Texto de Cândido Grzybowski*

Como há muitos anos, em 5 de junho, Dia do Meio Ambiente, o assunto dominante foi o nosso maior bioma, a Amazônia. Território imenso – com mais de 50% do Brasil – , com população de pouco mais de 20 milhões de habitantes – 12% dos brasileiros e das brasileiras –, a Amazônia condensa os contrastes e as oposições que são o Brasil. Basta abrir qualquer jornal, ver qualquer programa de televisão, estar na internet ou, ainda, beber um chope no bar da esquina para perceber que as controvérsias sobre a Amazônia ocupam lugar de destaque. Sem dúvida, o recente impasse entre o espalhafatoso ministro Minc e o rude governador latifundiário Maggi ajudam a acentuar o lado dramático da questão. Talvez, assim, acabemos por encarar o problema seriamente.

ueiramos ou não, cabe a nós, cidadãos e cidadãs do Brasil, zelar por um imenso patrimônio natural, a última grande floresta tropical do planeta. A gestão desse patrimônio pode afetar o futuro da humanidade. Sem dúvida, o modo como nos relacionamos com o bioma amazônico nos afeta direta e imediatamente, mas também afeta o clima da humanidade. Podemos dar as costas ao mundo para enfrentar nossas históricas mazelas de subdesenvolvimento, exclusão e desigualdade social, com uso predatório de recursos naturais? Será que a questão é essa mesmo?

À proporção que cresce a consciência ambiental, nos deparamos com uma incontornável constatação: a destruição ambiental causada pela civilização industrial-produtivista-consumista está nos levando a um desastre climático de dimensões dramáticas. Como humanidade, temos uma tarefa comum para que nossos filhos, netos e seus descendentes tenham o mesmo direito à vida que nos foi dado. É nesse contexto que importa situar a questão da Amazônia. Antes de ser responsabilidade de qualquer outro povo, trata-se de tarefa para nós mesmos, brasileiros e brasileiras, que ocupamos esse magnífico e imenso território.

A destruição da Floresta Amazônica avança de forma assustadora. A destruição se mede por quilômetro quadrado, na escala dos milhares, do tamanho de países, a cada ano! Grileiros e madeireiras têm muita relação com este processo. Depois, vem o boi, a soja, a cana, o eucalipto para carvão e celulose, muitas vezes com o intuito de exportação.

Bom para as contas externas, ruim para o bem-viver. Nada em benefício dos povos da região. E a destruição não se limita à floresta e ao que ela tem de biodiversidade vegetal e animal. O subsolo amazônico é território de reserva de minerais disputados pelas grandes corporações econômico-financeiras, a começar pela Vale do Rio Doce – que nem mais se apresenta como brasileira, mas como empresa global –, de forma totalmente alheia às necessidades e desejos da população local. Vale dizer: contra ela! E chamam isto de desenvolvimento.

No rastro das mineradoras, sobram terras devolutas e de povos tradicionais invadidos e dilapidados, além de muita fumaça, como das carvoarias e indústrias de ferro-gusa. Tem também as hidrelétricas, grandes e fantásticas obras de engenharia para, no fundo, continuar o mesmo modelo de produção e consumo insustentáveis nos grandes centros urbanos. Afinal, nenhuma dessas grandes obras se justifica pelas necessidades da população amazônica nem de sua economia – que, aliás, vai continuar carente de eletricidade depois da várias usinas planejadas.

O debate no Brasil sobre todas essas questões foi enquadrado pela ideologia ainda dominante do desenvolvimentismo – vale dizer, do crescimento do PIB, selvagem ou não, como condição de realizar a tão almejada, mas ainda não realizada, inclusão de todos e todas nas benesses do desenvolvimento – e acabou enveredando numa questão política de soberania da Amazônia.

Nesse processo, os papéis ficam invertidos: os verdadeiros defensores da Amazônia são criminalizados e as propostas dos verdadeiros criminosos são adotadas, contra a soberania do Brasil. Quem defende a aplicação das leis democráticas, com mais Estado na Amazônia, para criar melhores condições de vida condizentes com o uso sustentável dos enormes recursos do bioma, é visto como contrário à soberania brasileira.

De acordo com esta visão, são agentes contra a soberania ONGs, ambientalistas, missionários(as), ativistas de direitos humanos, intelectuais e todos(as) que denunciam e se opõem à destruição ambiental e lutam em defesa dos direitos humanos.

Por outro lado, todos(as) os(as) que desrespeitam as leis e desafiam o poder democrático, montando milícias privadas, usurpando terras e destruindo a floresta, com seus asseclas de vereadores, deputados, senadores e governadores, bem como policiais, juízes e até militares, aparecem como defensores(as) da soberania.

Parece que a soberania é a mesma do senhor colonizador: de conquistar, dominar e explorar à exaustão, não importa se matando gente e destruindo o ecossistema.

O Dia do Meio Ambiente deve nos levar a pensar na soberania cidadã. Não se enganem, senhores de gado, de minério e de gente na Amazônia: a cidadania brasileira saberá fazer prevalecer a sua soberania, a do Estado democrático e republicano dos direitos, sobre todo o território e sobre todos(as) que aí vivem, para o seu bem, o nosso bem e o da humanidade inteira.

* Sociólogo, diretor do Ibase.

Publicado em 6/6/2008.

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