Fonte: Correio Brasiliense
Surtiu efeito a pressão de prefeitos, parlamentares e até ministros contra o chamado Siconv, o novo sistema implantado pelo governo para liberar e monitorar a transferência de recursos da União a estados, municípios e organizações não-governamentais (ONGs) por meio de convênios e contratos de repasse. Sentindo-se acuado pelo lobby, o Palácio do Planalto decidiu que condicionará o desembolso de verbas federais ao cumprimento das regras previstas no Siconv só a partir do próximo ano. A decisão será publicada hoje na forma de uma instrução normativa assinada pelos ministros Paulo Bernardo (Planejamento), Guido Mantega (Fazenda) e Jorge Hage (Controladoria-Geral da União).
Anunciada informalmente ontem em sessão plenária do Congresso, a medida foi adotada para garantir a aprovação de créditos suplementares e da proposta de Orçamento da União de 2009. Conforme o Correio antecipou, deputados e senadores da Comissão Mista de Orçamento ameaçavam obstruir as votações caso as normas do Siconv, em vigor desde setembro, não fossem adiadas para o ano que vem. A queixa principal dos políticos recai sobre a obrigatoriedade de aprovação de projetos pelos ministérios antes de o governo empenhar — ou seja, assumir o compromisso de gastar — as emendas individuais.
Para os parlamentares, essa regra teria o objetivo de impedir a liberação das verbas em plena “dezembrada”, a tradicional corrida de fim de ano pelo empenho de emendas. Há ainda insatisfação com a previsão de pagamento direto a prestadores de serviço e executores de obra, o que acaba com a atuação de intermediários, um terreno fértil para esquemas de corrupção. Como no escândalo dos sanguessugas, em que parlamentares recebiam propinas em troca da apresentação de emendas para compra de ambulâncias superfaturadas. “Não houve chantagem. Houve uma preocupação do Congresso e dos ministros com a possibilidade de, mesmo com dinheiro disponível, as emendas não serem empenhadas”, disse Marcos Lima, subchefe de Assuntos Legislativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.
Tensão política Responsável pelas emendas no Planalto, Lima informou ter procurado os secretários-executivos do Planejamento, João Bernardo Bringel, e da Casa Civil, Erenice Guerra, pedindo o adiamento da entrada em vigor do sistema. Nas conversas, alegou que o Siconv é complexo e que prefeitos não reeleitos, em retaliação ao resultado das urnas, não estariam cadastrando projetos. “Emendas causam tensão. O governo não cedeu, apenas compreendeu”, disse. Quanto à complexidade do sistema, técnicos do Planejamento afirmaram treinar prefeitos, governadores e ONGs há pelo menos um ano. Sobre a não-apresentação de projetos por políticos derrotados nas urnas, debitam-na na conta da má prática política.
“Em função da eleição de novos prefeitos, acho que foi uma decisão correta do governo, apesar de achar absolutamente necessária a implantação do novo sistema, que dará mais transparência a essa questão”, declarou o senador Delcídio Amaral (PT-MS), relator da proposta de lei orçamentária. Mantida a previsão oficial, a União transferirá neste ano R$ 35 bilhões a municípios, estados e ONGs via convênios e contratos de repasse. A cobiça em torno do dinheiro cresceu em Brasília depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinar, no fim de novembro, o empenho de mais R$ 1 bilhão em emendas individuais, além dos R$ 3,5 bilhões autorizados anteriormente.
Diante das cifras, prefeitos e ministros, em especial Geddel Vieira Lima (Integração Nacional) e Márcio Fortes (Cidades), passaram a pressionar pela liberação das verbas. Não obtiveram sucesso imediato porque esbarraram no Siconv. Ao contrário do que ocorre atualmente, o novo sistema impede o empenho mediante a simples apresentação de “projetos só de capa”, que não cumprem os requisitos exigidos. “Equacionamos um problema. Projetos estavam sendo feito às pressas”, festejou ontem o deputado Gilmar Machado (PT-MG), vice-líder do governo na Câmara.
“O governo, numa situação de emergência, agiu para dar tranqüilidade aos prefeitos que estavam angustiados com a possibilidade de não verem seus empenhos neste fim de ano”, acrescentou, em tom elogioso, o deputado Bruno Araújo (PE), vice-líder da bancada do PSDB.