Texto de Josinaldo Aleixo**

O ministro Mangabeira Unger, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, declarou que “desenvolvimento sustentável é um conceito sem consistência alguma”. O ministro Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente, afirmou, em recente entrevista à revista “Veja“, que o presidente, “entre um cerradinho e a soja é mais a soja”.

Dessa forma, é posto à nu a insensibilidade ambiental que assola o governo. Demonstra o tipo de paradigma de desenvolvimento seguido e o futuro nebuloso do restante dos grandes biomas brasileiros, Amazônia e Cerrado.

Neste momento, em que todos(as) falam de desenvolvimento e crise de alimentos, estive numa pequena cidade onde os movimentos sociais tocam iniciativas de desenvolvimento sustentável, capazes de dar água na boca de Mangabeira Unger.

Em Manicoré, o maior empregador é a prefeitura local com seus funcionários públicos, apaniguados de políticos e pendurados nos cabides de emprego. O segundo empregador são duas iniciativas agroextrativistas, que, juntas, geram diretamente cerca de 100 empregos na cidade, em unidades de beneficiamento de castanha e borracha.

—–

Vamos falar um pouco de uma dessas iniciativas, a Covema (Cooperativa Verde de Manicoré). Formada por populações tradicionais que vivem do agroextrativismo de borracha, castanha e pescado, a Covema se dedica à organização da produção e comercialização da castanha-do-brasil (ou castanha-do-pará).

Na sede municipal, gera cerca de 70 postos de trabalho em sua agroindústria (as duas únicas indústrias que existem em Manicoré são dessas duas iniciativas agroextrativistas). Na floresta, organiza diretamente 400 castanheiros, beneficiando indiretamente mais de 2.000 pessoas. Meu, é muuuita gente! Quem conhece as cidadezinhas da Amazônia, sabe o que isso significa.

Antes da Covema, castanheiros(as) vendiam seu produto para duas figuras deletérias. A primeira é o “regatão”, uma espécie de mercado montado num barco que sobe e desce os rios da Amazônia, comprando produtos da floresta a preço de banana e vendendo a preço de ouro gêneros que as populações ribeirinhas necessitam, tais como café, açúcar e remédios.

A segunda é o “coronel de barranco”, indivíduos que se diziam donos da floresta, obrigando as populações tradicionais a pagarem uma “renda” sobre toda a produção da família. Isso mesmo, senhoras e senhores: no Brasil ainda existem milhares de pessoas que pagam a medieval renda sobre a produção, dando pro “coronel de barranco” parte de seu trabalho.

Para o “regatão” e os “coronéis de barranco”, castanheiros(as) da região de Manicoré anteriormente vendiam a lata de dez quilos de castanha a R$ 2,30. Organizados na cooperativa, passaram a alocar seu produto no mercado de S. Paulo, podendo chegar a R$ 30 reais.

O esquema de gestão da Covema é muito interessante para nós que acreditamos, vivemos e lutamos pela economia solidária. Os castanheiros(as) são organizados(as) na base, onde realizam reuniões periódicas. A diretoria é eleita para um mandato de três anos com seu conselho fiscal. A diretoria mantém estreito contato com a base da cooperativa, viajando por aqueles rios, discutindo os problemas da produção e consultando associados(as) nas questões relativas ao mercado.

O principal apoio tem sido do governo do estado do Amazonas. Deram entrada num programa chamado DRS (Desenvolvimento Rural Sustentável) do Banco do Brasil. Porém, há meses, não obtêm resposta nem positiva nem negativa – isso porque é um banco público num governo que se diz empenhado em viabilizar a economia florestal. Imagina se não fosse! Um grande parceiro tem sido a Conab, por meio de seu Programa de Compra Direta.

Ali não encontramos as lindas plantações de soja que estão devastando a Amazônia, tampouco alguns conterrâneos sulistas que acham que têm o rei na barriga e pensam que todo amazônida é preguiçoso. Encontramos é o(a) caboclo(a) amazônida fazendo sua cooperativa crescer e gerar renda.

Este governo precisa tirar da cabeça que o desenvolvimento capitalista baseado na iniciativa privada vai promover desenvolvimento econômico com a floresta em pé. Não vai. E aí estão os crescentes números do desmatamento que não nos deixam mentir! Este modelo de desenvolvimento estabelecido está, isso sim, derrubando a floresta para gerar uma riqueza que é privatizada, ao passo que os prejuízos sociais são socializados e as conseqüências climáticas e ambientais globalizadas.

Não basta o governo fazer um Plano Amazônia Sustentável cheio de palavras bonitas e boas intenções. Centenas (!) de iniciativas sustentáveis econômica e ambientalmente espalhadas pela Amazônia sobrevivem às próprias custas, com parco apoio.

A solução é solidária e baseada na iniciativa coletiva – ela sim que gera trabalho, renda e distribui riqueza.

* Título completo do artigo: Outra economia acontecendo: a solução pela iniciativa coletiva e solidária

** Sociólogo, consultor, militante da economia solidária