Texto de Marcos Arruda e Gabriel Strautman, Economistas do PACS

Em reunião realizada no último dia 8 de outubro no Rio de Janeiro, os ministros da economia e finanças de Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela avançaram nas negociações para a criação do Banco do Sul. Ficou acertada a assinatura da ata de fundação da nova instituição financeira multilateral, que terá sede em Caracas, para 3 de novembro de 2007. Mas ainda não há acordo sobre o volume do aporte de cada país, nem sobre o sistema de tomadas de decisão.

O Banco do Sul será um banco de desenvolvimento e começará com um capital de US$ 7 bilhões. Ele nasce como alternativa ao Banco Mundial e ao BID, por isso a importância política da iniciativa, que reforça a perspectiva da soberania da América do Sul. O número de membros ainda está em discussão. Especula-se que além dos sete países presentes nesta reunião, outros cinco poderão vir a integrar a instituição. A criação do banco deve ser entendida como um impulso à criação de um sistema financeiro regional autônomo consciente da necessidade de priorizar de maneira absoluta a superação da pobreza, a marginalidade e o subdesenvolvimento estrutural. Neste sentido, quanto maior a adesão ao banco, melhor para a América do Sul.

Nos acordos já assinados estão incluídos três campos de negociação: (1) Banco do Sul como banco de desenvolvimento; (2) Funções de Banco Central Sul-Americano; e (3) Esquema Monetário. Mas na prática as negociações até agora focalizaram apenas o primeiro campo.

Para os movimentos sociais e redes da sociedade civil organizada da região, o Banco do Sul deve formar parte de uma estratégia regional, junto com a criação de um fundo de estabilização do Sul, uma moeda comum regional, a realização de uma auditoria das dívidas internas e externas e o não pagamento das dívidas ilegítimas exigidas dos países. Essa estratégia deve ser uma resposta que contribua para romper a dependência em relação aos mercados de capitais globalizados, incertos e altamente especulativos, de forma que possa canalizar a própria capacidade de poupança para o atendimento dos direitos e das necessidades dos povos.

Em carta aberta aos presidentes dos países que negociam a criação do Banco do Sul, intitulada “Por um Banco Do Sul de acordo com os direitos, necessidades, potencialidades e com a vocação democrática dos povos” foram apresentadas algumas propostas dos movimentos sociais e das redes da sociedade civil organizada da região para a formulação do projeto do Banco do Sul:

a) Que o Banco defina como objetivo central a promoção do desenvolvimento próprio, soberano e solidário dos países membros e de toda a região. Desenvolvimento definido como o desdobramento dos atributos, recursos e potencialidades das pessoas, das comunidades e dos povos, que não pode ser atingido sem que eles próprios sejam seus protagonistas.

b) Que componha seu capital acionário e diretoria de forma igualitária entre os países membros.

c) Que defina claramente que suas quotas de crédito serão para o fortalecimento do setor público e social, dando prioridade à redistribuição da riqueza e à proteção do meio ambiente, contribuindo para superar as assimetrias existentes e respeitando a vida e o bem-estar do povo, seus direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e pelo direito à sua própria auto-determinação e desenvolvimento. Por isso, rechaçamos explicitamente que o Banco do Sul seja utilizado para financiar mega-projetos como os da IIRSA, ou investimentos extrativos, contaminantes ou socialmente excludentes que não contam com o consentimento das e nem beneficiam as populações impactadas.

d) E que estabeleça explicitamente mecanismos e informação e de controle público abertos, definindo: que os funcionários do Banco do Sul não gozarão de imunidade, nem privilégio tributário pessoal algum, que a prestação de contas será levada ao conhecimento e consideração dos Parlamentos e da sociedade civil, e que toda informação será considerada pública. Tudo isso deve ser entendido de acordo com o destacado pela declaração ministerial de Quito, de 13 de maio passado, ao assinalar que: “Os povos deram a seus governos os mandatos para prover toda a região de novos instrumentos de integração para o desenvolvimento que devem basear-se em esquemas democráticos, transparentes, participativos e responsáveis perante seus mandantes”.

O avanço das negociações, no entanto, dá sinais de que o Banco do Sul pode se tornar um instrumento de reprodução das assimetrias de poder regionais e de dominação econômica. Em duas reuniões anteriores, em Quito e Assunção, os Ministros já haviam assinado um acordo que adotava o sistema de cada país um voto, que é certamente o mais democrático porque não vincula o poder de decisão ao tamanho da economia ou ao aporte do país ao banco. Mas no Rio o Ministro Mantega, do Brasil, e os argentinos desviaram do acordo anterior, propondo que o sistema de igualdade entre os sócios ficasse restrito ao Conselho de Direção do Banco, que só se reunirá uma vez por ano. As decisões relativas à gestão cotidiana do Banco do Sul estariam submetidas ao poder dos que tiverem maior volume de cotas no banco. Além disso, o Brasil insistiu em que só seriam beneficiários de créditos do Banco do Sul os países da América do Sul. Assim, a América Central e o Caribe ficarão excluídos.

É preciso que os movimentos sociais pressionem seus governos para evitar que o Banco do Sul repita o mesmo, promovendo o desenvolvimentismo de tipo social-liberal. Ainda que os aspectos técnicos ligados à criação do Banco do Sul sejam muito importantes, o principal problema é político: tudo indica que Brasil e Argentina estão orientando as discussões no sentido da repetição dos modelos ‘desenvolvimentistas’ em vigor (CAF-BID-BNDES), que têm como focos o crescimento a qualquer custo, a IIRSA e outros projetos faraônicos.

O único caminho para o Banco do Sul colocar-se a serviço de um desenvolvimento soberano, solidário, sustentável e democrático da América do Sul é a constante /pressão articulada /da sociedade dos nossos países; é fundamental pressionar os governos para que incluam representantes dos movimentos sociais no processo organizativo e também nos sistemas decisórios do Banco do Sul.

Texto de Marcus Arruda e Gabriel Strautman, Economistas do PACS.