Autor: Marcos Arruda (PACS e RBSES)

Rio de Janeiro, 14.3.2007

Estamos vivendo mais uma explosão de demanda. A visita do Bush encobre interesses corporativos das transnacionais do agronegócio, que se casam com os interesses do agronegócio brasileiro. Já aconteceu a explosão de demanda de laranjas, de soja, agora é a vez da cana-de-açúcar e das oleaginosas que compõem o campo da biomassa. A biomassa é uma das fontes do que se tem chamado “energia limpa”. Mas há muitos riscos envolvidos numa conversão acelerada do consumo de combustíveis fósseis para o da biomassa.

O risco da demanda da moda

Alguns desses riscos são:

* A energia da biomassa pode ser limpa, mas sua produção pode sujar seriamente os ecossistemas: monocultura em grandes extensões; conversão de áreas que produzem alimentos para consumo interno e mesmo familiar, em produtoras de biomassa para exportação; deterioração dos solos; desmatamento; excesso de uso da água na produção de cana para combustível em prejuízo do consumo humano; e outros.

* Há os que acenam para o discurso oficial: que a produção de cana não reduzirá a produção de alimentos, nem será danosa às florestas ou ao meio ambiente. Mas há que lembrar os mesmos discursos feitos sobre a soja. E vejam o que tem acontecido.

* Além de ser um súbito atrativo mercantil para o agronegócio, a explosão da demanda de biomassa brasileira – que já começara com a China e a UE, às quais se soma agora o acordo com os EUA – é também um atrativo para a agricultura familiar. A pressão, neste caso, é em favor de suprir uma demanda que pode aumentar a renda das famílias rurais e, a médio prazo, melhorar suas condições de vida. Mas os riscos envolvidos também são muitos, ainda mais se houver subsídios públicos incorporados a esta nova demanda. Um risco é que as famílias se lancem à produção da moda, a cana e as oleaginosas, sacrificando a produção para o autoconsumo e para o mercado interno de alimentos. Isto tende a completar o processo de monetarização da agricultura familiar, que poderá ser levada a depender no futuro de alimentos comprados em mercados e supermercados, enquanto produz biomassa para combustível. Dependência de produtos de grandes empresas significaria redução da sua soberania e segurança alimentar! Outro risco é que, frente à necessidade de produção de biomassa em grande escala, as famílias rurais sejam obrigadas a converter suas terras em produtoras de biomassa para combustível em regiões inteiras, criando uma situação real de monocultura, e isto pode ser economicamente desastroso para elas a médio prazo, além de ser ambientalmente insustentável nessa escala de tempo.

* Acrescento outro risco, indubitável quer se trate do governo Bush, quer do governo Lula: a intenção com o “mergulho” nas energias renováveis, a começar pela biomassa, é não precisar mudar o estilo de consumo característico do sistema do capital mundial. Quer dizer, mudar para continuar como antes; manter o paradigma do transporte privado, do sobreconsumo energético, do produtivismo e do consumismo que resultam do paradigma do crescimento ilimitado.

A Socioeconomia Solidária e o Biodiesel

Diante disso tudo, além do olhar crítico que expus acima, eu gostaria convidar vocês a um olhar também propositivo. Seria um momento muito favorável para o movimento por uma Economia baseada na cooperação, na solidariedade e na sustentabilidade, inclusive a agricultura familiar, o MST, a CCAMA e toda outra agrupação de trabalhadores rurais, apresentar-se como um ator produtivo potencial. Mas seguindo uma outra lógica. Vocês acham que isto é possível?

* Empreendimentos cooperativos, capazes de produzir biomassa sem exploração do trabalho, exigindo condições dignas para trabalhar, compartilhando os ganhos e os riscos;

* Buscando assessorias técnicas e ecológicas competentes para desenvolver as formas mais sustentáveis e menos agressivas de produção;

* Economizando energia e água;

* Evitando agrotóxicos e aplicando defensivos naturais e orgânicos;

* Mantendo uma produção diversificada que não ponha em risco o auto-sustento; reutilizando e reciclando tudo que é possível de modo a reduzir os dejetos a zero;

* Buscando associar-se para compartilhar conhecimentos, equipamentos e ferramentas, crédito, etc., assim como para aumentar sua produtividade e sua capacidade de negociação;

* Usando o avanço técnico e o aumento da renda para viabilizar projetos de desenvolvimento familiar e comunitário integral, em que a dimensão econômica cumpre papel importante, mas apenas como meio para o fim maior que é o desenvolvimento social e humano. Certamente as organizações e associações de trabalhadores rurais teriam o papel principal nesta iniciativa. Mas elas necessitarão o apoio de pesquisadores, cientistas, técnicos, universitários, organizações de assessoria.

* O Pacs não tem competência no campo agrícola e agrário, mas sim nos campos da autogestão, da viabilidade socioeconômica e do desenvolvimento integral autogestionário, solidário e sustentável; e se coloca à disposição para participar deste esforço, caso lhes pareça oportuno.