Fonte: Fernanda Barreto (Projeto Brasil Local)

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O adesivo fixado na parede do barco que leva passageiros de São Luís (MA) ao município de Alcântara avisa: “Aceitamos Guará”. O anúncio provoca curiosidade. Interessado, um dos turistas a bordo pergunta: “Moço, o que é Guará?” Ao que o tripulante responde, orgulhoso: “É a nossa moeda, nosso próprio dinheiro”, apontando para um outro anúncio pendurado mais adiante. Ali, o cartaz traz informações sobre uma instituição bancária diferente, implantada pela própria comunidade. Trata-se do Banco Quilombola, o primeiro no País organizado por povoados descendentes de escravos. “Aqui, o gerenciamento das finanças está nas mãos dos moradores”, destaca o agente de desenvolvimento do Brasil Local (Projeto da Secretaria Nacional de Economia Solidária) Sérvulo Borges, um dos idealizadores da iniciativa.

Patrimônio cultural do Brasil, Alcântara reúne um conjunto de belezas naturais e arquitetônicas, mas também é marcada por desigualdades sociais. Desde 1980 o município serve de base para o centro de lançamentos espaciais do governo. “A instalação da base tirou milhares de quilombolas de suas terras, nos deixando num cenário degradante”, conta Borges.

Para ele, o banco comunitário representa uma chance de reverter esse quadro. “É uma forma de creditar às pessoas a possibilidade delas desenvolverem suas vidas, sem que a gente tenha que depender das regras dos bancos tradicionais”, acredita. “Somos uma experiência piloto. Temos o compromisso de dar certo”.

Inaugurado em novembro de 2007, no dia Nacional da Consciência Negra, o Banco Quilombola iniciou suas atividades com R$ 50 mil, dos quais R$ 20 mil repassados pelo Governo do Maranhão – quantia conquistada por meio de seleção pública de um projeto apresentado pela comunidade. Os outros R$ 30 mil são para empréstimos por meio do Banco Popular do Brasil, correspondente bancário que também possibilita o pagamento de contas e boletos pela população local.

Adesão Ao que tudo indica, a iniciativa foi bem aceita pelos moradores. Já são mais de 800 os correntistas. Os comerciantes também aderiram. Andando pelas ruas de Alcântara, adesivos como o visto no barco multiplicam-se nas portas de estabelecimentos como farmácias e mercadinhos. Até uma funerária aceita o Guará, moeda alternativa que equivale ao Real. “O pessoal do banco veio aqui conversar com a gente e nós entendemos a importância de aceitar a moeda social”, conta a vendedora de caixões Gracilene Pereira.

O objetivo da moeda social é fazer com a riqueza circule dentro do município. “A gente aceita o Guará como aceita o Real. A diferença é que o Guará é um dinheiro que roda aqui mesmo, a gente sabe que não vai sair daqui. É lucro para a comunidade”, afirma o taxista Eudes Duarte.

Dono de um armazém próximo ao Banco, Walter Pacheco se diverte com a originalidade da moeda social. “Todo mundo quer conhecer. Às vezes os turistas querem levar de lembrança para mostrar aos amigos. Pode uma coisa desta? Aí explico que não dá, senão a gente é que fica no prejuízo, né?”.

Metodologia reaplicada O Banco Quilombola é uma das 27 instituições financeiras da Rede Brasilieira de Bancos Comunitários. O precursor do grupo é o Banco Palmas, que funciona há mais de 10 anos em Fortaleza (CE) e reaplica a metodologia aos demais. “Cada um desses bancos tem sua estratégia, seu conselho gestor e sua moeda social”, destaca Joaquim Melo, presidente da Rede e um dos fundadores do Palmas. De acordo com ele, um dos principais requisitos indispensáveis para montar a instituição é o controle social.

Crédito facilitado para quem mais precisa A principal diferença dos bancos comunitários para os oficiais é que eles não visam o lucro. Em vez disso, apóiam o desenvolvimento local integrado por meio do financiamento de pequenos grupos produtivos. Para empréstimos em Real, a taxa de juros varia de 2% a 4% ao mês. Em moeda social, não há cobrança de juro.

Legislação atrasada Embora o Brasil conte com diversas iniciativas de bancos comunitários, o segmento ainda não foi regulamentado. Para preencher essa lacuna legal, a deputada Luiza Erundina (PSB/SP) apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLC 93/07), que estabelece a criação do Sistema Nacional de Finanças Populares e Solidárias.

A proposta está sendo apreciada pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e tem o apoio do governo. “Com fluxo de recursos entre a baixa renda é possível cortar o círculo vicioso de que pobre é pobre porque não tem dinheiro e não tem dinheiro porque é pobre”, defendeu o secretário nacional de Economia Solidária, Paul Singer, durante audiência pública realizada na Casa em abril deste ano.

O PLP também prevê a implantação de um Conselho Nacional de Finanças Populares e Solidárias (Conafis), além de fixar regras para o funcionamento de Bancos Populares de Desenvolvimento Solidário. Depois de passar pela Comissão de Trabalho, o PLC segue ainda para as comissões de Finanças e Tributação; Constituição e Justiça e de Cidadania. Se aprovada, a proposta segue para votação do Plenário.

Mais informações: Assessoria de Comunicação Fernanda Barreto (61) 9965.1219 fernanda.ascom@brasilocal.org.br