Artigo de Sadi Dal Rosso*

Para analisar o processo do Fórum Social Mundial, seus sucessos e suas fraquezas, seu passado, seu presente e seu futuro, é necessário situá-lo no tempo. Pois o Fórum organizou-se no vácuo deixado após crise da esquerda socialista e comunista e de seus processos revolucionários em âmbito mundial.

Até os jovens conhecem os fatos, senão ao menos reconhecem as fotografias da queda do Muro de Berlim cedendo às marteladas desferidas por uma população enfurecida. A queda do Muro representa, em essência, o desmoronamento da proposta socialista mundial, organizada em torno do planejamento central e do centralismo político.

Desse confronto entre socialismo e capitalismo, emerge vitoriosa a bandeira da democracia representativa em política e do neoliberalismo em economia. Os Estados Unidos assumem a posição de liderança do império capitalista mundial.

Socialismo, comunismo, revolução, classe social, movimentos sociais, e outros termos tornaram-se proibidos na nova ordem liberal. O pensamento único instalou-se na mídia e nas ciências sociais advogou-se o fim da história.

Em política, não existem vazios. O vácuo da crise do socialismo foi ocupado por grupos de outra esquerda, organizados em torno do Fórum Social Mundial.

O Fórum Social Mundial constituiu-se por oposição ao Fórum Econômico de Davos, que respaldava em idéias e propostas o modelo hegemônico neoliberal. A própria denominação representa os limites da proposta inicial, centrada no combate ao neoliberalismo, ao imperialismo e ao domínio do mundo pelo capital.

O Fórum Social Mundial constituiu-se como espaço aberto de encontro, plural e diversificado, não confessional, não governamental e não partidário. De seu Conselho Internacional participam hoje uma miscelânea de organizações sindicais, redes, ONGs, movimentos indígenas, camponeses, mulheres, gays, lésbicas e transgêneros, movimentos negros, movimentos de bairro, movimentos da Igreja, movimentos de empresários e muitas outras sortes de organizações locais, regionais, nacionais e internacional. Não há uma classe ou um segmento de classe que comanda o processo. O movimento organiza-se como supraclasse, acima de classe social.

Nos encontros, prevalece o espaço aberto para troca de experiências e exercício da crítica. O elemento distintivo do Fórum é que os encontros não tenham caráter deliberativo. O Fórum não é uma assembléia, não é um legislativo e não é um executivo.

Ações não são definidas para todo o mundo que vai ao Fórum. Objetivos e formas de lutas não se tornam prioridade sobre participação e democracia. Como alguém verbalizou ao final do Fórum em Porto Alegre, os capitalistas batem palmas para este modo difuso e não deliberativo de realizar eventos.

Na edição de 2010 do Fórum, tomou forma a distribuição regional em sete cidades e a divisão de trabalho temática para organização. A disseminação sobre o espaço regional pode aumentar a participação e aprofundar o tratamento especializado e crítico de temas, mas a custas de perda do espírito comum, da identidade coletiva e da capacidade de protesto.

O Fórum ocorreu no prolongamento da crise financeiro-econômico-social de 2008. Desde o princípio, ele organizou-se em combate ao neoliberalismo. Consequentemente teria contabilizado a primeira grande vitória: o neoliberalismo explodiu em meio a uma crise monstruosa, afogando o mundo em desemprego e miséria. Mas, em que medida a crise foi fruto da luta anti-neoliberal do Fórum ou resultado das contradições internas do sistema neoliberal? Ninguém em Porto Alegre assumiu a crise como conseqüência da luta do Fórum.

Tentando superar a crise, os Estados nacionais investem trilhões de dólares para sanear empresas falidas e estabelecem novas regras para o sistema financeiro e bancário. Como será o posicionamento do Fórum nesta fase pós-neoliberal? Acompanhará o regulacionismo? Ou assumirá uma postura de que o problema é mais profundo e precisa de uma crítica ainda mais radical?

Muitas outras críticas são válidas. Mas, o Fórum Social Mundial detém um só trunfo: constituiu o único espaço com vocação verdadeiramente internacional existente para atuação da esquerda e seus aliados. Porquanto existam organizações sindicais mundiais, são incapazes de reunir mais que seus próprios sócios. Nem a 10ª Internacional – uma entidade fictícia – é apta a congregar além dos próprios simpatizantes.

* Sociólogo, professor titular de Sociologia da UnB.