Fonte: www.coepbrasil.org.br

A maior parte dos cidadãos encontrados em situação semelhante à escravidão trabalhava em áreas na fronteira agrícola do país. É o que apontam entidades que acompanham o combate ao problema no Brasil. “A expansão do empreendimento agropecuário coincide com a libertação de trabalhadores”, afirma a oficial de projetos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) Andréa Bolzon. Para ela, na fronteira agrícola aliam-se às grandes propriedades altas taxas de desemprego, favorecendo a contratação de trabalhadores em condições degradantes.

“O trabalho escravo contemporâneo é uma forma de o capital reduzir custos em seu processo de expansão e modernização, garantindo competitividade a produtores rurais”, avalia o cientista político Leonardo Sakamoto, da organização de direitos humanos Repórter Brasil. Para ele, o aumento da competição no campo, com o aumento das exportações, incentiva o trabalho escravo. “Utilizam mão-de-obra em condições degradantes, de baixo custo, e invadem terras públicas, o que gera desmatamento, principalmente, na Amazônia”.

A incidência de trabalho escravo na fronteira agrícola pode ser confirmada pelo cruzamento de dados, feito pela Agência Brasil, da “lista suja” do Ministério do Trabalho ( http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_JULHO_2007.pdf) com o mapa do desmatamento da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente e o crescimento da economia agrícola, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outro dado que comprova essa avaliação, segundo as entidades que acompanham o assunto, são as atividade econômica das empresas em que são encontrados trabalhadores em situação semelhante à escravidão. Mais de 60% das fazendas autuadas cria bovinos. Em seguida vem a produção de carvão vegetal, 12%. Duas atividades típicas da fronteira agrícola brasileira.

A função desempenhada pelos trabalhadores também indica a sua utilização em atividades de expansão agrícola, segundo as entidades. Metade deles tinha como trabalho cuidar do pasto. A segunda atividade mais desempenhada é o desmatamento – cerca de 20% dos trabalhadores libertados. São atividades que, segundo a oficial da OIT, antecedem a implementação de pastos e áreas de cultivos.

Campeão de escravidão

O Pará é o estado que mais evidencia a relação entre o desmatamento, trabalho escravo e conflitos agrários. Somente este ano, 35% dos trabalhadores resgatados no país estavam em fazendas do estado. Desde 1995, quando o Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo foi criado, até abril deste ano, 8.225 pessoas foram libertadas em 405 estabelecimentos paraenses. A maioria, empregados na pecuária ou na extração de carvão.

Um estudo da OIT, divulgado no final de 2006, mostra que o Pará, atual campeão de autuações do ministério, é a unidade da federação onde mais se desmatou áreas da Amazônia em 2002. Além disso, figura no topo da lista de assassinatos no campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A pedido da sociedade, organizada em entidades de defesa dos direitos humanos, o governo do estado do Pará prepara um Plano Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo. O coordenador do Grupo de Trabalho (GT) destinado a preparar o documento Luiz Romano antecipou as linhas gerais da medida. O plano abordará três eixos, prevenção, repressão e assistência aos trabalhadores libertados.

O destaque é para a criação de Casas de Amparo. Os estabelecimentos serão criados para receber os empregados encontrados em condições análogas à de escravos e deve contar com assistência psicológica e médica. “Os egressos são identificados em situação de extrema precariedade”, disse Romano.”Muitos distante de casa e precisando de apoio”.

Na área de prevenção, a idéia do GT é levantar as áreas no estado fornecedoras desse tipo de mão-de-obra. “O aliciamento ocorre, normalmente, nos bolsões de pobreza, onde o estado está pouco presente”, apontou. Nessas localidades serão desenvolvidas ações de qualificação profissional e geração de renda. “A nossa perspectiva é evitar que as pessoas sejam aliciadas”.

Parcerias com Delegacias Regionais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e movimentos sociais, como a Comissão Pastoral, também vão ajudar a identificar as fazendas que usam mão-de-obra em situação semelhante à de escravidão. “A questão há muito tempo incomoda e somente uma parceria do governo com a sociedade poderá ter sucesso”, acrescentou.

O Plano de Erradicação do Trabalho Escravo do Pará deverá ser lançado em setembro. A medida é preparada no âmbito da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).

Principal fornecedor de mão-de-obra escrava

O Maranhão é o maior fornecedor de mão-de-obra escrava do país. Desde o ano passado, mais 1,3 mil pessoas libertadas nestas condições saíram de cidades do estado. A maioria, resgatada em canaviais de São Paulo e nas carvoarias do Pará. O levantamento é da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e norteou a criação de um plano para combater a prática. As medidas foram lançadas no final de junho e vão priorizar dez municípios apontados como os maiores fornecedores de trabalhadores. Entre eles, Açailândia, Timbiras, Codó e São Mateus. Todos localizados no interior do Maranhão.

O Plano para Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão deve atuar em quatro áreas: prevenção, repressão, assistência às vítimas e articulação. Esta última, de acordo com o vice-presidente da Coetrae Franklin Douglas, visa divulgar o cadastro de empregadores que já utilizaram trabalhadores escravos, do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), conhecido como “lista suja”.

“Vamos difundir a lista na sede do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e também na secretaria de fazenda”, informou. A idéia é impedir que as empresas autuadas tenham acesso a licenciamento ambiental, crédito rural e incentivo fiscal.

Para Ubirajara Pindaré, coordenador da entidade de defesa dos direitos humanos, Fórum de Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae), uma medida que merece destaque dentro do plano é a criação das “certidões liberatórias”. O documento deverá ser emitido pelas Delegacias Regionais do Trabalho às empresa de ônibus que levarão passageiros com destino a fazendas de outros estados. As fichas de liberação deverão conter a origem das pessoas, a atividade para a qual foram contratadas e o endereço do local de trabalho. “A Polícia Rodoviária Federal será responsável por fiscalizar esta documentação”, explicou Pindaré.

Ajudar os trabalhadores libertados a retornarem a suas cidades de origem também está entre as metas do Maranhão. A idéia é ampliar os cursos de qualificação profissional com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Além disso, criar centros de referência com serviços de saúde, assistência social, educação e reforma agrária. “Muitos dos trabalhadores resgatados precisam ser alfabetizados”, comentou o vice-presidente da Coetrae.

Entre outras medidas estão campanhas educativas nas escolas e a apresentação de peças de teatro em lugares públicos. “Com essas ações as pessoas terão mais chances de saber o que é o trabalho escravo e como podem fazer para denunciá-lo”, afirmou Douglas acrescentando que o plano já começou a ser implementado.

Fonte: Agência Brasil (www.agenciabrasil.gov.br/), com base em matéria de Isabela Vieira.