Autor: Selvino Heck

Fonte: Adital

Ir. Antônio Cechin, marista, está completando 80 anos neste mês de junho. Sempre que nos encontramos em reuniões, assembléias, romarias, digo para todos que ele é o nosso monumento vivo. Ele protesta. Mas digo que é um monumento que nos serve de referência, uma bússola do bom caminho. Outro dia o teólogo Fernando Altemeyer, em artigo no Estadão quando da visita do papa ao Brasil, citou-o como um dos membros da ‘escola espiritual da Teologia da Libertação, feita de larga tradição de muitos patriarcas e matriarcas’ (09.05.07).

Acesse o convite para a Jornada Festiva em comemoração aos 80 anos de Ir. Cechin em http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&Itemid=&gid=331&orderby=dmdatecounter&ascdesc=DESC

Nem lembro quando o conheci. Em 7 de setembro de 1979, quando houve a primeira ocupação de terra no Rio Grande do Sul, Fazendas Macali e Brilhante em Ronda Alta, ele fez o comunicado aos que participavam do primeiro encontro estadual das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) do Estado, em São Gabriel. Lá estava ele, assim como nas Romarias da Terra, pensadas por ele, já empunhando a bandeira de Sepé Tiaraju, santo para ele e para todos nós, na luta por uma Terra Sem Males.

Por esta época, eu e o professor Adair Barcelos fomos encontrá-lo morando na Vila Santo Operário, ocupação feita pelos pobres da região da Mathias Velho e Harmonia de Canoas, cujo nome é uma homenagem ao líder metalúrgico, Santo Dias da Silva, morto pela polícia numa greve em São Paulo. Lá morou por um bom tempo com sua irmã Matilde, professora da Unisinos, que o acompanha sempre em seus passos, na organização do povo e na vida de fé ligada à realidade cotidiana.

Um dos precursores da JUC (Juventude Universitária Católica), ainda nos anos 60, foi preso e torturado na ditadura. Depois, envolveu-se como professor e educador na Catequese Libertadora. Fundador e presente em todas as pastorais sociais, nas articulações das CEBs, na Romaria das Águas, nas reflexões dos religiosos inseridos e seus encontros mensais na Livraria das Paulinas na Rua da Praia, em ONGS como o CECA e CEBI, junto com o padre Orestes Stragliotto, incentivador da vivência da fé, amigo de todos os teólogos da libertação, seu apartamento na Coronel Vicente em Porto Alegre serviu por muito tempo de hospedagem a Frei Betto, Leonardo Boff e tantos outros.

Mas ele não pára. Quando as comunidades das áreas ocupadas de Canoas se consolidaram e podiam caminhar com suas próprias pernas, achou nova missão, mais difícil. Quando quase ninguém se importava com os carrinheiros de Porto Alegre, que recolhem o lixo nas ruas e assim sobrevivem, antes ainda da existência da coleta seletiva, passou a viver no meio deles, a incentivar sua organização, a buscar recursos para implantar galpões de seleção do lixo, como os Profetas da Ecologia, na ponte do Guaíba, ao lado da igreja dos Navegantes, e na ilha dos Marinheiros. Os carrinheiros começaram a ser reconhecidos como gente, melhoraram suas condições de vida e chamaram a atenção da cidade para sua existência, ecologistas que são.

Sempre preocupado com os pobres, especialmente os mais pobres entre os pobres, sempre crítico às estruturas de poder, incluídas as da igreja católica, Irmão Antônio sempre foi reconhecido por todos como teólogo, como educador popular, como profeta.

Na última vez que o encontrei, numa reunião do Movimento Fé e Política, e depois quando fomos comer uma costela de ovelha no Bar do Afonso, em Porto Alegre, insisti que escrevesse suas memórias, sua história, na verdade história de muitos e muitas que estão ao lado do povo pobre e sofrido das periferias urbanas e do campo. Mais ninguém pode contá-la como ele, porque ninguém a viveu e dela participou como ele. Fez e faz parte de tudo há mais de 50 anos, na igreja católica, nas comunidades, nas periferias, nos bairros populares, nas pastorais sociais, no ecumenismo. (Soube no Congresso do MST que Frei Sérgio Görgen, Frei Luís Carlos Susin e outros o convenceram a dar um depoimento sobre sua vida e reflexões teológicas para uma publicação.) Ele ainda resiste, mas confio que fará o registro histórico. Ou quem sabe o esteja fazendo na surdina, sem ninguém saber, na humildade, como é de seu feitio simples.

Vida longa, Ir. Antônio, nosso monumento vivo!