Fonte: Agência Carta Maior, por Verena Glass

Ministro do Desenvolvimento Agrário diz que o retorno do investimento no setor também é mais rápido do que em qualquer outro. Diante do fortalecimento do agronegócio, Cassel crê que chegará a hora em que o país terá que escolher o melhor modelo.

Secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) desde 2003, o engenheiro civil Guilherme Cassel assumiu a pasta em junho do ano passado com a saída do então titular, Miguel Rossetto. Ministério considerado cativo do PT, no início deste ano o MDA não foi propriamente disputado internamente, apesar da apresentação de vários candidatos à sua direção, e entre os nomes sugeridos Cassel acabou sendo confirmado no posto por Lula em março deste ano.

Sob forte pressão dos movimentos sociais, que consideram o ritmo da reforma agrária lento, sem um novo programa para os próximos anos nos moldes do Plano Nacional de Reforma Agrária, que estipulou a meta de 400 famílias assentadas no primeiro mandato de Lula, e diante do peso político e econômico adquirido pelo agronegócio, Cassel enfrenta o desafio de dar andamento aos projetos de fortalecimento da agricultura familiar e de reforma agrária com respostas claras às demandas sociais do campo. Leia a seguir os principais trechos da conversa com Carta Maior.

Carta Maior – O governo, através do MDA, comemorou no início do ano o que considerou um ótimo desempenho no cumprimento das metas da reforma agrária do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Para os próximos anos, sem um novo projeto do tipo, quais as perspectivas para o setor?

Guilherme Cassel – A gente está trabalhando com alguns eixos gerais. O primeiro é que é necessário mantermos o ritmo de assentamentos, adotado especialmente nos últimos dois anos. Ou seja, interessa ao país continuar assentando mais de 100 mil famílias por ano.

CM – Esta seria uma meta?

Guilherme Cassel – Não, isso não é uma meta. Acho que a gente fechou um ciclo nestes primeiros quatro anos, e as referências do PRNA precisam ser atualizadas. Nós assentamos 381 mil famílias em quatro anos, e isso foi um enfrentamento grande da demanda. É evidente que tarefas que são colocadas agora são de outra natureza. Eu acho fundamental preservar o ritmo da reforma agrária, o ritmo de assentamentos. Podem ser 100, 130 mil famílias por ano. Mas para além disso, temos que recuperar a capacidade produtiva dos assentamentos. Essa deve ser uma das nossas principais preocupações. Queremos que a sociedade brasileira perceba que assentamento de reforma agrária não é um espaço de pobreza e conflito. É um espaço de geração de renda e produção de alimentos de qualidade.

CM – No final do ano passado, aconteceu no Chile um seminário sobre reforma agrária que reuniu vários países da América do Sul. Posteriormente, o representante da FAO para América Latina e Caribe, José Graziano da Silva (ex-coordenador do Fome Zero), reafirmou uma posição na qual avalia que a reforma agrária no Brasil é cara e que poderia ser tratada mais como um instrumento de inclusão social no Norte e Nordeste, pois teria deixado de ser uma questão nacional. Esta foi a conclusão do seminário?

Guilherme Cassel – O seminário do Chile, do qual participaram representantes do Brasil, Venezuela, Bolívia e Paraguai, não autoriza este tipo de conclusão. Ao contrário, reforçou a necessidade e a contemporaneidade do processo de reforma agrária na América Latina como decisivos para o desenvolvimento sustentado e equilibrado. Sobre a posição de Graziano, eu discordo frontalmente. Eu não acho que a reforma agrária saiu de pauta. Especialmente agora que o Brasil não discute mais controle da inflação e dívida externa, mas sim o desenvolvimento. Temos que discutir qual o desenvolvimento que queremos para o meio rural. Eu defendo que a gente tenha menos latifúndio, menos monocultura, mais geração de trabalho e mais diversificação. E a reforma agrária é um instrumento por excelência disto.

CM – Mas a reforma agrária é cara? Do ponto de vista do desenvolvimento econômico do país, qual a relação custo-benefício?

Guilherme Cassel – Pelo levantamento que fizemos em todas as regiões do país, o custo da reforma agrária não é alto. O investimento em reforma agrária gera mais empregos do que qualquer outra atividade no país. É hoje o investimento que mais gera trabalho e renda, é barato neste sentido. Tem um retorno muito rápido, mais rápido do que qualquer outro setor. Mesmo nos períodos em que o custo aumenta em função do encarecimento das terras, a reforma agrária é um investimento barato para o governo, e deve ser feita em todas as regiões do país.

CM – Mas existem análises que apontam escassez de terras para reforma agrária em certos estados, principalmente no Sul e Sudeste. O governo pretende investir em reforma agrária na mesma intensidade em todas as regiões e estados do país?

Guilherme Cassel – Existem diferenças regionais sim, mas o problema são os índices de produtividade. É fácil dizer que não tem terras para a reforma agrária no Sul quando não se atualizam os índices de produtividade por 30 anos. A atualização dos índices deve abrir o leque de oferta de terras. Mas a realidade é que a demanda por terra no Sul é menor do que no Nordeste e no Norte porque lá temos uma história de reforma agrária, maior número de assentamentos. Nossa prioridade é assentar famílias acampadas, e existem mais acampamentos no Centro Sul, Norte e Nordeste, do que no Sul.

CM – Sobre os índices, o governo assumiu o compromisso de atualiza-los em 2005 e não o fez, principalmente em função das pressões dos setores ruralistas. Como fica isso?

Guilherme Cassel – Tudo o que estava ao meu alcance foi feito. O MDA fez todos os estudos, junto com o Ministério da Agricultura, com a Casa Civil, com a Presidência da República. O trabalho está pronto. Depende agora de uma decisão do presidente da república. Semana passada estive com Lula quando a Contag entregou a pauta do Grito da Terra, e o compromisso do presidente foi que até o dia 28 de maio este assunto estaria resolvido. Torço para que isto aconteça.

CM – Recentemente, no lançamento da Frente Parlamentar da Terra, o senhor afirmou que o país teria que escolher entre o modelo agroindustrial e a agricultura familiar. Acha que o primeiro pode engolir o segundo, que os dois se contrapõe politicamente?

Guilherme Cassel – O que o país tem vivenciado, com algumas exceções, como a expansão da fronteira agrícola sobre a Amazônia, o desmatamento, é que estes dois modelos conviveram. O que eu disse é que, mais cedo ou mais tarde, nós, a sociedade brasileira, vamos ter que escolher qual o modelo de desenvolvimento que queremos para o meio rural brasileiro. Nas décadas de 1970, 80, 90, vivemos um modelo que concentrou terra, tecnologia, crédito e política agrícola de um modo geral, expulsando milhares de famílias, que foram aumentar os cinturões de miséria nas grandes cidades. Acho que o país não quer mais isso. O modelo que eu defendo é de um campo que não tenha só máquina, mas homens e mulheres trabalhando, que não tenha monocultura, mas diversificação, que não gere trabalho escravo e desmatamento. Isto para mim é um campo onde a hegemonia é da agricultura familiar. Este é o modelo que eu defendo, que o ministro do Desenvolvimento Agrário defende.

CM – E o modelo que o governo defende?

Guilherme Cassel – O governo tem estimulado os dois modelos existentes, o agronegócio e a agricultura familiar, a reforma agrária. Porque até hoje os dois modelos têm convivido. Mas num determinado momento teremos que fazer escolhas.

CM – Esse momento então não é agora…

Guilherme Cassel – Acho que não é agora, mas pode ser amanhã. Eu só quero deixar claro que tenho lado nisso. O desafio de quem luta pela reforma agrária no país, seja o movimento social, o governo, os partidos, é a gente disputar na sociedade brasileira a visão de que assentamento não significa pobreza, mas geração de emprego e renda e produção qualificada de alimentos. Isto é central para o próximo período.

CM – Nos últimos tempos, o tema reforma agrária não tem constado dos discursos do governo, ou pelo menos não na intensidade das referências ao agronegócio e à agroenergia. Isso traz algum prejuízo para imagem da reforma agrária perante a sociedade?

Guilherme Cassel – Para mim, o importante são os fatos. Nunca se assentou tanta gente como nestes quatro anos e se investiu tanto na reforma agrária. Isto para mim é realidade. O resto são opiniões.