Fonte: Felipe Tavares (lipestavares@hotmail.com)

Moradores de Vera Cruz e Simões Filho compram e vendem utilizando dinheiro social que circula apenas nessas localidades; há descontos para acesso a serviços, compra de vários produtos e empréstimos.

Já imaginou comprar leite por C$ 2,70? Traduzindo: duas conchas e 70 centavos? E um quilo de farinha por C$ 2, ou seja, duas conchas? Na pequena Vila de Matarandiba, parte do município de Vera Cruz (a 14 km de Salvador, via ferryboat), é possível graças à concha, uma moeda social complementar ao real, em circulação há alguns dias e criada pelo banco comunitário Ilhamar, implantado há oito meses.

Na Vila Matarandiba, a concha vale mais que o real, e os moradores ainda ganham descontos de até 25% comprando no comércio local. À primeira vista, parece até dinheiro de brinquedo, mas não é. As cédulas da concha são encontradas em abundância no local, onde moram cerca de 600 pessoas.

As cédulas possuem um desenho no verso como marca de diferenciação do valor. Para a de C$ 0,50 (cinqüenta centavos de concha), foi escolhido o Boi Janeiro, uma manifestação folclórica local; a de C$ 1 (uma concha) tem um caranguejo; a de C$ 2, uma marisqueira; a de C$ 5, um pescador jogando sua rede ao mar; e na de C$ 10, uma igreja católica tendo à frente uma mulher dançando o São Gonçalo, outra manifestação cultural da vila.

Benefício

A economia solidária em Vila Matarandiba começou com as reivindicações por projetos sociais feitas à Dow Química, que possui uma unidade na região. Os pedidos foram apresentados pela Associação Comunitária de Matarandiba (Ascoma). “A Dow procurou a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e firmou parceria em busca do que poderia ser implantado.

Daí surgiu o Economia Sustentável e Solidária de Matarandiba (Ecosmar). Veio o banco comunitário, que iniciou as atividades com R$ 5 mil investidos pela Dow, e passou a desenvolver microcréditos para produção, consumo, reforma e o crédito jovem, além das trocas das moedas”, explicou José Mário da Silva, do conselho administrativo da Ascoma.

“Em oito meses, dobramos o capital do banco para R$ 12.932”, comemora José Mário. No banco comunitário, os moradores trocam reais por concha. Porém a regra não permite que eles troquem a concha por real. Já o comerciante tem entre 15 e 30 dias, se houver necessidade de efetuar compras fora da localidade, para desfazer a troca.

Incentivo

“A moeda social surgiu após um mapeamento socioeconômico feito no local. Verificamos que menos de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) eram gastos na comunidade. Os 80% restantes iam para outros locais”, ressaltou Enerilena de Jesus, que é a agente articuladora da Ecosmar. O pescador José Carlos dos Santos, 47 anos, foi o primeiro na Vila Matarandiba a trocar real por concha. “Troquei R$ 20 por C$ 20 porque ganho descontos comprando no comércio daqui.

Já comprei peixe, alimentos e todo dia compro pão. C$ 1 dá para 12 pãezinhos. Em real, só dava para comprar 10”, comemora.

Mercadinhos, salão de beleza, lan houses, sapataria, bares e pousadas aceitam a concha.

“Sem a moeda social, o dinheiro que entra não fica na comunidade, porque as pessoas compram fora. Já com a concha, é garantido que as pessoas comprem na comunidade. A expectativa é de aumento de 70% na economia local”, diz Enerilena de Jesus.

Na mercearia de Antônio Barbuda, 60 anos, a concha já é moeda corrente e gera 10% de desconto para quem a utiliza. No caixa de um dia, ele contabilizou C$ 33,50. A sua expectativa é que todos os moradores comprem com a moeda social. “Espero que dê certo. É bom porque o dinheiro circula no comércio. E também diminui as compras no vale”, comemora o comerciante. A única desvantagem é o troco, que na maioria das vezes é em real.

“Porque a concha só tem 0,50 centavos, não dez ou cinco, e isso dificulta o troco”, disse Barbuda.

Mesmo com pouco tempo circulando a concha foi bem aceita pelos moradores. Dos 11 comerciantes locais, apenas um ainda não aderiu à moeda social.