Autor: Jorge Eduardo Saavedra Durão (Diretor da FASE)
Não é tarefa simples emitir sobre o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC uma posição que expresse de forma equilibrada as necessidades e demandas dos setores populares, frente às contradições políticas do governo Lula e às ambivalências do próprio campo popular atravessado também por interesses contraditórios. O lançamento pelo governo do Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010, que, sintomaticamente, não faz referência a desenvolvimento, inaugura um novo cenário para a afirmação de uma agenda política centrada no debate sobre um novo projeto de sociedade (enfrentando a discussão conceitual com a agenda desenvolvimentista e em contraposição a ela).
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Depois de um primeiro mandato de Lula em que predominou a combinação entre a continuidade da agenda neoliberal e as preocupações sociais do governo, o PAC representa uma guinada política importante e uma aparente ruptura com a negação do papel ativo do Estado, característica da visão estratégica neoliberal. Como disseram os economistas Ricardo Carneiro (Campinas) e João Sicsú (UFRJ), a divulgação do PAC representou uma mudança significativa do ambiente econômico brasileiro, já que o PAC busca recolocar o planejamento nas mãos do poder público (“a mão visível do Estado” em lugar da “mão invisível do mercado”).
O novo contexto resultante do lançamento do PAC não pode ser interpretado numa pauta de pura negatividade. Pela primeira vez o governo sacrifica o pagamento de juros (através da anunciada redução do superávit primário) para investir mais e incentivar a economia, dando um passo no sentido do rompimento com a postura passiva do Estado. Além de granjear o apoio de muitos economistas e empresários, fica patente que o governo Lula colocou o jogo político noutras bases e conseguiu pautar a oposição. Os movimentos sociais e muitos outros segmentos – provavelmente majoritários – da sociedade brasileira tendem a se identificar com essa proposta como sendo a abertura de uma grande oportunidade para a mudança para melhor das condições de vida do povo brasileiro.
Mas além dessas considerações de natureza política, é preciso reconhecer que o PAC se propõe a responder a necessidades reais e sempre postergadas da população brasileira. Não se trata apenas de repetir que o Brasil não pode conviver com um novo “apagão”. É preciso levar em conta que o PAC contempla projetos de infra-estrutura em três eixos, um dos quais é o eixo de infra-estrutura social e urbana, com investimentos em luz para todos, saneamento, habitação, metrôs e recursos hídricos. O Fórum Nacional da Reforma Urbana já reagiu ao lançamento do novo Plano, destacando o fato de que “houve um aumento real dos recursos do orçamento geral da União para habitação, embora só uma parte desses investimentos seja constituída de recursos não onerosos, especialmente adequados para atender as famílias de baixa renda (até três salários mínimos), onde está concentrado o déficit habitacional do país, o que exige a ampliação dos recursos e subsídios destinados aos segmentos sociais mais pobres”. O FNRU reconheceu a importância dos investimentos previstos na área de saneamento ambiental, que, na sua opinião, “representam um avanço em relação à retomada dos investimentos, iniciada em 2003, o que permite criar as condições para a sustentabilidade das ações visando à universalização do acesso aos serviços de saneamento ambiental”. Criteriosamente, o FNRU aponta um conjunto de desafios cujo enfrentamento é imprescindível para o êxito do PAC, na perspectiva da reforma urbana.
Nessa nova conjuntura, tudo indica, assim, que se fortalecerá a visão desenvolvimentista que prioriza investimento em infra-estrutura, muitas vezes sem maiores preocupações com impactos ambientais e sociais. Tal visão se choca com as propostas de desenvolvimento sustentável, que propõem crescimento com redistribuição de renda e proteção ao meio ambiente. Um novo surto de desenvolvimentismo em detrimento do meio ambiente e das populações da Amazônia parece ser a perspectiva que se abre com o PAC para a região. Embora a retomada do papel ativo do Estado em relação à economia pudesse vir a representar uma oportunidade para a retomada do crescimento baseado na ampliação do mercado interno e com o aumento da integração social, o PAC contempla alguns projetos extremamente polêmicos – como é o caso do projeto da hidrelétrica de Belo Monte e do complexo do rio Madeira – que alguns ideólogos radicais do desenvolvimentismo defendem com argumentos pretensamente nacionalistas, como o da “retomada da batalha de ocupação da Amazônia” (uma espécie de ressurgimento do espírito bandeirante, em que o povo da Amazônia seria tratado como os novos “bugres da terra”). Precisamos estar vigilantes frente a projetos megalomaníacos de desenvolvimento que propõem o desmatamento de milhões de hectares da floresta amazônica para fins de expansão da fronteira agrícola. A sociedade precisa estar atenta para que o PAC não se transforme na negação de um projeto que assegure ao conjunto da população regional seu lugar num desenvolvimento regional autêntico, assentado sobre as especificidades da região e o uso sustentável dos seus recursos.