Fonte: www.diariodonordeste.globo.com

Hoje o Diário do Nordeste encerra a série de reportagens sobre os bancos comunitários, mostrando como a idéia tem se disseminado pelo Estado. Atualmente já são sete bancos, cada um com sua moeda, sua linha de crédito e especificidades, mas todos com uma dinâmica semelhante ao Banco Serrano, de Palmácia, que recebeu destaque nesta edição pelo pioneirismo em absorver o pagamento do funcionalismo público municipal a partir do próximo mês. Em Palmácia, o comércio está cada vez mais aberto a aceitar a moeda social, a palmeira, resultado da credibilidade e organização do banco. Com o iniciativa da Prefeitura de Palmácia, a economia local receberá um incremento considerável, tendo em vista os 395 funcionários que receberão seus salários através do banco comunitário, quer seja em real ou na moeda social. Esta e outras instituições semelhantes, em todo o Brasil, têm recebido orientação dos consultores comunitários do Banco Palmas, de Fortaleza, experiência considerada referência mundial.

O Banco Serrano, sediado no município de Palmácia, está prestes a entrar para a história dos bancos comunitários no País, como o primeiro a realizar o pagamento do funcionalismo público de uma cidade. A iniciativa partiu do prefeito, Desidério de Oliveira, mas a pressão veio da própria população.

Dentre as principais reclamações, segundo ele, a qualidade do atendimento e as altas taxas de manutenção das contas cobradas pelo banco responsável pelo pagamento, o Bradesco, que atendia através de uma agência dos Correios. Procurada pela reportagem, a instituição preferiu não se pronunciar sobre o caso.

A autorização para celebração do convênio entre a Prefeitura e o Banco Serrano foi dada pela Câmara Municipal de Palmácia no último dia 8 de janeiro, através da publicação da Lei 217/2007. De acordo com Desidério, o contrato com o Bradesco já foi encerrado.

Contando com os funcionários terceirizados, a folha de pagamento de pessoal em Palmácia fica em torno dos R$ 300 mil. Atualmente, a Prefeitura tem 432 funcionários, 395 dos quais utilizam o banco para receber os salários. Os demais servidores são pagos na tesouraria da Prefeitura.

A previsão é de que o primeiro pagamento pelo Serrano ocorra já no início do próximo mês. O processo encontra-se na fase de abertura das contas-salário. O banco comunitário já paga benefícios de aposentados e recebe contas, graças a uma parceria com o Banco Popular do Brasil, firmada há cerca de oito meses.

A idéia é oferecer a opção de receber parte do ordenado em moeda social, para fazer com que o dinheiro circule no município e movimente a economia local. ´É uma forma de fazer com que o dinheiro fique na cidade´, afirma Desidério. ´Mas a opção será do funcionário´.

O prefeito ainda não sabe precisar o quanto a mudança representará em termos de economia para os cofres públicos, mas acredita que a redução de custos será ´grande´. ´As taxas que a Prefeitura vai pagar ao Serrano são bem menores do que as que pagamos ao Bradesco hoje. Além do mais, serão revertidas em benefício da própria população, já que o banco é da comunidade´, avalia Desidério. ´Isso vai aumentar a receita que o banco disponibiliza para os empréstimos. Acho que só há vantagens na mudança´.

Para garantir a qualidade no atendimento do Serrano ao funcionalismo e a segurança dos usuários, a Prefeitura acaba de realizar um concurso público, que dentre outras funções, abriu vagas para a Guarda Municipal. Para o prefeito, os investimentos valerão a pena, já que muitos moradores são obrigados se deslocar até municípios vizinhos para ter acesso a serviços bancários.

Ficha técnica

* MUNICÍPIO: Palmácia * POPULAÇÃO: 9.859 de habitantes, de acordo com o Censo 2000/ IBGE. * ÁREA TERRITORIAL: 118 km² representando 0.0792 % do Estado, 0.0076 % da Região e 0.0014 % de todo o território brasileiro. * FUNDAÇÃO: 1957 * MICRORREGIÃO: Norte * DISTÂNCIA DA CAPITAL: 76 Km

Fonte: Confederação Nacional de Municípios

OPORTUNIDADE – Artesãos não tinham acesso a crédito produtivo

A idéia de abrir o Banco Serrano, em dezembro de 2005, nasceu da necessidade de se formar grupos produtivos organizados de artesãos, em Palmácia. A coordenadora do Banco, Nazaré Castro, conta que a maioria precisava ampliar os negócios, mas não tinha acesso a linhas de crédito nos bancos oficiais. ´Eram iniciativas pequenas, de confecção de peças em crochê´, lembra ela.

Unidos, os artesãos perceberam que eram mais fortes. O empréstimo inicial conseguido junto ao Banco Popular para os primeiros financiamentos foi de R$ 2.000,00. Os juros eram de 2% ao mês, em média, e o pagamento facilitado. Hoje, o capital do banco já é de R$ 30 mil e a instituição conta com cerca de 50 clientes.

Crédito de consumo

A sede do Serrano fica no Centro de Referência de Assistência Social do Município e sua moeda social é a palmeira. A mais recente iniciativa do banco é o crédito de consumo, no valor inicial de 40 palmeiras, o qual pode ser utilizado em estabelecimentos comerciais da cidade.

O valor é pago, sem juros, num prazo de 60 dias. A cada débito quitado em dia, o valor dos empréstimos seguintes aumenta progressivamente. O índice de inadimplência até o momento tem sido zero.

Um mapa dos hábitos de consumo na cidade acaba de ser concluído por consultores comunitários do Banco Palmas. Em breve, novos serviços passarão a ser ofertados, de acordo com a demanda da população e os anseios dos grupos produtivos.

De acordo com Nazaré, o objetivo é fazer com que as palmeiras voltem a circular na cidade. Elas precisaram ser recolhidas no início do ano e reimpressas num papel diferenciado e com maior quantidade de dispositivos de segurança, como o selo holográfico. ´O modelo anterior era muito fácil de ser falsificado e gerava uma certa desconfiança nas pessoas´, revela.

Descontos

A quantidade de estabelecimentos que aceita a moeda social ainda é reduzida, mas, aos poucos, os comerciantes aderem à proposta. Um deles é Lúcia de Oliveira, dona de uma loja de cosméticos, roupas e calçados.

Ela, que já está no terceiro empréstimo junto ao Banco Serrano, dá desconto de 5% nas compras feitas com palmeiras. ´Eu acredito muito nessa idéia. Sem o banco, não teria conseguido ampliar meu negócio´, ressalta. ´Aceitar as palmeiras é uma maneira de contribuir. Todos saem ganhando com a geração de riquezas no município´.

Tanta certeza no sucesso do projeto ainda não tem Fátima Macambira, proprietária de uma sorveteria. Apesar de aceitar as palmeiras, ela acredita que falta divulgação da proposta e há desconhecimento sobre a segurança. ´A idéia é até boa, mas o povo anda meio desconfiado de tudo´, diz.

OPINIÃO DO ESPECIALISTA – JEOVÁ TORRES (jeovatorres@uol.com.br)

Os bancos comunitários representam um conceito e uma forma de operação novos no âmbito das finanças solidárias. O projeto do Banco Palmas surgiu em 1998 e tem criado e aprimorado uma série de ferramentas para gerar e ampliar a renda no Conjunto Palmeira.

Com este modelo, a instituição vem obtendo o reconhecimento de organizações governamentais, não-governamentais e multilaterais, que têm conseguido ampliar as oportunidades de geração de renda e reduzir a exclusão local com uma metodologia completamente original, coerente, exeqüível e replicável.

Diante disso, o Banco Palmas tem buscado reproduzir esta metodologia em parceria com diversas instituições no Brasil. Isso ocorreu, principalmente, a partir de 2003, com a fundação do Instituto Banco Palmas de Desenvolvimento e Socioeconomia Solidária, cuja função é difundir as metodologias e tecnologias sociais desenvolvidas pelo Banco Palmas. Em 2005, os bancos comunitários começaram a se consolidar e vários parceiros procuraram a entidade. Mais recentemente têm avançado as relações com o governo venezuelano.

A implementação de um banco comunitário em uma localidade necessita, entretanto, de alguns fatores serem atendidos: existência de capital financeiro para o fundo de crédito, recurso para pagamento das despesas operacionais do banco, uma organização comunitária que possa assumir a gestão do banco, pessoas capacitadas para as funções de agente de crédito e gerente de crédito e assessoramento de pelo menos seis meses do Instituto Banco Palmas para assimilação da tecnologia pela comunidade e solidificação dos conhecimentos transmitidos. Assim, vêm sendo buscados parceiros que possam financiar parte destas necessidades.

Desde 2005, o Instituto articula um projeto com a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, que passou a assumir os custos operacionais e de capacitação de agentes e gerentes de crédito possibilitando que novas parcerias fossem viabilizadas.

Além disso, em julho daquele ano, o Instituto firmou um convênio com o Banco Popular do Brasil para garantir o fundo de crédito do Banco Palmas e de outros bancos comunitários para que estes pudessem conceder microcréditos através de uma nova linha de crédito. Aqui, se alcançou a solução para a falta de fundos que alimentem as linhas de crédito do banco comunitário e o mais importante: o recurso concedido pelo Banco Popular ao Banco Palmas representa a utilização de dinheiro público para viabilizar projetos econômicos locais.

No momento em que contratos como este passem a ser executados com os demais bancos comunitários, será um enorme passo na consolidação da metodologia destas instituições como política pública.

* Professor da UFC/Campus Cariri

ENQUETE – Expectavivas sobre nova forma de pagamento

* Vai ser melhor. Esses bancos grandes têm muita burocracia. O sistema vive fora do ar. Ainda por cima, perco de 15 a 20 reais todo mês pagando taxa. É um dinheiro que faz falta para quem ganha pouco. – Socorro Rodrigues, Recepcionista * Vai ser vantajoso para todo mundo. Eu era uma das que mais pressionava o prefeito para mudar de banco. Os juros são bem mais baixos para empréstimos pessoais. – Maria das Graças Vieira de Souza, Jardineira * Acho ótimo que mude mesmo. Nesse banco, a gente vai pagar bem menos taxas. E o que a gente paga volta de novo. Como o banco é da comunidade, qualquer dinheiro que entre beneficia o povo. – Francisco dos Santos Ferreira, Auxiliar de serviços gerais