Por Iara Borges Aragonez*
Aconteceu em Santa Maria/RS, nos dias 22, 23 e 24 de janeiro o I Fórum Social e a I Feira Mundial de Economia Solidária. A Irmã Lourdes, do Projeto Esperança/Cooesperança, mobilizadora e articuladora da economia solidária em Santa Maria e todos(as) que deram vida a iniciativa, já podem comemorar o êxito dessa atividade que joga para o mundo não apenas a idéia, mas práticas que nos permitem afirmar que Outra Economia e Outro Mundo são possíveis.
Entretanto, somando-me as várias posições que pautaram os debates, reafirmo que o novo apenas será possível se a luta for persistente e orientada pela informação que possibilite a compreensão da lógica que organiza o modelo de desenvolvimento hegemônico.
Nessa perspectiva, é necessário fazer uma releitura da história e desvendar com os diferentes grupos sociais as diversas formas de dominação sofrida pelos povos e os processos de “desenvolvimento” estabelecidos de fora para dentro que primaram pela exclusão social e pela devastação ambiental. Constituir mídias alternativas que dêem vez e voz aos que pensam diferente do pensamento hegemônico, criar espaços de formação que permitam fluir a versão dos fatos não comprometida com as elites, articular em rede os diferentes atores sociais para pensar e adotar novas práticas, políticas, ambientais, culturais, sociais, econômicas, baseadas em outra ética, são alguns dos caminhos identificados como possíveis de percorrer.
Quero destacar alguns seminários e oficinas dos quais tive a oportunidade de participar: Comércio Justo e Solidário nos Mercados Nacionais; A Crise Mundial de Alimentos: balanço, experiências e agendas na perspectiva da construção da soberania alimentar dos povos e nações; Oficina Internacional de Troca de Saberes e Sementes; e, Biodiversidade e Transgênicos, Coexistência Impossível.
Em relação ao Comércio Justo, foi debatida a importância da constituição de um Sistema Nacional que atue na perspectiva do fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários no território nacional e na afirmação dos princípios que o caracterizam, como a promoção de condições dignas de trabalho e de remuneração; a prática autogestionária; a prática do preço justo para quem produz e consome; a sustentabilidade sócio-ambiental das redes de produção e comercialização; o respeito e a preservação do meio-ambiente; e a valorização, nas relações comerciais, da diversidade étnica e cultural e do conhecimento das comunidades tradicionais.
A Oficina Internacional de Troca de Saberes e Sementes, foi organizada pelo Grupo de Agroecologia Terra Sul da Universidade Federal de Santa Maria e pela Cáritas. A dinâmica utilizada propiciou que produtores (as) apresentassem o seu trabalho relacionado ao resgate e preservação de sementes crioulas e também a projeção de algumas ações conjuntas, como a constituição de uma Rede com o objetivo de fortalecer as iniciativas existentes e criar novas estratégias para avançar no desenvolvimento de bancos de sementes e preservar a nossa agrobiodiversidade. Foram facilitadores da Oficina, Altair Pozzebon pela Cáritas e Izabel Cristina Lourenço da Silva do Grupo de Agroecologia Terra Sul. Um dos encaminhamentos da Oficina foi a elaboração de uma CARTA EM DEFESA DA AGROBIODIVERSIDADE.
O Seminário Soberania Alimentar dos Povos e Nações, coordenado pela presidente do CONSEA/RS, Regina Miranda, destacou a importância da agrobiodiversidade para a soberania de uma nação. Julian Perez, representante da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA e do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar – FBSA, discorreu sobre a concentração corporativa na produção, processamento, distribuição dos alimentos e de sementes, assim como os efeitos dessa concentração nas economias locais, nas culturas alimentares, na saúde humana e no ambiente natural. Destacou a homogeneização do padrão alimentar e a necessidade de um redesenho agroalimentar. Segundo Juan, é falsa a idéia de que temos liberdade de escolha dos nossos alimentos, pois o padrão é definido fora de nós e restrito à meia dúzia de produtos, sendo que consumimos a partir de uma forte indução por parte da mídia, a serviço das corporações.
A representante da Via Campesina, Ana, destacou que segurança alimentar sem soberania alimentar é desprovido de significado político e social. Esclarece a visão da Via de que os povos precisam ter as condições para produzir os seus alimentos e alimentar plenamente a sua população, de forma autônoma e respeitando as culturas locais. Enfatizou a importância e o valor do trabalho das mulheres que garantem a produção diversa de alimentos, possibilitando que a agricultura familiar responda por 70%, dado do IBGE, da produção dos alimentos no Brasil. Fala ainda das duas grandes campanhas mundiais da Via Campesina: Campanha Mundial das Sementes e Campanha Mundial pela Reforma Agrária. Participaram ainda da mesa o representante do Governo Federal, Silvino Heck e do Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
Por fim, o Seminário Biodiversidade e Transgênicos, Coexistência Impossível teve a coordenação de Izabel Cristina Lourenço da Silva do Grupo de Agroecologia Terra Sul e a participação como palestrante de Antônio Inácio Andrioli, Doutor em Ciências Econômicas e Sociais. A temática de sua tese é Tecnologia e agricultura familiar com estudo de caso sobre a soja transgênica e orgânica no Brasil. Foi debatedor desta mesa o Deputado Estadual Elvino Bohn Gass, coordenador da Frente Parlamentar de Apoio à Economia Solidária e da Frente Parlamentar em Defesa da Extensão Rural.
Alguns destaques da fala do Dr.Andrioli: a imunodeficiência gerada pelo consumo de sementes transgênicas; a monopolização pelas corporações da cadeia produtiva de alimentos; a apropriação privada da natureza/refeudalização da agricultura; a transgenia como geradora de novos problemas técnicos, justificando a adoção de novas ou falsas soluções, fomentando assim a indústria química. Como exemplo, a pressão objetiva dos fatos: a necessidade de substituir o Glifosato aplicado na soja, frente à geração de superervas resistentes ao herbicida; a falta de provas consistentes quanto à maior produtividade das sementes transgênicas, uma vez que as metodologias utilizadas para comparar são viciadas; efeitos como a redução de fixação de nitrogênio no solo e dos índices de proteína dos alimentos; a contradição da construção do Banco de Sementes na Noruega e a destruição da agrobiodiversidade como política corrente das corporações; a “ciência” a serviço das corporações, legitimando as suas decisões e suas “certezas”, dentre elas a de que os transgênicos não causam mal a saúde, uma vez que há ausência de evidências. Segundo o Dr. Andriolo “ausência de evidências não é igual a evidência de ausência”.
Como enfatizei inicialmente, a densidade da organização social, a consistência da luta para a construção de um outro mundo e de outra economia exigem compreender e , pois é mobilizadora e sensibiliza para as transformações necessárias. Os painéis e oficinas realizadas no 1º Fórum Social e na 1ª Feira Mundial de Economia Solidária, cumpriram esse papel.
Mas, Avançar é Preciso!
*Coletivo Desenvolvimento Sustentável SEMAPI Cooperativa de Comércio Justo e Consumo Consciente GiraSol