Fonte: www.portalaz.com.br

Empreendimentos econômicos e solidários, voltados à apicultura e à produção de caju, estão melhorando a vida dos agricultores do sertão piauiense

Filho de um agricultor de Ipiranga do Piauí, um dos muitos municípios castigados pela seca no estado, José Francisco da Silva, 30 anos, já estava acostumado com sua sina. Ano sim, ano não, ele arrumava a mala e partia em busca de trabalho nos canaviais de Minas Gerais ou São Paulo. “Não era fácil, não. Além do trabalho duro, tinha a saudade da família”, diz ele, que é casado e pai dos pequenos Tailan, 5 anos, Tainá, 7, e Tatiane, 12. O ano em que ficava junto à família, vivia do seguro-desemprego, porque trabalho em Ipiranga é coisa rara. Em julho de 2007, no entanto, sua sorte virou.

A cidade, distante 280 quilômetros de Teresina, ganhou uma pequena fábrica para beneficiamento de castanha do caju e José Francisco foi um dos 36 moradores que conseguiram ocupação por lá. “Ganho por volta de R$ 450 por mês. É menos do que recebia na cana, mas vale mais a pena”, conta. “Agora, já dá para fazer planos para o futuro. Quero dar conforto aos meus filhos e ficar perto deles.” Sua mulher, Maria da Cruz, 30 anos, que só tinha trabalhado como empregada doméstica, ainda antes de se casar, foi contratada pela unidade, gerenciada por uma cooperativa dos trabalhadores rurais de Ipiranga. Com seus ganhos, vai engordar a renda da família em mais R$ 250.

A construção da fábrica que mudou a vida da família faz parte de um projeto voltado a produtores de caju e apicultores do interior do Piauí. O programa conta com investimento social da Fundação Banco do Brasil e parceiros. Prevê a construção de dez unidades de processamento da fruta (oito já estão prontas) – chamadas de minifábricas – e outras 20 instalações para beneficiamento de mel de abelha em diferentes localidades – além daquelas já existentes em vários municípios. Todas elas são administradas pelos próprios trabalhadores. “Trata-se de um projeto de inclusão social e geração de renda com o objetivo de melhorar a vida dos produtores rurais do Piauí”, destaca Jacques Pena, presidente da Fundação Banco do Brasil. “O programa está contribuindo para mudar a realidade do homem e da mulher do campo, que estão aprendendo a conviver com o semi-árido.”

A aposta na cajucultura e na apicultura tem motivos sólidos. O Piauí é o maior produtor de mel do Nordeste e o segundo do País, com um volume de 4,5 mil toneladas em 2005; e vice-líder nacional na produção de caju – só perde para o vizinho Ceará. Em 2007, a safra deve chegar a 64 mil toneladas e a área plantada a 172,5 mil hectares. O maior pólo produtor do estado é a região de Picos, a 330 quilômetros da capital, motivo pelo qual a cidade foi escolhida para sediar dois grandes empreendimentos comerciais e tecnológicos, a Central de Cooperativas de Cajucultores do Estado do Piauí (Cocajupi) e a Central das Cooperativas Apícolas do Semi-Árido Brasileiro, a Casa Apis. A construção dessas instalações, bem como todo o projeto, traz os agricultores para mais perto de toda a cadeia produtiva, tirando do esquema a figura do atravessador, que era quem, até então, ficava com a maior parte dos lucros gerados pela atividade.

As minifábricas, por enquanto, fazem somente a industrialização da castanha, o verdadeiro fruto do cajueiro. Ela chega in natura, levada pelos produtores, é processada e enviada para a Cocajupi, onde é classificada de acordo com o tamanho e embalada para comercialização. A vantagem da Central é o ganho de escala. “Como ela permite mais volume, nosso produto fica mais competitivo para brigar no mercado nacional ou internacional”, explica Vicente Rufino Cortez, 59 anos, presidente da Cooperativa Mista dos Produtores Agrícolas de Ipiranga.

No futuro, os agricultores querem também beneficiar a polpa, chamada de pedúnculo, que hoje é quase toda desperdiçada. “Com o pedúnculo, dá para fazer doce, cajuína e até carne de caju. Se a gente souber aproveitar, vai ser mais uma fonte de renda e, ao mesmo tempo, poderá ajudar a matar a fome do nosso povo”, calcula o cajucultor Francisco dos Santos Sepúlveda, 51 anos, conhecido simplesmente como “Preto”, líder do assentamento Marambaia, em Oeiras, cidade próxima a Picos.

Árvores resistentes

Os bons resultados da cajucultura no Piauí se devem a vários fatores, entre eles a adaptação da árvore ao clima extremo do semi-árido. O cajueiro é uma árvore resistente à seca e precisa de pouca água para frutificar. “O caju não gosta de chuva. É uma fruta que não se mistura com água”, ensina Vicente Cortez. Além disso, como a fruta é colhida na entressafra, de junho a dezembro, época em que o agricultor não está ocupado com o plantio de culturas tradicionais, como feijão, milho e mandioca, o caju é uma fonte de renda certa nos duros meses de seca.

Para completar, há uma relação intensa entre a cajucultura e a apicultura, pois durante a estiagem, quando as árvores da caatinga estão secas e sem flores, a abelha encontra na florada do caju o alimento necessário ao seu sustento. Segundo o engenheiro agrônomo Francisco Guedes Alcoforado Filho, presidente do Emater (Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Piauí, a existência no estado de uma flora diversificada e rica em pólen e néctar explica a força da apicultura piauiense.

Um mel mais puro

“Nosso território encontra-se numa zona de transição de vegetação, entre os domínios da caatinga, do cerrado e da Amazônia, o que favorece a disponibilidade de flores de plantas apícolas continuamente durante todo o ano”, explica. “Sem falar que toda a produção do estado é orgânica, pois as floradas das espécies da caatinga garantem um mel totalmente puro e livre de resíduos de agrotóxicos, muito comuns em explorações agropecuárias extensivas.” A apicultura piauiense reúne 25 mil produtores, distribuídos em cerca de 600 associações ou cooperativas. Dos 224 municípios, a atividade está presente em aproximadamente 200.

Um dos mais antigos apicultores do estado é Antônio Carlos dos Santos, 42 anos, o “Carlinhos do mel”, morador de Picos. Há duas décadas ele tira o seu sustento do trabalho das abelhas. Para ele, os investimentos feitos no setor, com a criação das casas de mel, responsáveis pela coleta do produto junto aos apicultores, e da Casa Apis, voltada ao processamento, comercialização e apoio tecnológico, vão trazer muitos benefícios para os apicultores piauienses. “Até agora, nossa vida foi só sofrimento. Tínhamos de vender nosso mel para os atravessadores, que combinavam o preço entre eles e pagavam muito pouco. A Casa Apis vai dar condições de produzir mais e dar mais valor ao nosso produto”, diz Carlinhos.

Opinião parecida tem o presidente da Federação das Entidades Apícolas do Piauí, Antônio Leopoldino Dantas Filho, 48 anos, que também dirige a Casa Apis, considerada o maior empreendimento que processa mel de forma cooperativa e solidária da América do Sul. “A Casa Apis vai usar tecnologia de ponta para processar o mel e também fará a capacitação dos produtores”, afirma. “Nosso objetivo é trabalhar todo o ciclo produtivo para agregar valor ao mel do Piauí. Com isso, o apicultor, que participa da Casa Apis, vai ter um aumento de rentabilidade de 20% a 25%.”

A cristalina cajuína de Teresina

Embora seja pouco conhecida em outras partes do Brasil, a cajuína é uma das bebidas mais típicas do Nordeste. Sua fabricação é totalmente artesanal (foto) e não envolve nenhum processo de fermentação ou destilação. Primeiro, é feita a extração do suco contido na polpa e depois se adiciona ao suco uma gelatina para retirada da substância que dá a sensação de “travamento” na garganta. A bebida é, então, coada, engarrafada e colocada em banho-maria por duas horas. Depois que esfria, está pronta para beber. Sua aparência cristalina e sabor peculiar conquistaram o cantor Caetano Veloso, que compôs uma música em sua homenagem, intitulada Cajuína.

Raio X dos empreendimentos

Central de Cooperativas de Cajucultores do Estado do Piauí (Cocajupi) Quantidade de minifábricas: 10 Capacidade de beneficiamento de cada minifábrica: 1.000 kg de castanha/dia Famílias diretamente participantes do projeto: 478 Empregos diretos gerados pelas minifábricas: 285 Investimento no projeto*: R$ 2,8 milhões Cajucultores no Piauí: 15.000 Produção anual de amêndoa: 64.120 toneladas (previsão 2007) Área plantada de caju: 172 500 hectares Central das Cooperativas Apícolas do Semi-Árido Brasileiro (casa apis) Casas de mel: 49 Capacidade de processamento da Casa Apis: 2.000 toneladas de mel/ano Famílias diretamente participantes do projeto: 1 600 Investimento no projeto*: R$ 2,5 milhões Área da Casa Apis: 11.000 m2 Apicultores no Piauí: 25.000 Produção anual de mel: 4.497 toneladas (2005) Associações de apicultores no Piauí: 600

Novidade na mesa

Hoje, o aproveitamento do caju se resume basicamente à castanha, que é vendida frita, assada ou in natura. Cerca de 80% da polpa, ou pedúnculo, equivalente a mais de 1,9 milhão de toneladas, é destinada à alimentação animal ou jogada no lixo. Para conter esse desperdício, o Serviço Social da Indústria (Sesi) lançou, em agosto, o Projeto Caju, cuja finalidade é mostrar as mil e uma utilidades culinárias dessa fruta. “O pedúnculo tem alto valor nutricional, é saboroso e serve para preparar muitos pratos”, afirma a piauiense Simone Dantas, 28 anos, especialista em culinária com caju. “Tudo o que é feito à base de carne, dá para fazer com caju, como bife, almôndega, quibe, pastel ou farofa.” E, como são pratos simples de preparar, damos abaixo a receita de um deles. Confira.

Moqueca de caju

Ingredientes: 8 cajus; 1 cebola média picada; 2 dentes de alho picados; 3 tomates maduros picados; 3 colheres de sopa de azeite; 1 colher de sopa de azeite de dendê; 1 folha de louro; sal e pimenta a gosto; 4 lulas em anéis (tempere as lulas com alho e sal) Preparo: Descasque os cajus e corte em rodelas. Reserve. Refogue o alho e a cebola no azeite de oliva e dendê até dourar. Acrescente os cajus em rodelas e deixe fritar por 3 minutos. Coloque os tomates, o louro, sal e pimenta a gosto e cozinhe por 10 minutos, depois acrescente as lulas e deixe cozinhar por mais 5 minutos. Sirva com arroz branco.

Parcerias para o sucesso

O Piauí conquistou, em julho de 2007, a liderança no ranking nacional da exportação de mel, com um volume de 285 toneladas e receita de US$ 512 mil. O estado é também vice-líder nacional na produção de caju, com uma safra estimada de 64 mil toneladas este ano. Para alcançar tal feito, os apicultores e cajucultores do estado contaram com importantes aliados. Além do investimento de R$ 5,3 milhões da Fundação Banco do Brasil (FBB) para construção das minifábricas de caju, das casas de mel, da Casa Apis e da central de comercialização da fruta, o projeto teve o apoio da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que fez a aquisição da safra de caju do ano passado, e do governo do Piauí, responsável pela revitalização de três minifábricas e pela infra-estrutura de água e energia para o funcionamento das unidades.

O Banco do Brasil financia os agricultores, a Embrapa Meio Norte contribui no controle de qualidade do mel e o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) é responsável pelo treinamento e capacitação dos produtores rurais, gestores do programa e dos empregados de chão-de-fábrica. “Esse empreendimento social vai melhorar a vida de inúmeros apicultores piauienses e, ao mesmo tempo, ajudar a abrir novos mercados e evitar a interferência de intermediários”, afirma Delano Rodrigues Rocha, superintendente do Sebrae no Piauí. “Estamos empenhados na capacitação dos apicultores, ensinando técnicas de manejo das abelhas, alimentação, comercialização e, é claro, de gestão.”

O programa também teve o apoio de entidades como a Rede Unitrabalho, Unisol Brasil e ICCO Holanda, além de organizações locais que desenvolvem projetos visando a melhoria das condições de vida e de trabalho.