Fonte: www.ibase.br

Por Josinaldo Aleixo

Poucos anos atrás, participei de um evento organizado por um banco estatal sobre financiamento de atividades produtivas. Na mesa estavam convidados ilustres debatendo formas de financiamento focadas, principalmente, na iniciativa privada. Aqueles senhores eram convictos de suas idéias; apóstolos do entendimento de que a “livre iniciativa” é a base da democracia e o motor do desenvolvimento econômico.

Lá pelas tantas, um dos ilustres palestrantes disparou uma pérola: era improdutivo o Estado emprestar dinheiro a pequenas iniciativas populares. Estas deveriam ser apoiadas por fundo perdido, uma vez que eram necessárias para aliviar as necessidades básicas e imediatas de sobrevivência “dos mais pobres”, mas, do ponto de vista macroeconômico, não diziam muita coisa. Quando digo que apesar deste país não estar bem já esteve bem pior não me acreditam.

Acabada a intervenção, chegou o momento das perguntas e do debate. Peguei o microfone e falei da agricultura familiar. De como ela põe comida na mesa dos “doutores” do Rio de Janeiro e de São Paulo. Enquanto o agronegócio faz a alegria macroeconômica com a exportação de soja, suco de laranja e carne, quem cuida de botar feijão e arroz na mesa da massa da população são, justamente, os(as) mais desconsiderados(as) pelas análises econômicas.

Depois de destilar minha ironia e meu ódio amoroso pelos participantes da mesa, joguei uma questão para o economista que fez aquela afirmação interessante: ”quer dizer que direcionar recursos para o fomento de iniciativas comunitárias e produtivas é caridade e os milhões de dólares financiados de ‘pai-prá-filho’ para o empresariado é subsídio ao desenvolvimento?”

Aqui não gostaria de debater a necessidade de formas de financiamento público para a economia solidária – ponto consensual na militância do movimento –, mas o fato de existirem fontes de financiamento na forma de fundos públicos operados por bancos estatais que não são acessados com tanta freqüência.

No momento em que escrevo, estou num município do sertão da Amazônia, assessorando uma cooperativa. Voltando do assentamento para a cidade, após terminar as atividades, conversávamos sobre a imaturidade/incapacidade/desconhecimento do Estado no trato com a iniciativa coletiva e, dento dela, as de economia solidária.

Sem dúvida, o governo federal avançou no diálogo – os bancos públicos são mais sensíveis aos grupos organizados e às cooperativas, o montante de recursos dos fundos públicos direcionado à iniciativa coletiva e popular (Basa, BNB, BB, CEF, FNO, Pronaf etc) aumentou sensivelmente (obviamente que na minha opinião tem que aumentar mais, mas não vamos discutir isto aqui). Porém, uma das queixas de operadores destes fundos é que, muitas vezes, são devolvidos ao Tesouro porque as organizações não os acessam.

Por que será?

Por um lado creio que, por parte da economia solidária, exista a eterna desconfiança do povo quanto a estes fundos – a falta de informação sobre sua operação, o medo dos juros, as dúvidas quanto à possibilidade de pagamento, o receio do risco inerente a um financiamento vultoso etc.

É mais fácil se manter afastado de qualquer tipo de financiamento devido à dificuldade inerente ao produzir-comercializar os produtos da economia solidária. Basta verificarmos o lento crescimento do acesso ao Pronaf – foram necessários anos para que a agricultura familiar fosse com mais sede ao pote a este programa que é bastante interessante e cujo acesso já está disseminado entre as organizações dos(as) pequenos(as) agricultores(as).

Por outro lado, creio que estes fundos deveriam considerar mais seriamente a criação de pré-condições para o êxito do acesso ao crédito. E tais pré-condições não são as cadastrais, mas as político-organizacionais. Com efeito, no caso do Pronaf, por exemplo, as regiões com maior acesso ao financiamento são aquelas onde as organizações se encontram mais estruturadas e são mais sólidas. Ou seja, a criação de capital social é condição central para que empreendimentos econômicos solidários tornem-se agentes de desenvolvimento local e solidário.

Creio que em um governo que ser quer democrático, os operadores de fundos públicos deveriam incorporar este cuidado pedagógico em relação às iniciativas econômicas de economia solidária. Não basta financiar o plantio da roça de cupuaçu ou a beneficiadora de castanha, são necessários recursos para impulsionar e/ou consolidar a organização – para a formação política, para o aprimoramento da organização, para capacitações –, sob pena do financiamento representar um tiro n’água.

Ou seja, os fundos e bancos públicos não devem consideram somente o financiável do ponto de vista produtivo e econômico, mas investir na consolidação da organização comunitária. Algumas iniciativas neste sentido já estão sendo implementadas nos ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente e merecem ser acompanhadas e avaliadas pela economia solidária. Não quero dizer que o Estado deva ser o agente da organização popular, como acontece em alguns países. Estes recursos devem ser administrados com autonomia pelas organizações que as apóiam.

Em suma, creio que é preciso investir na viabilização econômica dos empreendimentos econômicos solidários – na discussão coletiva sobre a forma como produzem, os gargalos na produção, os acordos internos necessários ao bem produzir, a comercialização coletiva como uma decisão política, a gestão democrática etc. O desenvolvimento institucional e organizacional deve ser um item a ser incorporado nos projetos de financiamento – por parte dos empreendimentos econômicos solidários. E deve ser encarado como central para o êxito da iniciativa econômica – por parte dos operadores dos fundos públicos.

Josinaldo Aleixo é sociólogo, consultor, militante da economia solidária.