Fonte: www.comciencia.br

A Unicamp sediou neste mês um fórum sobre Legislação da Propriedade Intelectual, organizado pela Agência de Inovação da universidade. Foram destaque no evento a proteção da propriedade intelectual e industrial do país e os benefícios sociais para o desenvolvimento científico e tecnológico, assim como o papel da universidade pública nesse contexto. Entretanto, alguns pesquisadores discordam da legislação brasileira de propriedade intelectual, acusando o sistema de privatizar instituições públicas e pesquisas.

Os direitos à propriedade intelectual garantem reconhecimento do trabalho de pessoas físicas ou jurídicas como a concessão de patentes, direito do uso de marcas e direitos. Uma vez reconhecidos e concedidos, os direitos podem ser comercializados ou licenciados. Por um lado, as leis protegem o desenvolvimento tecnológico e científico, pois assegura os direitos dos que investem em pesquisas, o retorno de seus investimentos e a continuidade da atividade. Por outro lado, a adoção de medidas de proteção pode representar um cerco ao avanço do conhecimento científico, já que nem todos têm acesso às inovações.

De acordo com o pesquisador Sérgio Salles Filho, do Instituto de Geociências da Unicamp, entender o sistema de proteção de pesquisas e inovações é fundamental no mundo onde o conhecimento é gerador de riquezas: “É senso comum dizer que o que é feito na instituição é público e deve ser divulgado. No entanto, dados mais recentes afirmam que, justamente por ser pública, a informação deve ser protegida para gerar benefícios mais objetivos e efetivos”, afirma Salles. De acordo com sua linha de pesquisa, as políticas de proteção devem ser coerentes com o desenvolvimento científico e tecnológico do país e aplicadas em diferentes graus de liberdade, dentro da lei.

Mas nada é tão simples. Uma das maiores polêmicas sobre o assunto gira em torno da Lei de Patentes e Proteção de Cultivares (Lei 9279, de 1996). O acordo internacional Trips, assinado em 1994, na Rodada Uruguai, estabelece o direito de patentear microorganismos e processos não-biológicos e microbiológicos para a produção de plantas. De acordo com Carlos Jorge Rossetto, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Lei de Patentes é reflexo disso e deixa patenteáveis processos biológicos não naturais e microorganismos, embora proíba patentear seres vivos. Para o economista David Hathaway, “a lei só impede o patenteamento direto de plantas e animais, mas deixa abertas portas para o exercício indireto das patentes sobre esses organismos superiores”. Dentre essas aberturas, Hathaway explica que não há limitação sobre a patente de genes de transgênicos quando estes são transferidos para dentro do genoma de uma planta ou de um animal. Isto é, a reprodução de transgênicos implica na reprodução ilegal de um gene patenteado”, afirma o economista. Um exemplo do debate jurídico possível sobre reprodução ilegal de um gene patenteado é o do agricultor canadense Percy Schmeiser versus Monsanto.

Rossetto argumenta que essa forma de funcionamento da patente retira o chamado Direito do Melhorista, ou seja, o direito de utilizar a planta patenteada em cruzamentos com outras variedades para obtenção de uma nova variedade superior. De acordo com o pesquisador, se uma pesquisa destinar-se a buscar o melhoramento de uma planta a partir de cruzamentos, e se essa pesquisa envolver uma planta que contenha um gene patenteado, o pesquisador fica dependente de pagar direitos a empresa detentora da patente. É nesse sentido que as patentes podem, para Rossetto, impedir a continuidade das pesquisas, das inovações e atrelar o desenvolvimento a grandes empresas ou corporações internacionais. “As corporações têm interesse que seus genes sejam utilizados e inseridos no maior numero de cultivares no mundo, pois isso representa fonte de faturamento”, alerta o pesquisador.

Vislumbrando esse contexto, Rossetto acusa que as leis de patentes e de proteção de cultivares induzem a privatização da pesquisa pública agropecuária do Brasil. Em sua opinião, as corporações multinacionais não vão constituir instituições de pesquisa próprias em cada região ao redor do planeta para essa tarefa. Por isso é necessário que as Instituições de Pesquisa e Universidades locais o façam em parceria com elas. É nesse contexto que as formas de parceria entre universidade e empresas são observadas por Rossetto como forma de privatização. Ele inclui em seus argumentos a análise dos meandros legais e das propostas que nos últimos anos têm concretizado essas privatização das pesquisas. Como exemplo, cita a proposta de 1997 de transformar o IAC em organização pública não-estatal. Ele sinaliza que são mudanças como essa que permitem a longo prazo a privatização da pesquisa. Inclusive porque “A Lei de Inovação privatiza resultados de pesquisas públicas de instituições científicas, incentivando-as a trabalhar para organizações privadas. Cria obstáculo legal para publicação dos resultados, o que vai contra princípios constitucionais da administração pública da impessoalidade e da publicidade”, denuncia.

Para Sérgio Salles, um dos autores da proposta de mudanças no IAC, há mitos que devem ser quebrados para que os processos de transferência de tecnologia e proteção intelectual avancem nas universidades. Um deles seria exatamente o fato de que o desenvolvimento tecnológico e sua proteção significam privatizar a universidade pública. “Exatamente por ser pública é que a instituição deve proteger o conhecimento, gerar riquezas e empregos. No exterior há regras para divulgação de pesquisas. Lá elas são protegidas. Aqui no Brasil, isso não acontece, pois abrimos todas as informações. Temos que ter regras porque o dinheiro usado para financiar a inovação é público”, afirma.