor e tem destruído a base do direito campesino a manutenção das sementes autóctones e a biodiversidade.

A industria das sementes está intimamente ligada a dos pesticidas. As maiores companhias de sementes dominam também este outro setor e, frequentemente, o desenvolvimento e comercializaçã o de ambos os produtos se realizam juntos. Mas na indústria dos pesticidas o monopólio é ainda superior, as dez maiores empresas controlam 84% do mercado global. Esta mesma dinâmica se observa também no setor de distribuição de alimentos e no processamento de bebidas e comidas. Se trata de uma estratégia que vêm aumentando.

A grande distribuição, assim como em outros setores, contam com uma alta concentração empresarial. Na Europa, entre os anos 1987 e 2005, a cota de mercado das dez maiores multinacionais de distribuição significava 45% do total e se prognosticava que esta poderia chegar a 75% nos próximos 10-15 anos. Em países como Suécia, três cadeias de supermercado controlam ao redor de 95% da cota de mercado; e em países como Dinamarca, Bélgica, Estado Espanhol, França, Holanda, Grã Bretanha e Argentina, umas poucas empresas dominam 60% e 45% do total. As mega-fusões compõe a dinâmica habitual. Este monopólio e concentração permite um forte controle na hora de determinar o quê consumimos, a quê preço, de quem procede e como têm sido elaborado.

Fazendo negócio com a fome

Em plena crise alimentar, as principais multinacionais da indústria agro-alimentar anunciavam cifras recorde de lucros. Monsanto e Dupont, as principais companhias de sementes, declaravam um subida de seus benefícios de 44% e de 19% respectivamente em 2007 em relação com o ano anterior. Na mesma direção apontavam os dados das empresas de fertilizantes: Potash Corp, Yara Y Sinochem, que vieram subir seus benefícios em 72%, 44% e 95% respectivamente entre 2006 e 2007. As processadoras de alimentos, como Nestlé, assinalavam, também, um aumento de seus lucros, assim como supermercados como Tesco, Carrefour e Wal-Mart. Enquanto milhões de pessoas no mundo não tinham acesso aos alimentos.

*Esther Vivas é autora “Del campo al plato” (Icaria editorial, 2009), membro da Campanha ‘O clima não está à venda’. Militante de Izquierda Anticapitalista. Membro da Red de Consumo Solidario e da Campanha ‘No te comas el mundo’. Membro do Centro de Estudios sobre Movimientos Sociales (CEMS) de la UPF, colaboradora/ articulista internacional do EcoDebate. Artigo publicado no Diagonal, nº 115 [http://esthervivas. wordpress. com] Tradução para o BA de Paulo Marques.

Publicado no site do EcoDebate, 09.02.2010