Fonte: http://www.cir.org.br/raposa_conquistas.php

Em três décadas de luta dos povos indígenas de Raposa Serra do Sol, muitas foram as perseguições por parte de fazendeiros, garimpeiros, da conservadora classe política regional e de setores das forças armadas. Mas, neste mesmo período, somam-se diversas conquistas que, num movimento de resistência, alimentam importantes vitórias.

Identidade

Há trinta anos as comunidades indígenas de Raposa Serra do Sol estavam subjugadas ao mando de fazendeiros e garimpeiros para os quais trabalhavam como mão-de-obra barata, muitas vezes semi-escrava.

Tratados como caboclos, muitos eram levados ainda jovens para morar nas fazendas em condições subumanas e a maioria já havia abandonado a língua materna, tratada pejorativamente pelos invasores de suas terras como “gíria”.

Mas um verdadeiro levante ocorreu em meados da década de 70, tendo como marco a data 26 de abril de 1977, quando toda a comunidade Maturuca (região serrana da terra indígena) resolveu dizer não “à bebida alcoólica e sim à comunidade indígena”.

A luta pela reconquista da terra e combate ao alcoolismo é uma bandeira hasteada em todas as aldeias e possibilita a revalorização da cultura e retorno da dinâmica social tradicional dos povos.

A revalorização de costumes, línguas, crenças, danças e tradições fez ressurgir a auto-estima, o sentir-se gente. Estreitando laços perdidos de solidariedade foram se organizando e buscando o respeito aos direitos, sobretudo o direito de poder ter terra suficiente para sobreviverem como indivíduo e como povo.

Recuperando o caráter comunitário das aldeias, prejudicado com o ingresso das relações de exploração, da força de trabalho e das riquezas minerais, as aldeias inseriram-se num processo organizativo com participação efetiva das mulheres, crianças e jovens em todas as decisões e ações da comunidade.

Firma-se enquanto povo sem perder a autonomia de determinar seus próprios rumos. As lideranças se propõem a construir um modelo de escola indígena diferenciada, com metodologia participativa, garantindo o saber tradicional e os conhecimentos dos karaiwá (brancos). A língua materna volta a ser falada com orgulho nas aldeias.

Organização

O nascimento da organização indígena, através da formação de conselhos comunitários regionais e, posteriormente, do CIR (Conselho Indígena de Roraima), permitiu uma articulação entre as aldeias para levar ao mundo dos ‘brancos’ todas as expectativas e reivindicações dos povos indígenas.

No plano estadual o CIR tem parceria com a Apir (Associação dos Povos Indígenas de Roraima), TWM (Sociedade para Desenvolvimento Comunitário e Qualidade Ambiental dos Taurepang, Wapichana e Macuxi), Opir (Organização dos Professores Indígenas de Roraima), além de outros parceiros nacionais e internacionais.

O fortalecimento do Conselho Indígena de Roraima possibilitou maior participação das mulheres indígenas, sendo criada em 1999 a Omir (Organização das Mulheres Indígenas de Roraima).

Os conselhos regionais reúnem-se periodicamente, com a participação de tuxauas, professores, mulheres, jovens, vaqueiros. O conselho é a referência de unidade entre as regiões e a instância de base mais sólida da organização indígena que faz uma ponte entre as aldeias e o CIR, Conselho Estadual.

As ações comunitárias e regionais são efetivadas através de mutirão com crianças, jovens, estudantes e as lideranças. A administração do gado é o esteio do compromisso com a organização social macuxi e wapichana.

A organização nas suas várias esferas permite o controle social nas áreas de saúde, por exemplo, com a formação de conselhos locais de saúde. Também proporciona acompanhamento da escola indígena com educação específica, diferenciada e bilíngüe.

Autonomia econômica

A propriedade indígena sobre o gado é a principal fonte da autonomia econômica das aldeias de Roraima. Através de cantinas comunitárias instaladas em diversas comunidades é possível o comércio de carne e, também, gêneros alimentícios, de higiene e ferramentas sem a necessidade de deslocamento até a capital, Boa vista.

Todas aldeias são auto-suficientes na produção de mandioca, alimentação básica de todos os povos. Roças de subsistência, comunitárias ou individuais garantem a segurança alimentar de todas as famílias e servem como suporte para impulsionar a criação de animais de pequeno porte, como carneiros, porcos, galinhas etc.

Os campos de Roraima – ou lavrado, como é denominado regionalmente – é bastante escasso em recursos hídricos. Por isso, as comunidades têm implantado, com apoio da Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e de Organizações Não-Governamentais, projetos de abastecimento de água, dando os passos iniciais nas áreas de hortaliças e fruticultura.

A beleza do artesanato gera grande procura por apreciadores da arte indígena. Nos últimos anos, as comunidades macuxi, ingarikó e wapichana intensificaram a produção de cestarias, cocares, colares de sementes naturais, brincos e panelas de barro. A comercialização do artesanato tem se tornado uma fonte de renda complementar para as comunidades.

Todas as atividades convergem para a conquista da terra num processo crescente de conquista para viver com dignidade nas aldeias. É a redescoberta de uma territorialidade e necessidade de ocupação para elevar a qualidade de vida sem agredir a cultura e tradições.