Fonte: Brasilautogestionario (contato@brasilautogestionario.org)

A realização do Fórum Social Mundial 10 anos Grande Porto Alegre, foi precedido de dois eventos inéditos, o Iº Fórum Social da Economia Solidária e a Iª Feira Mundial de Economia Solidária, organizados pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e o movimento de Economia Solidária das cidades de Santa Maria e Canoas.

O local escolhido foi a cidade símbolo das experiências de Economia Solidária no Brasil, Santa Maria, região Central do Rio Grande do Sul, para primeira etapa de 22 a 25 de janeiro, e a cidade de Canoas, região Metropolitana, no período de 25 a 29 de janeiro de 2010.

Em Santa Maria as principais atividades foram a Assembleia Intercontinental: Economia Solidária e Fórum Social Mundial – retrospectivas e perspectivas; o Seminário Nacional Comércio Justo e Solidário nos Mercados Nacionais do Brasil e o Seminário Internacional: Construindo um Sistema Financeiro Solidário. O Blog Brasil Autogestionário (BA) contribuiu com o debate do movimento nas duas etapas, em Santa Maria/RS através do Painel Autogestionário com o tema do “Crédito Público direto aos EES”, realizada no dia 24 de janeiro, com a painelista Josefa Silva da Rede Xique-Xique/RN e do deputado estadual Elvino Bohn Gass (PT/RS), e na etapa Canoas/RS, onde o Coletivo Brasil Autogestionário realizou o painel “a solidariedade na sociedade de classes”, com Antonio Cattani (Professor titular de Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Paul Singer (professor da USP e Secretário Nacional de Economia Solidária – SENAES/MTE).

Representado pelo FBES, o movimento da Economia Solidária organizou diversas atividades no FSM em Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo e Gravataí, bem como, na Plenária Final dos Movimentos Sociais (29 de janeiro), o tema do “Direito ao Trabalho Associado” foi incorporado como um dos pontos da Carta dos Movimentos Sociais. Com o objetivo de realizar um balanço da participação do movimento da ES no FSM e as perspectivas para o próximo período, o Brasil Autogestionário entrevistou Daniel Tygel * da Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), que após o I Fórum e Feira Social da Economia Solidária, esteve em Porto Alegre participando da Assembleia dos Movimentos Sociais. no FSM 10 Anos.

Daniel Tygel é Graduado e Mestre em Física pela Unicamp-SP. Vem se dedicando, desde 1998, a ações de assessoria a grupos, movimentos populares e organizações civis na elaboração de projetos, em diagnósticos participativos, na metodologia horizontalizada da articulação e do trabalho em redes e em Educação Ambiental. Participou da Comissão de Organização do V Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre e integra a Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro de Economia Solidária, sediado em Brasília/DF.

BA- A realização do I Fórum Social da Economia Solidária e Feira Mundial foi um momento importante para o movimento da Economia Solidária. Qual o balanço e as perspectivas para o movimento a partir destes eventos?

Eu destacaria , principalmente neste primeiro Fórum Social de Economia solidária e nos debates que foram realizados sobre o balanço de dez anos, no qual participaram pessoas que estiveram no inicio desse processo, a possibilidade de ver com mais clareza os limites, as conquistas e os desafios que temos pela frente. No primeiro fórum social da Economia Solidária tivemos representantes de 28 países dos 5 continentes. Destacamos principalmente a participação de militantes do continente asiático e do continente africano. Eles vieram no âmbito do debate da Rede Intercontinental de Economia Social e Solidária, o que nos deu a oportunidade de aproveitar esse espaço para avançar na articulação internacional das redes do movimento da Economia Solidária, principalmente aqui no Mercosul. Avançamos em algumas perspectivas para trabalhar tanto a incidência no Mercosul como também pensando, de forma mais incipiente ainda, na Unasul.

BA- O Fórum Social Mundial 10 anos – Grande Porto Alegre, entre todas as demais atividades comemorativas do FSM pelo mundo inteiro, teve a tarefa, nessa edição, de fazer um balanço do fórum e da luta anti-capitalista mundial, de mesma forma, se no momento atual a Economia Solidária fizesse um balanço da sua relação com o movimentoanti-capitalista das últimas décadas, em especial da primeira década do novo século aqui no Brasil, qual seriam os pontos que avançaram e se efetivaram?

Mesmo este FSM sendo menor que o de Belém, nós pudemos sentir que a Economia Solidária não ficou restrita a idéia de experiências isoladas e alternativas. Aconteceram diversas mesas importantes de debates em que a Economia Solidária foi colocada dentro de uma agenda de mudança de modelo de desenvolvimento. E isso é um passo fundamental para conseguirmos fazer o debate com os outros movimentos sociais e conseguir incluir essa agenda e sermos capazes de incluir pautas dos outros movimentos sociais junto ao movimento da Economia Solidária. Por isso pudemos sentir um avanço muito importante nesse FSM. Nessa questão do balanço de dez anos, avaliamos que conseguimos trazer a Economia Solidária com mais força do que em edições anteriores e em Belém onde a pauta da crise foi a central. Em nossa avaliação de balanço, em Belém, a Economia Solidária não entrou como alternativa, não entrou na agenda contra a crise neoliberal. E neste de agora nos surpreendemos porque aqui e ali nas diferentes falas apareceu a questão do trabalho associado, de tocar no modo de produção, na relação de redes de cadeias e no aspecto do consumo como elementos centrais para a mudança da agenda de desenvolvimento. Foi um pouco surpreendente até.

BA- Na agenda dos movimentos sociais a CMS( Coordenação dos Movimentos Sociais) marcou uma Plenária Nacional para maio deste ano, qual a perspectiva do FBES em relação a participação nesta Plenária e articulação das lutas com os demais Movimentos Sociais?

Sim, vamos participar da Plenária dos Movimentos Sociais em 31 de maio, o que estamos vendo é como será nossa participação e construção, porque estamos querendo participar da construção dessa plenária e dos compromissos que estaremos assumindo das outras agendas, porque só assim estaremos avançando. Também em relação a articulação com outros movimentos, o FBES está participando junto da Articulação Nacional de Agroecologia, do 3 Encontro Nacional de Agroecologia que vai ter um caráter de articulação dos movimentos sociais. Então, estão acontecendo coisas interessantes, onde estamos, pouco a pouco percebendo uma perspectiva de uma nova onda de convergência, ainda tímida e com dificuldade, como a questão da criminalização dos movimentos sociais, mas que parece que existe uma maior tranquilidade entre os movimentos para perceber agenda comuns.

BA- Após a IV Plenária e este Fórum Social de Economia Solidária, quais a perspectivas do FBES como instrumento de organização do movimento pra avançar em novas conquistas a partir do atual patamar, e quais a novas agendas para esse período?

Esse ano estamos definindo como o ano de colocar a cara na rua, ou seja, ver como nos vamos fazer isso. Tem alguns elementos centrais de agenda, um deles é a II Conferência Nacional de Economia Solidária, que acontecerá em junho deste ano, e que a gente conseguiu muito por incidência do FBES nos debates no âmbito do Conselho Nacional de Economia Solidária. Conseguimos focar na questão do direito ao trabalho associado, que é um tema muito amplo, mas que agrega bandeiras de outros movimentos, ou seja, essa IIa Conferência tem uma natureza menos setorial e mais agregadora, porque entra em uma questão mais de fundo sobre Economia Solidária, como sendo um setor da economia que precisa ser fortalecido e não apenas uma agenda social, como política social compensatória. Outro elemento da agenda é a Campanha da Fraternidade 2010, que tem como tema “Economia é Vida”, na qual conseguimos inserir no Kit da campanha a Cartilha da Economia Solidária que está sendo muito bem recebida pela base do movimento, e vai nos dar margem para fazer debates nas igrejas, nas associações de bairros, sobre o modelo de desenvolvimento que temos e o que queremos construir através da Economia Solidária. O outro elemento que vai além da Conferência é a agenda de uma campanha de consumo responsável, com a dimensão de denúncia e apresentação de alternativa, que estamos fazendo através da articulação com outras organizações dos movimentos sociais. E por fim temos a agenda eleitoral, onde queremos ver como podemos contribuir com a construção em especial, da pauta da Dilma , mas também queremos falar com outros partidos de esquerda para discutir sobre os programas de cada um e como estão pensando a questão do desenvolvimento e da radicalização da democracia no ambiente econômico. Reconhecemos como uma conquista importante, que no Congresso do PT deste ano teremos uma Feira de Economia Solidária, organizada pela Setorial de Economia Solidária do PT junto com a Rede de Gestores, isso, com certeza vai ajudar a sensibilizar e avançar esse debate. Mas queremos também ir além do debate com o PT, queremos avançar junto aos outros partidos de esquerda. Mesmo sabendo que na agenda eleitoral há um elemento que dificulta que é o aspecto plebiscitário, o que nos prejudica na possibilidade de aprofundar uma análise critica do governo, pois temos que reafirmar os avanços e conquistas, mas também temos que apontar os limites, em especial na área ambiental, em especial no fato de não ter tocado em elementos estruturantes do desenvolvimento da integração sul americana. A gente não pode ter como cartão de visitas nosso em outros países a Odebrech, ou seja, nosso cartão de visita tem que ser uma integração solidária e não baseada nas grandes empresas, mesmo sendo nacionais, mesmo sendo estatais, não pode ser esse o modelo. A questão é, como em uma eleição plebiscitaria poderá realizar esse debate de fundo. Faremos a crítica de maneira propositiva, para que possamos ter avanços em um novo governo progressista que nós vamos ajudar a conquistar.

BA – Desde a fundação do FBES, o movimento da ES elaborou uma plataforma com suas principais revindicações, que foram ampliadas na Ia Conferência Nacional e na IX Plenária. Em sua avaliação, após 6 anos de SENAES, o que de fato avançou em relação as demandas históricas do movimento? E o que ainda permanece atual como revindicação e precisa avançar?

No campo das políticas públicas a criação da SENAES é um avanço considerável, entretanto, na ação da SENAES, as principais conquistas que obtivemos, podem ser vistas na maior incidência e conhecimento e divulgação sobre Economia Solidária para dentro do governo federal. Isso multiplicou as iniciativas de Economia Solidária em vários ministérios, isso foi um avanço muito grande. Uma característica forte foi a de fazer processos de formação interno, junto aos gestores públicos, concursados de preferência, que vão levar esse conhecimento para além deste governo. Outra conquista importante foi o apoio a programas específicos, como comercialização, finanças solidárias. Assim foi possível ter mais clareza sobre quais políticas públicas seriam mais estruturantes e quais seriam menos estruturantes. Este“experimentalismo”, baseado em programas específicos, nos permitiu uma capacidade de pensar desenhos de novas políticas. Esse ao mesmo tempo é o limite. Acredito que o tempo de seis anos e meio de SENAES, permitiu avançarmos nisso que é uma responsabilidade tanto da SENAES como do FBES. O que não conseguimos avançar suficientemente foi em um desenho de política pública de Economia Solidária que consiga, principalmente, fazer um recorte, diferenciando de uma tendência das políticas públicas que reduzem a Economia Solidária há uma política de geração de trabalho e renda. Temos que fugir dessa limitação, fazendo um recorte no qual a política de Economia Solidária entre numa agenda do desenvolvimento. Numa agenda da Economia. Se não formos capazes de fazer isso, nos estaremos fadados a virar apenas um programa no âmbito dos programas sociais. Por isso que temos que tomar cuidado com o processo de Consolidação das Leis Sociais, que é um processo muito importante, mas temos que saber que vai contemplar parte da política de Economia Solidária, que tem a ver com inclusão sócio-produtiva. Esse é um desenho rico que podemos fazer, uma política social, mas não podemos dizer que economia solidária enquanto política pública se reduza a isso, que é importante, mas é um dos elementos da nossa agenda. O balanço , portanto, aponta para avanços e limites que a gente não conseguiu fazer um desenho mais sistêmico e mais integrado da ES, e isso tem a ver com a pouca incidência e pouca importância que o governo federal coloca para a Economia Solidária. Se fizermos uma análise dos materiais informativos do governo federal, podemos perceber que a ES está fora da agenda. Nós não conseguimos incidir de forma mais estratégica na agenda do governo federal. Isso se dá muito pelo fato de nós FBES, SENAES, não conseguirmos um diálogo com todos os atores para construir um desenho de política pública mais integrada.

BA- No Fórum Social da Economia Solidária o blog Brasil Autogestionário organizou uma atividade que debateu o financiamento direto aos empreendimentos de Economia Solidária, tendo como base a experiência do PRONAF para a agricultura Familiar, que investiu recursos que saltaram de 2 para 15 bilhões ao ano, sendo capaz assim de promover uma revolução no campo que ficou comprovada no último senso agropecuário do IBGE. No caso da ES ainda predominam os investimentos em ações realizadas por entidades de apoio. Em sua opinião seria possível um programa de investimento financeiro público direto nos EES?

Para o FBES essa é uma das pautas prioritárias. Desde 2003 falamos do PRONADES, que é um Programa Nacional de Desenvolvimento da Economia Solidária, que consiste em duas dimensões: uma captação de fundos de várias fontes a ser gestionado de maneira partilhada pela sociedade civil, movimento de economia solidária e Estado, que possa permitir o financiamento de projetos, crédito e capital de giro para os Empreendimentos de Economia Solidaria e isso se tornar uma das fontes de financiamento direto. Essa é uma das nossas bandeiras centrais, a principal no eixo do Sistema Nacional de Finanças Solidárias. Para isso nos precisamos de um PRONADES que seja estruturante. Com a dimensão de capacitação, processo de assistência técnica, redução de carga tributária, marco legal favorecendo a ES nas compras públicas com uma forma de gestão de repasse desses recursos através dos atores da ES. Assim como no PRONAF existe a DAP, dado pelos sindicatos rurais, nós defendemos a DAP da Economia Solidária, que seria emitida pelos Fóruns Locais de Economia Solidária, que são aqueles que articulam o movimento e podem definir quem é EES na sua base. Já conseguimos algumas emendas parlamentares para o PRONADES, só que não conseguimos no âmbito da SENAES estabelecer isso como uma política de crédito. Daí a nossa proposta de pensar uma Lei Geral da Economia Solidária, que pode ser considerado um esqueleto que dá a base jurídica fundamental para podermos viabilizar uma política concreta de crédito como o PRONAF. A gente , portanto concorda e está junto com essa proposta que é estruturante.

BA- Conforme salientou João Pedro Stédile do MST, para que os movimentos sociais tenham capacidade de disputa de projetos na sociedade é necessário acumulo de força política. Em que patamar estão as alianças do movimento da Economia Solidária com os outros movimentos sociais, na perspectiva do avanço do projeto de mudança do modelo de desenvolvimento?

Esse debate é bem interessante. Passamos dois anos no processo de construção da IV Plenária, num olhar pra dentro, onde explicitamos nossas contradições internas e fizemos uma discussão de organização importante. Ali ficou pautado que era o momento de partir para um outro movimento que é de ir para fora. Tanto em relação a sociedade como em relação a outros movimentos sociais. As estratégias pra isso são várias. É importante dizer que a ES ainda não está na pauta dos movimentos sociais, e isso não se dá simplesmente por uma falta de mobilização da base do movimento da ES. Nós temos uma base com todas as dificuldades de mobilização, e isso é uma característica nossa. Mas a ES tem uma marca que a diferencia dos outros movimentos, mas que se assemelha a alguns como a Agroecologia, pois nos baseamos numa articulação do Econômico e do político, e essa articulação não é fácil. Ela nos coloca desafios em termos de organização, porque ela gera uma demanda da própria base que temos de trabalhar respostas como por exemplo do PRONADES, Sistemas de comunicação, políticas de marco legal para reconhecimento dos empreendimentos e esse elemento econômico tem que se fortalecer. É a partir dessa base social estando forte que vamos conseguir dialogar com os demais movimentos sociais. Esse elemento nos traz a característica que é o desafio que temos na ES, que é como que conseguirmos vincular as práticas de Economia Solidária e existência de um Empreendimentos Econômico Solidário com uma resistência ao capitalismo? Como podemos vincular essas práticas e iniciativas como sendo uma expressão política? Esse é o desafio que temos também na Agroecologia, como podemos identificar isso com uma ação política sem reproduzir uma idéia de iluminados que tem uma massa e vão passar pra essa massa como devem ver o mundo. Temos que saber que ES precisa nascer desse tipo de diversidade, não necessariamente diversidade de teses, mas de diversidade cultural, local, étnica, portanto temos um desafio muito grande e é por isso que temos dificuldade de ainda estar na pauta dos movimentos sociais. Sobre as estratégias acreditamos que muitas ações neste ano convergem para essa estratégia de aprofundamento das relações do movimento da ES com os demais movimentos, como a IIa Conferencia Nacional, a Plenária dos Movimentos Sociais em maio, a Campanha da Fraternidade, a nossa Campanha do Consumo. Em relação a essa campanha nossa atitude foi realizar articulação desde o inicio com outros movimentos, como a Marcha Mundial de Mulheres, movimento de mulheres camponesas, pequenos agricultores, desde o inicio na construção da campanha. O debate conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, o debate de como vamos organizar a produção da alimentação Escolar. Também o Encontro Nacional de Agroecologia, que vai fazer um debate sobre modelo de desenvolvimento em relação as práticas na ponta, isso agrega. Estamos avançando mas sabemos que é um processo lento, que se não se espelha nos fóruns locais a gente vai fazer algo só das grandes entidades nacionais. Então o desafio é fazer com que o processo chegue na ponta, que se expresse de maneira política, mais consolidada, se não fizermos isso, não adianta as grandes articulações nacionais.