Fonte: Cáritas Brasileira, por Gleiceani Nogueira *
A burocracia e as exigências de documentação pelos bancos são as queixas mais comuns dos agricultores e agricultoras na hora de acessar o crédito oficial. Mas, para muitas famílias e grupos, os fundos rotativos solidários têm sido um caminho para desenvolver projetos associativos e comunitários, visando o fortalecimento da agricultura familiar e a melhoria das condições de vida das comunidades.
A experiencia dos Fundos Rotativos Solidários existe em todo o Brasil e é bastante presente em comunidades rurais do Nordeste. Em um estudo publicado em março de 2006, Selvino Heck, assessor especial da Presidência, estima que existam hoje na região cerca de 180 organizações que trabalham apoiando iniciativas de fundos solidários.
De 2006 a 2008 foram investidos R$ 50 milhões em projetos nessa área, em todos os estados da região, através do Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários, financiado pelos ministérios do Desenvolvimento Social (MDS) e do Trabalho e Emprego (MTE).
Os recursos do Programa são acompanhados por um comitê formado por representantes da sociedade civil ( Articulação no Semiárido Brasileiro, Fórum Brasileiro de Economia Solidária, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), do MDS, do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), ligada ao MTE. Atualmente, são 50 projetos apoiados em diferentes áreas como beneficiamento de frutas nativas, criação de animais e construção de tecnologias de captação de água.
Segundo o representante da Articulação no Semiárido (ASA) no comitê gestor dos fundos solidários e membro do Patac, José Waldir Costa, a experiência do fundo rotativo solidário pode se iniciar com a captação de recursos junto a entidades apoiadoras. Nesses casos, o valor investido será devolvido pelas famílias beneficiárias para uma espécie de caixa coletiva e será utilizado em favor de outras famílias ou para outras necessidades da comunidade. É possível ainda organizar um fundo através de arrecadação financeira,feita na própria comunidade, onde cada família entra com uma cota estabelecida de acordo com suas possibilidades.
Waldir Costa também lembra que para uma comunidade iniciar um trabalho com fundo solidário é preciso que ela tenha capacidade de se mobilizar e se organizar. Ele ressalta ainda que muitas ações não dependem de recursos financeiros, ou seja, o fundo pode ser criado a partir da doação de material, sementes ou mão-de-obra da própria comunidade.
“A experiência dos bancos de sementes é um exemplo. As pessoas já têm as sementes e aí fazem a doação [para o banco] e juntam essas sementes no mesmo lugar. Então o recurso local é bem valorizado e alguns grupos têm iniciado trabalhos sem contar com a entrada de recursos externos”, explicou Waldir.
Os fundos rotativos solidários são também espaços de conhecimento, onde as comunidades aprendem a fazer a gestão de recursos e o planejamento das atividades. Outro impacto é em relação à autonomia das comunidades sobre bens dos quais, historicamente, elas eram dependentes, como água e sementes.
De acordo com o coordenador nacional da Cáritas Brasileira, Ademar Bertucci, os Fundos Rotativos devem ser considerados como instrumentos de desenvolvimento local. “A alimentação do fundo é apenas uma estratégia. O fundamental é o resultado organizativo, seja na comunidade, ou nas formas de produção”, explica Bertucci. A Cáritas Brasileira integra o comitê gestor dos Fundos Solidários através do Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
Experiência paraibana
Durante a reunião do comitê gestor nacional no dia 7 de abril, foi realizado, em Campina Grande, na Paraíba, o Seminário Fundos Solidários: gerando riquezas e saberes. O objetivo do encontro foi divulgar e fortalecer as experiências da Rede de Fundos Solidários da Articulação no SemiÁrido Paraibano (ASA Paraíba). Participaram do encontro agricultores e agricultoras, universidades, representantes do governo e de entidades ligadas ao Pólo Sindical da Borborema e ao Coletivo Regional Cariri, Seridó e Curimatau.
Existem cerca de 500 fundos rotativos na Paraíba, distribuídos em 100 municípios. Além disso, dos 50 projetos de fundos solidários desenvolvidos no Nordeste, seis estão sendo executados no estado.
Para Haroldo Mendonça, coordenador geral de Comércio Justo e Crédito, da Senaes, além de conhecer as experiências de fundos rotativos da Paraíba, o debate do Seminário servirá para o comitê montar as estratégias dos próximos anos em relação a promoção dos fundos solidários no Brasil. “Estamos prevendo para o final do primeiro semestre deste ano uma nova etapa de apoio a projetos, no valor de R$ 3 milhões”, afirmou Haroldo Mendonça.
O Seminário também marcou o lançamento da campanha nacional Partilha Solidária, que se refere aos fundos rotativos solidários, desenvolvida pela entidade de cooperação Heifer. Também foi lançado um kit de material pedagógico – formado por um vídeo, uma cartilha e dois cordéis – que foi construído a partir das experiências da ASA Paraíba.
*Comunicadora da Asa Brasil. Edição: Mayrá Lima