Texto de Luiz Bassegio e Luciane Udovic

Estamos acostumados a ler na grande mídia do país, enquetes e pesquisas de opinião pública sobre diversos assuntos, principalmente em período eleitoral. Geralmente, o universo de pessoas entrevistadas nunca ultrapassam a duas mil pessoas. Ou seja, o número de entrevistados é muito menor do que o número da população e ninguém fiscaliza os procedimentos e critérios utilizados para tais pesquisas. Porém, estas pesquisas influenciam a opinião de boa parte da população. Até porque a imprensa acaba induzindo subliminarmente as pesquisas com suas leituras quase sempre tendenciosas.

Por isso não temos dúvidas quando afirmamos que o 3º Plebiscito Popular, realizados nesta última Semana da Pátria, de 1 a 7 de setembro, foi uma grande, verdadeira e democrática pesquisa de opinião pública. Primeiro porque recolheu no total votos de 3,8 milhões de pessoas. Depois porque foi realizado em 3.157 municípios de todo o Brasil, envolvendo pelo menos 64 entidades nacionais que participaram e fiscalizaram todo o processo. Envolveu ainda 104 mil voluntários que trabalharam incansavelmente para recolher e computar os votos das mais de 25 mil urnas espalhadas em todo o território nacional. E este ano com um diferencial muito importante em relação aos outros dois plebiscitos: o movimento não contou com a estrutura de grandes sindicatos ou partidos nacionais. Foi um plebiscito feito apenas com a criatividade, ousadia e recursos dos movimentos e lideranças populares de base. Podemos, portanto reafirmar que foi um grande e legítimo mutirão popular para saber o que o povo de fato pensa sobre os grandes temas que afetam a soberania da nossa nação.

Uma conjuntura diferente

Diferentemente dos outros dois Plebiscitos, da Dívida e da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas, este plebiscito aconteceu em um momento de forte descenso do movimento de massas. Vivemos um período de fragmentação dos movimentos sociais onde muitas vezes predominam as disputas políticas e os interesses corporativistas. Por outro lado, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, não se pronunciou oficialmente sobre o tema. Até porque a direção passada esteve comprometida com apoios publicitários da Companhia Vale do Rio Doce. Porém, a recém empossada 8ª Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB não ficou omissa: não só se posicionou a favor do Plebiscito, como também fez uma nota oficial suscitando o apoio das pastorais sociais e das comunidades eclesiais de base. A igreja tradicional não se envolveu. Uma pena! Mas a igreja comprometida com a justiça mais uma vez esteve presente com toda sua garra e gratuidade. Também outro diferencial deste Plebiscito foi o papel da imprensa. A maioria atrelada à Vale do Rio Doce devido aos fartos recursos que recebem da companhia em suas campanhas publicitárias enganosas e milionárias. Esta última, “ O Brasil que Vale” em contraposição ao nosso Plebiscito Popular, rendeu muito dinheiro a grande imprensa. E quem tem rabo preso nunca pode ser imparcial. Aliás, este processo nos mostrou que muita gente é ou já foi financiado pela Vale: imprensa, políticos, ONGs etc. Daí o tema não poder ser pautado pelos que estão comprometidos com a Vale.

Os avanços desta luta

Apesar da conjuntura desfavorável, passos importantes foram dados para o fortalecimento da nossa luta:

– Reafirmamos através do Plebiscito Popular que o povo sabe, pode e quer participar das decisões importantes que são tomadas no nosso país e que afetam diretamente suas vidas. Por isso, precisamos exigir do governo referendos e plebiscitos oficiais para consultar a população nas decisões que afetam a soberania da nossa nação.

– Também reafirmamos a legitimidade desta consulta popular. Fizemos um Plebiscito difícil, mas mantendo a seriedade, a transparência e a lisura de todo o processo de votação. Mais uma vez foi realizado um grande exercício pedagógico de massas. O Plebiscito é um instrumento fundamental de interlocução com a sociedade que possui uma abrangência nacional;

– Uma conquista muito importante foi aglutinar novos atores sociais na luta. O Plebiscito envolveu novas lideranças locais e regionais, sobretudo um número significativo de jovens, o que fez ampliar os contatos com outros setores da sociedade;

– Houve uma forte reação da Companhia Vale do Rio Doce ao Plebiscito que imediatamente escalou parlamentares e colunistas da imprensa para rebater a todo o momento nossas ações de formação e informação da população sobre o escandaloso processo de leilão da companhia. Também contratou cerca de 100 advogados para acompanhar a situação jurídica dos processos que correm na justiça contra a privatização. Certamente estão tentando comprar o voto dos juízes para arquivar os processos que pedem a nulidade do leilão. Mas ficaremos de olho neles. Estas medidas indicaram que podemos e devemos sim continuar nossa luta pela nulidade do leilão.

Caindo as mascaras

Mas as lições não param por aí. Hoje, sabemos com quem podemos e devemos contar. Sabemos quem continua na defesa dos interesses populares e quem já foi seduzido pela estrutura de poder e facilidades que o modelo neoliberal proporciona a uma minoria. A aprovação do plebiscito pelo III Congresso Nacional do PT – Partido dos Trabalhadores e depois a reação negativa de algumas lideranças, personalidades, parlamentares e ministros do partido, sinalizam que as bases do partido já não estão satisfeitas com sua direção. O mesmo aconteceu na CUT -Central Única dos Trabalhadores. As lideranças estavam vacilantes e limitadas para assumir o Plebiscito Popular, mas em suas bases muitos sindicatos assumiram e tocaram o plebiscito adiante. Estas questões nos permitem avaliar que é possível construir uma alternativa de participação popular realmente democrática e direta. Que seja participativa, educativa e pedagógica. E também com quem de fato podemos contar para a construção deste novo projeto popular para o Brasil;

– Também concluímos que precisamos planejar com mais antecedência nossas ações, dando um tempo maior para o processo de formação, capacitação e preparação da consulta;

– A cultura do plebiscito já é de domínio de todos, só devemos ficar atentos para que outros setores não prejudiquem este importante instrumento de consulta popular;

– Ainda é necessário uma maior superação da visão de ação isolada, estanque. O Plebiscito deve ser parte das atividades pedagógicas, de educação das massas, de trabalho de base, vinculadas a um conjunto mais amplo de lutas que acumulem para a construção de um Projeto Popular, assim como tem sido articulado no processo da Assembléia Popular;

Próximos passos da nossa luta

O processo desencadeado pelo plebiscito não vai parar. Ele é um momento importante de mobilização desde que sirva para acumular. O momento agora é de aproveitar o tempo, para dar continuidade no processo de formação de mais gente, mais lideranças e educadores populares. Vamos voltar as comunidades, sindicatos, igrejas, pastorais e continuar estudando e acumulando forças para que a luta dos movimentos possam novamente se reascender e aí darmos um salto para as ações de luta social e disputa de projeto político.

Neste sentido, as Assembléias Populares são neste momento nosso espaço privilegiado de ação. Vamos voltar aos nossos bairros, cidades e estados para desenvolvermos nossos mais variados projetos de formação. Vamos juntos refletir sobre o processo metodológico que incorpore o trabalho que vem sendo desenvolvido; recolher os acúmulos para a construção do Projeto Popular para o Brasil – ampliando ainda mais o debate. Precisamos ainda aprofundar sobre o processo de empoderamento do povo, como umas das prioridades da Assembléia Popular. Também vamos, a partir das APs, ir fechando nossos calendários de luta e ações. Quanto a questão da Companhia Vale do Rio Doce já foram sinalizadas algumas das ações: – Organização de um Grupo de Trabalho de Advogados Populares, para atuar em Brasília, nos tribunais acompanhando as ações da Cia Vale do Rio Doce;

– Nas mobilizações especificas de cada categoria, incluir a luta pela Reestatização da Vale, eixo de luta;

– Imprimir derrotas pontuais à Vale, exigindo que o ministério do meio ambiente e o Incra recuperem como reservas nacional, os 700 mil hectares que a Vale se apropriou de terras publicas na serra dos Carajás. E que o Ibama regularize a reserva ambiental da Ilha de São Luis, para impedir que a Vale construa novaa siderúrgica.

– Realizar estudos jurídicos para verificar a possibilidade e passos para recuperar as duas ferrovias e o porto de Vitória que a Cia Vale do Rio Doce esta usando. Queremos recuperá-los para o patrimônio público.

– Também vamos nos mobilizar para uma Semana Nacional de Lutas, com mobilizações nacionais de 1 a 6 de maio 2008, por ocasião do aniversário do leilão de privatização da Vale.

Em relação a Reforma da Previdência, também estamos convidando a população para a Campanha Nenhum Direito a Menos – pela universalização dos direitos sociais! O Programa Justiça Econômica – Dívida e Direitos Sociais, incorporada por outras entidades está com um calendário de ações que prevê para 2008 um amplo processo de formação e informação popular sobre a questão da previdência e seguridade social. Queremos garantir todos os direitos básicos para todas as pessoas e também dar conhecimento popular em como acessar os direitos. Uma reforma em nossa casa só é feita para ampliar e melhorar a nossa vida. Então vamos estar empenhados na defesa de uma reforma de previdência que amplie nossos direitos.Que corrija distorções que dificultam o acesso do povo aos seus direitos básicos. Cortar direitos faz parte do receituário neoliberal. Mas isso não acontecerá se o conjunto da sociedade estiver capacitado para reforçar o bloco de defesa e ampliação dos direitos sociais no Brasil.

Texto de Luiz Bassegio e Luciane Udovic

Coordenação Continental do Grito dos Excluídos