Fonte: http://www.asemana.cv/article.php3?id_article=35202

O objectivo do presente artigo é suscitar um debate alargado e sem tabu da importância que a economia social e solidária tem para o desenvolvimento sustentado de Cabo Verde. Por isso, o autor conta com seu comentário e/ou sugestão para que a opinião seja clara e possa, deste modo, sensibilizar a classe política, especialmente o governo a consagrar uma constituição Cooperativa, regulamentar, incentivar e tutelar este sector de actividade.

Texto de António Sebastião Sousa*

A experiência demonstra que os países que adoptaram o Modelo do Liberalismo económico onde predomina a propriedade privada tem tido um resultado trágico, quer do ponto de vista económico como, também, político e social, motivado, em parte, pela quase inexistência de concorrência com os outros formatos de propriedade privada.

O mundo está à beira de uma recessão económica e as suas consequências ainda não são no todo previsíveis. A situação conjuntural internacional que ora se vive encontra-se intimamente ligada a este fenómeno.

A situação é complexa e, para ser debelada, requer a mobilização de todos, sem excepção mas, exige muito mais dos especialistas na matéria e na governação do país, isto é, dos economistas, dos políticos e, igualmente, das organizações da sociedade civil.

Muitos economistas, há muito, vêm dizendo que o actual modelo económico se encontra caduco e que urge encontrar um que permita a coexistência do sector público, do sector privado e do sector social, ou seja, onde a concorrência, entre eles se faça em pé de igualdade e de forma equilibrada.

Falta coragem para dizer que o modelo económico instituído não sirva, a médio e longo prazo, os interesses de Cabo Verde e dos cabo-verdianos e é urgente, por isso, implementar outro capaz de criar bem-estar colectivo e reduzir o fosso entre os ricos e os pobres, o desemprego, a precariedade, e garantir a instabilidade económica, política e social.

Nas sociedades que sustentam o liberalismo económico predominam “a lei do mais forte”. Os grandes grupos económicos pressionam os pequenos e médios empresários e estes acabam sempre subjugados e/ou mesmos eliminados do mercado pelos mesmos.

O nosso propósito não é pôr em crise o sector privado, porque ele é um dos três pilares que sustentam a economia mista, o que defendemos é a sua existência em paridade com os outros dois sectores, público e economia social e solidária, de modo a permitir uma competição saudável e uma economia mais robusta e sustentável.

O sector privado, como sabemos, tem como único escopo o lucro e, por isso, é na maior parte das vezes insensível às questões sociais. Gere a riqueza para uma parte e não para o todo, ou seja, para os detentores do capital. Selecciona o mercado e localiza nos grandes centros urbanos, onde o retorno dos seus investimentos sucede num curto espaço de tempo. A partir daí, graça aos imensos recursos que dispõe, consegue esvaziar o pouco que subsiste nas periferias e, deste modo, contribuir para agravar ainda mais os desequilíbrios regionais.

Em Cabo Verde as desigualdades regionais são mais visíveis nas ilhas de Santo Antão, Brava, São Nicolau e Fogo e, principalmente, nas zonas rurais onde a actividade económica é frágil e o mercado não é atractivo para os investidores privados. Que modelo de desenvolvimento se pretende seguir?

Será que se pode inverter esta tendência do subdesenvolvimento destas regiões?

Acreditamos que sim. Não será uma tarefa fácil mas é possível se houver uma conjugação de esforço de todas as forças vivas e principalmente do Estado.

Os dois sectores, público e privado, são insuficientes para diminuir a elevada taxa de desemprego, particularmente nas regiões ditas periféricas onde ela é superior a 22%, aumentar a competitividade, reduzir a precariedade e a pobreza e conduzir o desenvolvimento sustentável de Cabo Verde.

Cabe ao Estado criar condições para a fixação de pessoas, serviços e capitais na periferia, possibilitando a formação do mercado e, deste modo, incentivar e atrair o investimento privado e a economia social e solidária. Para tal acontecer terá o Estado de assumir os riscos iniciais, que o privado não quer ou tente evitar. É uma forma de solidariedade e de justiça social para com aquelas regiões que não podem e nem devem continuar a ser eternamente sugadas pelas do centro, onde se concentram um conjunto de bens, serviços, capitais e consumidores.

Deve o Estado apostar mais e melhor na descentralização e desconcentração dos serviços públicos essenciais, na implementação de um conjunto de obras públicas de proximidade e maior atribuição às autarquias, no incentivo às pequenas e médias empresas e à economia social e solidária, com relevo para o sector cooperativo e da formação técnico e profissional, através de medidas de descriminação positiva.

Um exemplo de como fixar, pessoas, serviços, e capitais, é a deslocalização de serviços públicos essenciais, pólos universitários e escolas profissionais para outras ilhas e regiões diferentes das habituais.

O presente artigo tem como tema “A Economia Social e Solidária Em Cabo Verde e a Sua Regulamentação”.

A economia social e solidária é «um conjunto de organismos que prosseguem essencialmente objectivos sociais, baseiam a sua acção em valores democráticos e são organicamente independentes do sector público. As suas actividades sociais e económicas são realizadas sobretudo no âmbito de associações, cooperativas, fundações e organismos similares». O principal motor da economia social é o bem público ou o bem dos seus membros e não os interesses privados.» . Foi a noção usada pelo Dr. Aristides Lima aquando do seu discurso de Abertura do Fórum Parlamentar sobre «economia Social e Desenvolvimento» e extraída da VIIª Conferência sobre a Economia Social, realizada na Suécia e que nós aqui, também, adoptamos.

Numa parte significativa dos países do norte da Europa, nomeadamente – a Dinamarca, a Holanda, a Finlândia, a Noruega e a Suécia, a economia social e solidária tem um peso significativo no desenvolvimento, opera o modelo de economia mista, composto pelos sectores público, privado e social e solidária, e os resultados deste modelo económico são altamente positivos. Nestes países há maior estabilidade económica, política e social e são mais imunes às consequências de uma situação conjuntural internacional desfavorável. A taxa de desemprego é muito baixa, há menos injustiça social, mais solidariedade, menos exploração laboral e precariedade social, mais estabilidade e paz social.

A economia social nos ditos países representa cerca de 35% do PIB (Produto Interno Bruto). Será este o segredo da estabilidade social, económica e política que prevalece naquela região?

No rol das entidades que compõe a economia social e solidária as que estão ligadas ao sector cooperativo possuem maior dinâmica e amplitude económica porque têm uma regulamentação própria que as colocam ao mesmo nível das outras instituições privadas, isto é, podem produzir e comercializar livremente qualquer bens e serviços.

Com o advento do multipartidarismo em Cabo Verde e ascensão ao poder do MPD, apologista da economia liberal, o sector público e, em particular, o sector cooperativo foram secundarizados em detrimento do sector privado.

A actual Constituição da República de Cabo Verde não faz qualquer menção à economia social e solidária. É certo que a sua aprovação só contou com os votos do partido no governo que na época detinha a maioria qualificada no parlamento, pouco ou nada valia o apoio ou contributo do P.A.I.C.V. único partido na oposição com representação parlamentar.

Tendo o presente partido no poder uma ideologia mais socialista e consciência do papel que economia social e solidária tem para o desenvolvimento, não percebemos a razão deste sector não ter sido ainda contemplado na nossa Lei fundamental como sendo um dos direitos económicos, sociais e culturais.

A economia social e solidária, como já vimos, defende os valores democráticos e da solidariedade e é independente do Estado. Não tem qualquer conexão com os regimes totalitários da direita ou da esquerda. Os primeiros repudiavam qualquer tentativa de organização do tipo e caso houvesse alguma era altamente controlada pelo Estado, neste caso, temos como exemplo o regime salazarista em Portugal e nos segundos predominavam a propriedade estatal dos meios de produção, e eram, igualmente, estatizadas a cultura, o desporto e às demais instituições tal como era usual na extinta União Soviética. A ausência de competição e de democraticidade nas administrações conduziram à queda dos “Modelos económicos dos regimes totalitários”, devido às suas provadas incapacidades para competir com o modelo Ocidental, onde a concorrência obriga aos agentes económicos mais e melhores recursos para continuarem a competir e progredir. Por isso, não vemos qualquer motivo para a sua marginalização e particularmente do subsector Cooperativo em Cabo Verde.

Qualquer pessoa de bom senso e minimamente atento não pode ignorar os benefícios que o cooperativismo teve, principalmente nos primórdios da nossa independência, no combate à especulação e ao açambarcamento, na distribuição dos bens de primeira necessidade, no emprego e na economia local. Quem no passado instituiu, regulamentou, incentivou o movimento cooperativo, não tem razões para envergonhar-se. Pelo contrário, deve-se orgulhar dos resultados conseguidos se atendermos ao nível de formação académico, profissional e democrática das populações de então. Hoje, com a experiencia que possui pode evitar que os erros do passado se repitam mas não deve é abdicar dos seus princípios ideológicos fundamentais e negar aos cidadãos o exercício de um direito liberdade e garantia e, deste modo, hipotecar o desenvolvimento económico e social sustentável do país a médio e longo prazo.

A omissão do sector social na Constituição terá sido, salvo melhor opinião, intencional pois a partir daí o associativismo assumiu uma maior importância e atenção. É certo que ele faz parte de um dos subsectores do sector social mas é uma figura diversa quer do ponto de vista legal e social como do ponto de vista do desenvolvimento económico e na concorrência com o sector privado.

Vejamos quais são as principais diferenças que existem entre uma Associação e uma Cooperativa:

Uma Associação:

* É regulamentada pelo código civil

* É registada no Cartório e publicada no Boletim Oficial

* Não gera excedentes/sobras

* Os associados pagam uma quota mensal para sua manutenção

* Não requer um número mínimo de associados para a sua constituição

* Tem por objectivo a realização de actividades sociais, culturais, desportivas, humanitárias, etc.

Uma Cooperativa:

* É regulada por legislação própria – Código cooperativo (inexistente actualmente em Cabo Verde), registada no Instituto Nacional das Cooperativas (actualmente extinto) e no Registo Nacional das Pessoas Colectivas (que existe ou que venha a existir)

* Pode gerar excedentes/sobras

* Os cooperadores subscrevem uma quota para formar o capital da Cooperativa

* É exigido um mínimo de cooperadores para a sua constituição (o nº diverge consoante o ramo do sector cooperativo – consumo, agrícola, mútuo, habitação e construção, ensino, serviços, cultura, pesca, solidariedade social, etc.)

* Tem por Objectivo a prestação de serviços económicos ou financeiros

As duas instituições apenas se assemelham nos seguintes pontos:

* São ambas constituídas por pessoas, e

* Cada pessoa tem direito a um voto (voto igualitário)

Pelas diferenças que acabamos de descrever há necessidade de regulamentar, clarificar e delimitar o âmbito de intervenção de cada um dos subsectores que congrega este sector de economia evitando, deste modo, ambiguidades e vazio legal.

Para quem defende um novo modelo para a nossa economia, é necessário que fomente uma discussão sobre os aspectos, que nesta matéria evidenciam vantagens, assim como demonstrar a necessidade de consagrar na nossa Constituição, na parte que define os princípios da organização económica do país, a coexistência do sector público, do sector privado, do sector cooperativo e social, a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista.

Portugal, 26 de Agosto de 2008

*Técnico Cooperativo/Licenciado em Direito