Fonte: Portal EcoDebate (www.ecodebate.com.br)

Entre os grandes conteúdos que dão conta do mal-estar planetário, encontram-se a crise financeira e a crise climática. Essas crises estão entrelaçadas e são decorrentes de um tipo de civilização engendradas especialmente ao longo dos últimos dois séculos baseadas no paradigma do crescimento econômico ilimitado. Ambas as crises têm na sua origem, como um dos principais elementos, o consumo desenfreado. “Foi a onda consumista que levou o planeta à mudança climática e, finalmente, agora, nos levou a esta enorme crise financeira e econômica que estamos vivendo, a maior de toda a história da humanidade”, afirma Kalle Lasn, um militante anticonsumo.

Segundo ele, o consumo é uma doença e está destruindo o planeta, embora não responsabilize a todos igualmente: “O problema é o consumo do grupo formado pelo um bilhão de pessoas mais ricas do planeta que consomem 86% de tudo o que é produzido. O que significa que cinco bilhões ficam, teoricamente, com os 14% restantes da produção, o que não é justo”. Esses, diz ele, “compraram mais do que poderiam. Pegaram dinheiro emprestado ou usaram as economias para comprar casas, carros, ou seja, mergulharam as suas vidas nisso e chafurdaram-se em dívidas nos últimos 20 anos”.

Kalle Lasn é o responsável por uma das maiores campanhas mundiais anticonsumo: a Buy Nothing Day (Dia de Não Consumir) que sugere que no dia 29 de novembro de cada ano não se consuma absolutamente nada. Segundo Lasn, “foi criada uma única cultura consumista que tomou todo o planeta. É preciso mudar a maneira como a informação atinge as pessoas, como o mundo corporativo e as agências de publicidade emanam informações para as pessoas comuns. O mercado publicitário é uma das principais máquinas geradoras da cultura de consumo, movimentando US$ 1 trilhão por ano. Enviam mensagens de ‘comprar, comprar, comprar’’ e afirmam que vamos ser felizes se comprarmos”.

Uma idéia da voragem do consumo pode ser observada na Meca do capitalismo mundial, os EUA, que mesmo chafurdado na crise, consomem avidamente. “Eles [os americanos] gastam muito”, afirma Alberto Tamer amparando-se em dados oficiais de instituições americanas. Por ocasião pós-dia de Ação de Graças que marca o início do natal americano, e no qual as lojas oferecem promoções, a “onda de compras foi violenta e furiosa. Um empregado da Wall Mart morreu pisoteado pela multidão enfurecida, que desde as 4 horas da manhã se aglomerava em filas, à espera da abertura das portas. Outras pessoas ficaram feridas, inclusive mulheres grávidas”, destaca Tamer.

O economista destaca alguns dados do consumo americano: até outubro só para ir ao cinema gastaram US$ 7,6 bilhões; para viajar nas férias, US$ 460,2 bilhões; a dívida atual das famílias americanas, incluindo hipotecas é de US$ 13,8 trilhões. Esse valor, diz Tamer, equivale a dez vezes o PIB brasileiro, ou seja, toda riqueza gerada no Brasil, no ano. “Dez vezes”, sublinha o economista. Os americanos acreditam que o consumo pode ser uma resposta à crise. Porém, na origem da mesma crise está o boom imobiliário e as famosas hipotecas subprime, aquelas que não tinham lastro real porque resultavam de um grande endividamento das famílias americanas.

Nesse contexto, e tendo presente a realidade brasileira, a tese do “comprar, comprar e comprar” como uma resposta à crise é uma irresponsabilidade, adverte Marilena Lazzarini, uma das criadoras do Procon e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Diz ela: “Acho uma irresponsabilidade o governo estimular o consumo sem garantir mecanismos de proteção a esse consumidor caso ele se endivide. Se entrar numa situação complicada, que garantia vai ter? O governo diz: ‘Consuma, porque estou criando um mecanismo que dá moratória ao consumidor endividado’. O consumidor endividado vai parar no SPC, no Serasa. Agem como se ele fizesse parte de um rebanho a ser usado pelo sistema para uma coisa ou para outra”.

Segundo Marilena Lazzarini, o nosso modelo de consumo é uma cópia do modelo americano, embora lá seja mais exacerbado. “O brasileiro vai gastar o que não pode para comprar um tênis de marca, uma calça, que basicamente são todos iguais, exceto pela etiqueta. Esses jovens vão se matar ou matar alguém para ter aquele artigo. Os modelos não são mais difundidos pela vizinhança. Antigamente, havia uma similitude na comunidade. Hoje, não. Os padrões entram nas casas pela televisão. Só que esse modelo de consumo desregulado falhou, e estimulá-lo parece loucura. Imagine que você está dirigindo um automóvel com um defeito. Em vez de parar o carro, põe o pé no acelerador. Estimular a população a consumir tem correlação com essa situação. Pedem que a população acelere e vá em frente. Ela vai acabar num abismo, vai se arrebentar”, diz ela.

A resposta à crise econômica é aumentar a produção e o consumo, retomando assim o círculo virtuoso que empurra o capitalismo. Nessa equação, o meio ambiente não tem vez. Retomamos aqui o alerta de André Gorz feito ainda na década de 1970 acerca da concepção de crescimento ilimitado num planeta de recursos limitados: “É impossível evitar uma catástrofe climática sem romper radicalmente com os métodos e a lógica econômica que reinam há 150 anos”. Segundo ele, um outro paradigma de desenvolvimento “supõe uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais. Na sua ausência, o derrocamento só será evitado impondo restrições, racionamentos, alocações autoritárias de recursos característicos de uma economia de guerra. A saída do capitalismo, portanto, se dará de uma ou outra maneira, de modo civilizado ou bárbaro”.

*(www.EcoDebate.com.br, 05/12/2008) publicado pelo IHU On-line, 03/12/2008, Conjuntura da Semana. Uma leitura das ‘Notícias do Dia’ do IHU de 26 de novembro a 02 de dezembro de 2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]