Fonte: Yvon Poirier (ypoirier@videotron.ca)

A maior parte das 10.000 pessoas presentes no Fórum Social dos Estados Unidos, que teve lugar em Atlanta de 27 a 30 de Junho, consideram-se “activistas”, e fortemente conscientes dos muitos problemas sistémicos do país : a crescente desigualdade, a pobreza persistente, a degradação ambiental, um sistema político corrupto e uma guerra injusta, a luta contínua contra o racismo e o sexismo e as políticas intolerantes contra os emigrantes e os gays/lésbicas/transexuais. Sabemos que estas questões estão presentes, mas atribuímos-lhes prioridades diferentes. Nem sempre temos oportunidade de formar alianças com activistas que partilham valores semelhantes e diferentes problemas. Esquecemos por vezes que “estamos todos no mesmo barco”.

O conceito de economia solidária e a possibilidade de unir muitas destas causas progressistas, não apenas uma vez por ano em qualquer sítio, mas como elemento de um maior movimento que reconheça a necessidade em todos os países de práticas de transformação foi o objectivo. No primeiro Fórum Social dos Estados Unidos (USSF2007 – United States Social Forum 2007), o grupo de trabalho de economia solidária coordenou um dos ateliers e convocou encontros para descobrir como unir tantas causas comuns e assegurar uma verdadeira transformação económica e uma cooperação estratégica de base. A designação de economia solidária é marginal nos Estados Unidos, embora o seu conceito inspire um activismo significativo em todos os outros continentes. Mas a economia solidária é mais um quadro do que um modelo. Tem o potencial de ligar os nossos muitos interesses numa mudança estrutural e de ligar grupos de organizadores que já estão implicados em práticas de transformação. A economia solidária está ligada a valores comuns como a cooperação, a democracia, a igualdade, a justiça, a ecologia sustentável, a comunidade e o respeito pela diversidade. Finalmente, é uma economia centrada nas necessidades humanas, no desenvolvimento humano, na solidariedade, mais do que a concorrência desenfreada e o insaciável desejo do lucro.

As iniciativas “Alternativas económicas e economia social/solidária” no decurso do Fórum Social dos Estados Unidos representaram o culminar de muitos meses de trabalho e de colaboração do Grupo de trabalho da economia solidária. Este Grupo de trabalho compreende uma coligação diversificada de universitários, de economistas, de organizadores de base, de activistas em movimentos cooperativos de trabalhadores. Emily Kawano, Julie Matthaei, e Ethan Miller coordenam o grupo de trabalho : Emily dirige o Center for Popular Economics no Massachusetts, criando ateliers participativos sobre neo-liberalisno; Julie, professora de ciências económicas na Universidade de Wellesley, trabalha também com Guramylay: Growing the Green Economy; e Ethan, do Maine, está implicada no Grassroots Economic Organizing – GEO e na Data Commons Project. Dan Swinney, do Center for Community and Labor Research em Chicago trabalha para viabilizar uma « auto-estrada » (baseada em empregos de qualidade, respeitando o ambiente e a comunidade) nos negócios, no governo e no emprego. É também co-fundador da NANSE (North American Network for the Solidarity Economy). Um outro membro, Jessica Gordon Nembhard, ensina na Universidade de Maryland, está filiada no GEO, e trabalha também com Democracy Collaborative. Melissa Hoover dirige a United States Federation of Worker Cooperatives e Heather Schoonover trbalha no Institute for Agriculture and Trade Policy. Yvon Poirier do Groupe d’économie solidaire du Québec (GESQ), apresentou a experiência canadiana no grupo.

O Grupo de trabalho de Economia Solidária organizou um encontro de economia solidária para o qual convidou os militantes provenientes de um largo leque de organizações implicados na transformação da economia. Este primeiro encontro, no primeiro dia do Fórum, foi um momento de aproximação. Deu conta do estado dos laços, dos conceitos, valores, princípios e práticas da economia solidária; discutiu os desafios e as oportunidades que representa a criação de uma rede de economia solidária nos Estados Unidos. Um elemento chave deste encontro foram as apresentações por parte de líderes da América latina e do Canadá sobre os seus movimentos de economia solidária e social, já sedimentados e activos, bem como a participação de Michael Lewis (Réseau canadien de développement économique communautaire), Ethel Côté (RIPESS, Réseau international d’économie solidaire), Nancy Neamtan (Chantier de l’économie sociale du Québec) e Nedda Angulo Villareal (GRESP, Grupo Red de Economía Solidaria del Perú).

O Grupo de trabalho organizou ainda um conjunto de 28 ateliers, bem como uma lista de 53 ateliers associados, e publicou-o num programa conjunto. O conteúdo dos ateliers Economia alternativa e Economia social e solidária foi diversificado e apaixonante. Durante o primeiro dia de ateliers houve troca de ideias sobre a transformação económica nos Estados Unidos bem como apresentações sobre assuntos como a construção ecológica, o consumo ético e cooperativas de trabalho. Muitos dos ateliers eram interactivos e colocaram a economia solidária como alternativa às práticas económicas neoliberais. No segundo dia, por exemplo, o Center for Popular Economics and Grassroots Economic Organizing levou a cabo um atelier sobre como « construir uma economia solidária a partir de práticas concretas”. Este atelier reforçou a ideia que os valores da economia solidária são intuitivos, estruturais e ricos para uma compreensão mútua. Depois de uma introdução geral, fichas descritivas de diversas iniciativas foram trocadas e discutidas em pequenos grupos. Ao lado de cooperativas de trabalhadores havia a descrição de instituições sem fins lucrativos, de iniciativas de políticos progressistas, de redes de consumo ético, ou ainda de tecnologias sustentáveis – uma constelação de ideias criativas provenientes de fontes bem diversificadas de transformação social. No momento de construir um quadro de referência a partir destas práticas e de nomear valores implícitos, foi fácil aos participantes chegar intuitivamente aos conceitos – palavras como cooperação, desenvolvimento sustentável comunidade surgiam constantemente. Os organizadores – Emily Kawano e Ethan Miller – saíram do atelier conscientes de que a expressão « economia solidária » podia ser facilmente compreendida e que podia juntar os diferentes grupos. (Mais informações sobre os ateliers, incluindo vídeos e resumos estão disponíveis em www.transformationcentral.org)

No final dos ateliers de sábado, terceiro dia do Fórum Social EU, teve lugar um segundo encontro de economia solidária. Na presença de novas pessoas, estimuladas pelo primeiro encontro e pelos ateliers, resolvemos fundar a Rede de Economia Solidária dos Estados Unidos, SEN (Solidarity Economy Network). Queremos que esta rede seja alargada, ligando as instituições, as redes e as pessoas que partilham os valores da economia solidária. O SEN será um local de troca de teorias e de práticas, de apoio mútuo, para trabalhar na transformação da sociedade. O grupo de trabalho existente fica encarregado de preparar uma estrutura concreta e de preparar um encontro para o verão de 2008.

As conversações e os trabalhos de aproximação que tiveram lugar nos ateliers prosseguirão através da Rede de economia solidária U.S. A economia solidária implica a construção destes laços, recordando-nos que, através de uma rica diversidade, todos estamos ligados – como membros da sociedade, integrantes de um ecossistema e, potencialmente, como criadores de um novo paradigma de vida económica, que repousa na cooperação e na solidariedade, bem como na individualidade e na liberdade. As actividades de economia solidária no decurso do Fórum Social US foram um primeiro e significativo passo na construção destes laços – reunindo pessoas de todo o país e do mundo que estão envolvidos na transformação económica das suas comunidades – apoiando-se em líderes do movimento de economia solidária do Canadá e da América latina. A Rede de Economia solidária US pode ajudar-nos na compreensão de como diferentes abordagens de transformar a economia estão ligadas e se complementam. Isso pode-nos fornecer oportunidades de aprender uns com os outros no nosso trabalho de concretização da economia solidária. Como integrantes da RIPESS, o SEN pode-nos ajudar a concretizar o sonho de fazer da economia solidária uma realidade florescente no nosso país e no mundo.

Autores : Jenna Allard e Julie Matthaei, de Guramylay: Growing the Green Economy Julho de 2007 Francisco Botelho (Portugal) pela tradução portuguesa