Fonte: 3setor@yahoogrupos.com.br

Oito milhões de eleitores cubanos elegeram, no dia 20 de janeiro, domingo, os deputados e vereadores provinciais. Foram 38 mil seções de votação. São 614 candidatos para 614 vagas da Assembléia Nacional do Poder Popular (ANPP). Uma coincidência? Não. Trata-se do “voto em bloco”, para demonstrar “unidade e coesão política do país”. Esta eleição ocorre a cada cinco anos e está sendo fortemente acompanhada pela imprensa internacional em virtude do afastamento do Presidente Fidel Castro, em 18 de maio de 2007, por problemas de saúde.

Em 45 dias, a Assembléia eleita designará os 31 membros do Conselho de Estado e o seu presidente, cargo que desde 1976 era exercido por Fidel. O clima de mudança é ressaltado por todos entrevistados da Ilha. Não só pela situação inusitada da possível vida política sem seu líder maior, mas também pela mudança de geração dos novos dirigentes do país. Estima-se oficialmente que 60% (374 do total de 614 deputados) dos novos deputados terão nascido após a revolução de 59. Apenas 17% dos candidatos viveram sobre uma Cuba não socialista.

Foram selecionados 15 mil membros das 169 assembléias municipais do Poder Popular. Não são necessariamente, segundo o jornalista Newton Carlos, membros do partido, mas nunca se soube de ser eleito alguém com discurso mais oposicionista. Esta estrutura foi montada em 1976.

Em cada circunscrição são realizadas reuniões abertas e públicas, onde qualquer vizinho propõe alguém como candidato a delegado pela circunscrição correspondente. A lei exige que cada uma tenha no mínimo dois candidatos. Para ser eleito, cada um tem que receber mais de 50% dos votos. Esses delegados integram as Assembléias Municipais, que têm a responsabilidade principal nas etapas seguintes do processo eleitoral.

A Assembléia Nacional se reúne em duas sessões ordinárias anuais e sessões extraordinárias, quando convocadas. Os deputados dedicam muitas jornadas ao trabalho legislativo em reuniões em suas áreas de representação. Cada projeto de lei que for discutido na Assembléia Nacional é debatido antes em plenárias e reuniões locais. Existem, ainda, Comissões Permanentes da Assembléia Nacional, encarregadas de fiscalizar os órgãos do Estado e do Governo, elaborar projetos de lei, discuti-los com a população, realizar audiências públicas para discutir assuntos de interesse nacional. Nenhum representante, deputado ou delegado, em nenhum nível, recebe remuneração ou qualquer tipo de benefício pelo cargo ao qual foi eleito. Como norma, não são políticos profissionais.

Para se tornar Presidente, é preciso passar por um processo formal: primeiro tem que ser proposto como deputado por uma das Assembléias Municipais e ser eleito para o cargo; depois, para ser indicado presidente tem que ser eleito pela Assembléia Nacional, também mediante voto direto e secreto.

AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS PARA O PODER POPULAR EM CUBA

<http://bp0.blogger.com/_dLA821_qTmE/R5Es_8xGNNI/AAAAAAAAAl0/32_s3UaRnkQ/s16 00-h/images%5B10%5D.jpg>

As urnas são zeladas por crianças

1) Cada pessoa do bairro ou da localidade vota no seu representante (voto distrital, portanto);

2) Os candidatos são escolhidos por seus vizinhos, o voto é secreto, livre e o escrutínio é público. Quem cuida das urnas são as crianças;

3) A lista de votantes é feita e afixada nos pontos de maior circulação. Qualquer erro ou problema é logo corrigido, sendo acompanhado de perto;

4) O voto não é obrigatório e podem votar quem têm 16 anos ou mais;

5) Feitas as inscrições de votantes, começam os comícios nos bairros e comunidades rurais. É neles que despontam os candidatos;

6) Para se eleger o candidato é preciso alcançar mais de 50% dos votos. Depois, os eleitos precisam prestar contas periodicamente aos seus eleitores e podem ter seus mandatos revogados a qualquer momento se o povo assim decidir (recall);

7) Os delegados eleitos para as Assembléias de Poder Popular não recebem nada por isso;

8) As campanhas são organizadas pelas Comissões Eleitorais (incluindo a exposição das fotos e da biografia dos candidatos).

Mas as mudanças não são apenas de perfil de deputados eleitos. Raúl Castro, irmão de Fidel, que o substituiu no cargo maior da política cubana, deu declarações importantes nos últimos dias, chegando a afirmar que haveria “excesso de proibições” em Cuba, no que tange ao processo político.

2. As mudanças possíveis

O grande interesse, de momento, sobre as eleições cubanas é o futuro político de Fidel, que pode ser definido em poucos dias. Fidel foi eleito deputado, aguardando ser confirmado no Conselho de Estado, em dia 5 de Março. A dúvida sobre seu futuro, portanto, se mantém até março.

A saúde de Fidel é uma incógnita. Em dezembro afirmou que não tinha intenção de barrar o caminho às gerações mais novas, sinalizando seu afastamento de cargos públicos. Na recente viagem de Lula à Cuba, uma declaração que pode ser apenas um ato de carinho e respeito, confundiu ainda mais a leitura do que ocorre com Fidel. Lula disse que o comandante goza de uma “saúde impecável” e que está “pronto para assumir um papel político”.

Se Fidel não for confirmado no cargo em março, especula-se que assumirá outras funções (consultivas), assessorado por um “grupo de apoyo” que inclui antigos combatentes da Sierra Maestra e “jovens” como Carlos Lage e Pérez Roque. A tendência com maior probabilidade é a manutenção de Raúl Castro na Presidência. E é justamente aí que está a sinalização de mudanças mais concretas.

Durante o processo eleitoral, mais de um milhão de propostas foram apresentadas nas assembléias locais, indicando desde problemas salariais até de direitos (como de homossexuais). O tema para garantia de direitos de minorias é algo que atinge a família Castro. Vilma Espín, esposa de Raúl Castro (que faleceu em junho do ano passado), foi fundadora da Federação de Mulheres Cubanas e defendeu os direitos de homossexuais (principalmente após a perseguição política que se iniciou na década de 60, a partir da criação das Unidades Militares de Apoio à Produção). A filha de Vilma, a socióloga Mariela Castro, parece que manterá esta tradição.

No balanço que Raúl fez do primeiro ano sem Fidel, admitiu “erros” econômicos, pediu investidores, aprovou um novo código de trabalho e a formação de uma comissão para estudar a propriedade em Cuba (a primeira vez que se faz um tipo de estudo desta natureza, o que sugeriu comparações óbvias com a China). É fato que o controle sobre a oposição (2007 terminou com 234 presos políticos em Cuba, de acordo com a Comissão Cubana para os Direitos do Homem e a Reconciliação Nacional), contudo, se mantém.

Três homens fortes de Cuba sem Fidel podem definir os rumos das possíveis mudanças.

Comecemos por Ricardo Alarcón, atual Presidente da Assembléia Nacional. Nasceu em 1937 e é doutor em filosofia e letras. Foi três vezes deputado. Foi membro da Secretaria de Cultura da Federação Universitária. Em 1955, ingressou no Movimento 26 de Julho. Em 1962 assumiu a direção da política para o continente americano do Ministério das Relações Exteriores. De 1966 a 1978 foi embaixador na ONU, vice-presidente da Assembléia Geral da ONU, Presidente do Conselho de Administração do PNUD, vice-presidente do Comitê Nações Unidas para os direitos do Povo Palestino. Em 1978 assumiu o cargo de Primeiro Vice-Ministro das Relações Exteriores, assumindo o cargo de Ministro em 1993. Neste ano, assumiu a Presidência da Assembléia Nacional do Poder Popular.

Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, expôs sua avaliação sobre a conjuntura do continente. Algumas de suas opiniões:

Na Venezuela, há uma burguesia muito mais forte em comparação com a que havia em Cuba. E continua aqui. Eles têm seus partidos, meios de comunicação e tratam de se opor à revolução internamente. Esse é um dado que tem que se levar em conta. No nosso caso, por exemplo, houve muitas nacionalizações. O Estado tomou posse de algumas empresas, que foram abandonadas por seus donos, que deixaram o país por acreditarem que aquele governo duraria muito pouco. Ou seja, não dissemos “vamos nacionalizar tudo”. Há uma grande parte das terras da reforma agrária em Cuba que eram áreas abandonadas por seus donos. Creio que aqui há uma revolução em curso que segue por um caminho diferente do nosso. E não tem por que ser igual. Deve ser diferente. Deve ser próprio e venezuelano.

A esquerda avança na América Latina: a revolução bolivariana na Venezuela, a vitória de Evo Morales na Bolívia, o fortalecimento dos movimentos sociais em diversos países. Nos Estados Unidos, a falta de apoio da população às políticas do governo de George W. Bush enfraquece o imperialismo. Esse é o momento para que os povos do Sul reúnam forças e enfrentem os Estados Unidos,

É um experiente líder da tradição castrista.

Ricardo Alarcón

Felipe Perez Roque

Carlos Lage

Em seguida, Felipe Perez Roque (Ministro de Relações Exteriores).

Foi líder estudantil. Em 1982 foi eleito Presidente Nacional da Federação de Estudantes. Em 85 foi delegado do XII Festival Mundial da Juventude, em Moscou. Em 96, foi eleito deputado pela Assembléia Nacional do Poder Popular e, até 1993, foi membro do Conselho de Estado, como membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. A partir dos anos 90 foi membro do Bureau Nacional da União de Jovens Comunistas, período em que se formou como engenheiro eletrônico. A partir de 1991, integrou a Equipe de Coordenação e Apoio da Presidência de Cuba, onde permaneceu por sete anos. Com 34 anos, em 1999, assumiu o cargo de Ministro de Relações Exteriores.

Finalmente, o terceiro homem-forte do atual governo: Carlos Lage Dávila, do Bureau Político e Secretário do Comitê Executivo do Conselho de Ministros. É quem cuida da economia de Cuba. Médico, desde final dos anos 80 faz parte da equipe de apoio de Fidel.

As recentes críticas de Raúl Castro à política econômica de Cuba atingem Carlos Lage, justamente aquele que é mais citado como um político emergente, de origem humilde. A grande imprensa européia destaca que Lage e Felipe Pérez Roque representam uma imagem de inovação. Mas os dois, da nova geração que assume agora a Assembléia Nacional, nunca foram combatentes ou guerrilheiros. Como dizem alguns, ainda que num tom declarado de deboche: “parte de la comparsa, pero ellos no llevan la rumba”.

O mundo aguarda como a mudança, cada vez mais demandada na Ilha, será conduzida. Certamente, com cautela.

[As partes desta mensagem que não continham texto foram removidas]