Fonte: Ines Claudete Burg

O software livre, social e culturalmente, é visto e anunciado, pelos tecnicistas e defensores do livre mercado, como ‘tênis’ fora de moda, tecnologia não tida como de ponta e tantas outras coisas que não estão entre os interesses e comportamentos mais aceitos pela atual sociedade de consumo. Assim acontece com a agroecologia, com a semente crioula, com a pequena agroindústria cooperativa, com os remédios homeopáticos e fitoterapicos.

Sob o ponto de vista educacional, o fortalecimento do software livre enfrenta os mesmos desafios que qualquer outra possibilidade de mudança política, econômica, cultural e social. Somos produto de um modelo tradicional de educação autoritária, centrada na figura do pai, do professor, do padre, do doutor, dos meios de comunicação: dos que sabem e que se julgam os responsáveis de repassar seus conhecimentos para os que não sabem. Recebemos aquilo que outros determinam ser importante para nossas vidas e assim somos preparados para reproduzir sem refletir sobre nossos atos repetitivos. Não somos desafiados a entender causa e efeito, como as coisas são feitas e funcionam, os porquês de cada ação que fazemos. Somos apenas treinados a repetir ações e comandos sem nos darmos conta como e porque as nossas ações resultam nisto ou naquilo.

Na informática, o alcance dessa maneira de ver e conceber a vida é muito maior que em outros campos do conhecimento. Na informática, lidamos com maior grau de abstração da realidade. Se não aprendermos, minimamente, a sua lógica de funcionamento, o que está por trás da máquina, de cada componente, de cada comando, facilmente nos perdemos e não sabemos como lidar com ela. A forma tradicional de lidar com o conhecimento cria dependência, principal característica da sociedade de consumo capitalista. As pessoas treinadas a apenas repetir perdem a capacidade criativa e de viver com autonomia, preferem a segurança da dependência e da submissão à liberdade de poder sempre recriar a realidade.

Na informática, como em qualquer campo do conhecimento e da vida, a superação da dependência dos modelos únicos está relacionada à capacidade de reagir permanentemente diante das novas situações, de uma nova realidade. Se a estrutura de pensamento, construída nos indivíduos, está preparada para reagir positivamente diante de novas situações e realidades, será sempre possível encontrar novas soluções para as novas situações.

A possibilidade de melhor administrar as dificuldades do dia a dia está relacionada a capacidade de ver a realidade em permanente movimento, que nada está pronto, nada está acabado, sempre é possível encontrar outra resposta para um mesmo problema. O software livre assim como a agroecologia, a saúde natural, uma alimentação saudável dependem dessa nova postura, desse novo modo de encarar a vida. Os vacinados e contaminados pelo neo-liberalismo – e todos nós temos um pouco disso – migram para o software livre quando descobrem suas vantagens econômicas mas não são capazes de ver nele seu potencial fortalecedor e construtor de uma nova forma de ver e conceber a vida e o desenvolvimento. O software livre tem maior aceitação, mesmo diante das dificuldades de adaptação, junto às organizações e pessoas que já estão envolvidas em processos de luta, transformação e superação do atual modelo de desenvolvimento capitalista. O espírito de liberdade que mobiliza os amantes do Software Livre ultrapassa os limites da informática e se estende para outras áreas do conhecimento, fortalecendo a luta pela superação do conceito de propriedade intelectual e possibilitando o conhecimento compartilhado e colocado em comum na perspectiva de melhorar a vida e não apenas voltado aos interesses econômicos de corporações sedentas por lucros.

Iniciativas como cerveja, filme, jornalismo, biotecnologias, fármacos, pesquisas, inovações de código aberto começam a pipocar em todo o mundo, integrando e fortalecendo o movimento pela liberdade do conhecimento.

Isso, na verdade, representa uma poderosa força na construção de uma nova cultura que valoriza a cooperação como forma de construção do conhecimento e de busca de soluções para os problemas da atualidade.

A importância do uso do “Software” Livre está relacionada à autonomia possível e desejável, até por uma questão de segurança e soberania. O que representa, para o Brasil, o monopólio da “Microsoft”, onde mais de 90% dos usuários de informática são totalmente dependentes e reféns dela? Isso é tão ou mais preocupante que o monopólio das sementes, das biotecnologias, dos alimentos ou de qualquer outro setor.

Lutar pela democratização e liberdade do código fonte na informática tem o mesmo significado político que a luta pela democratização e liberdade das sementes na agricultura, ou das descobertas na medicina, na biotecnologia, ou em qualquer outra área do conhecimento.

O caso da ASSESOAR – Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural

A Assesoar é uma Associação de Agricultores e Agricultoras e tem sua ação organizada em quatro eixos estratégicos, denominados: “Práticas sistemáticas de estudo, reflexão, sistematização, relações e suporte estrutural”; “Práticas sociais em desenvolvimento local/municipal”; “Práticas sociais de articulação e ampliação das referências geradas localmente”; “Práticas sociais de geração de referências em educação pública do campo”.

Como em uma árvore, onde a luz, a água, o ar e o solo interagem, por um movimento dinâmico e em todas as direções, produzindo os nutrientes necessários para o desenvolvimento saudável da planta, na ASSESOAR, as ações dos quatro eixos interagem de forma a ‘gerar referências em desenvolvimento, fundamentado nos princípios da Ecologia, fortalecendo processos formativos, a partir da organização e luta em defesa de condições objetivas e subjetivas para reprodução da vida com dignidade e justiça social, tendo em vista a ampliação dessas referências na perspectiva das políticas públicas′.

Na Assesoar, a decisão política de migrar para o Software Livre, devido sua importância estratégica, vem desde 1997.

Inicialmente, a partir de testes em algumas máquinas, enfrentando dificuldades que hoje não existem mais. Em 2000, com a decisão de migrar totalmente para o Software Livre, instalamos uma rede interna com terminais interligados a um servidor.

Reaproveitamos todas as máquinas encostadas (desde 486/100 com 16 de ram). Nenhuma máquina é igual, nem na marca dos componentes, nem nas configurações; Várias distribuições linux rodam sem conflito: Red Hat (servidor), Techlinux, Conectiva, Mandrake, Kurumin, Suse, Kalango, Mandriva, Libertas, Ubuntu…

O ‘uso’ reduziu a resistência dos usuários e não houve necessidade de ‘cursos’, apenas apoio nas atividades iniciais.

Utilizamos: editores de textos, editores de imagens, desenho, planilha, apresentações, banco de dados, editor html, recursos de internet (navegação, ftp, baixar arquivos, correio eletrônico…), trabalhamos normalmente com 99% de arquivos de outros formatos e plataformas e adeus vírus.

Algumas dificuldades por conta do monopólio fechado dos softwares proprietários: aproveitamento de arquivos do Corel Draw; acesso a algumas páginas web, principalmente de órgãos públicos, produzidos com recursos exclusivos da Microsoft.

Quer ler mais?

http://www.comciencia.br/reportagens/2004/08/05.shtml

Isso é só uma das muitas citações deste texto: http://sistema.assesoar.org.br/arquivos/TAP000161.htm