Fonte: Rose Gomes (rgomes@fase.org.br)

Histórico do Processo do SBCJS

No Brasil novas estruturas organizativas surgiram nos últimos anos entre elas a Plataforma de organizações FACES do BRASIL (2001) e o FBES (2003) que foram ampliando que entre milhares de outras tarefas resignificou os termos comércio justo e comércio solidário, agregando a eles novos conteúdos e sentidos, ou simplesmente assegurando que saiam do papel as insígnias de alguns princípios básicos dessa modalidade de comércio alternativo conhecida internacionalmente como Fair Trade.

Acesse o documento com a proposta da IN do Sistema de Comércio Justo e Solidário em http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=479&Itemid=18

Em diálogo com o movimento de economia solidária e a agricultura familiar deste no ano de 2004, foi em março de 2006 que o FACES, em conjunto com o FBES, convocou um seminário nacional sobre esse tema e que contou com participação de vários grupos e empreendimentos econômicos e organismos da sociedade civil, além de representantes do estado (Senaes e MDA) que se Em primeiro lugar não se tratava de construir numa versão abrasileirada da mesma lógica norte-sul do comércio justo ou comércio solidário (onde a produção está num continente e o consumo em outro), antes, pensar um processo nacional partindo dos princípios e critérios gerais da cooperação econômica e reconhecer mercados solidários nacionais e regionais apoiados em mercados comunitários, redes sócio-produtivas e organizando os consumidores responsáveis.

Por tratar-se de um modelo que pretende favorecer não tão somente alguns grupos, associações ou cooperativas isolados, mas o conjunto de seus territórios produtivos, suas comunidades em processos de desenvolvimento local acreditávamos e acreditamos que é necessário uma atuação conjunta na formação de um ambiente nacional favorável construção de uma nova economia e as alianças entre essas organizações eram um passo para demonstrar quais seriam os principais elementos para conformação das demandas do nosso mercado nacional, mas também incidir sobre as duras realidades dos 5 biomas e regiões transformando essas realidades. A primeira constatação foi que para tamanha ousadia somente seria possível através da base social do movimento da economia solidária, em franca expansão nos últimos anos na América Latina, que organiza seus protagonistas em redes sócio-produtivas, favorece o comércio inter-comunitário, a economia familiar e o desenvolvimento local, através das experimentações agroecológicas, de cadeias curtas de comercialização e consumo promovendo a maior aproximação esses dois elos protagonistas , promovendo relações transparentes e éticas (produtores responsáveis e consumidores conscientes – e vice e versa)

Isoladas essas experiências econômicas poderiam no máximo criar nichos de mercados de qualidade para poucos produtos, porém como movimento nacional de economia solidária organizadas sob a carta de princípios do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES esperamos construir estratégias de desenvolvimento nacional integrando territórios, aumentando as escalas, criando condições para o empoderamento e eqüidade de vários segmentos econômicos excluídos pelo modelo tradicional de livre mercado, entre eles as mulheres e segmentos étnicos. Acreditamos que através de um sistema público, que por ser público reforçará a defesa dos direitos e a construção de mecanismos de controle social. Esse sistema necessitará de dispositivos técnicos que articulem o mercado como lugar de construção de processos e valores. Lugar de trocas, lugar de ética e lugar de solidariedade. A normativa pública do sistema brasileiro de comércio justo e solidário (SBCJS) está em andamento e poderá ser esse marco regulatório , donde o Estado Brasileiro assume seu papel de co-produtor de políticas públicas afirmativas para os empreendimentos associativos e cooperativados.

Os (as) beneficiários (as) desse sistema de Comércio Justo e Solidário serão os EES (empreendimentos de economia solidária) que estão mapeados pelo Sistema Nacional de Informações de Economia Solidária-SNIES) e que demonstrarem condições e interesse em aderir ao novo sistema de comércio justo e solidário. Esses empreedimentos deverão responder ao conjunto de valores e princípios de forma demonstrativa, o que será um passaporte para acessarem um conjunto de políticas de fomento integradas (oriundas de vários ministérios e coordenadas pela SENAES-MTE), o que poderá garantir de forma gradual uma transição para modelos cada vez mais sustentáveis e participativos.

O Brasil poderá se tornar um pioneiro pela co-produção de uma política pública que leva em consideração elementos do ambiente público e do privado na construção e incentivo de formação de novos mercados de consumo nacional para os produtos e serviços de qualidade garantindo o respeito aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais e fortalecendo canais de participação democráticas dos atores protagonistas dessa nova economia – a economia solidária. Acreditamos que, posto em prática, esse sistema de CJS poderá, a médio e longo prazo, influenciar também no planejamento do modelo de produção redirecionando a produção local e nacional, garantindo a biodiversidade , para além da geração de renda, uma estratégia de segurança e soberania alimentar.

Por que um Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário?

Para que esta proposta se materialize no dia a dia de nossas organizações, precisamos de um conjunto integrado de conceitos, regras e procedimentos, organizados de forma inteligente e com validade em todo o território nacional, que reconheçam, valorizem e fomentem estas novas práticas, estes novos mercados que estamos por construir e fortalecer. A responsabilidade pelo desenvolvimento do Comércio Justo e Solidário exige uma ação sistemática que está além das capacidades das iniciativas pontuais, das estratégias localizadas e das competências de atores isolados. Precisamos de ações integradas, construídas e desenvolvidas pelos vários atores da cadeia produtiva, em um ciclo de garantias mútuas reconhecidas e valorizadas pelo Poder Público através da regulamentação deste Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário – SBCJS. Esta proposta parte da premissa de que nos faltam instrumentos jurídicos que reconheçam e promovam as novas práticas que queremos construir, entendendo estas como caminhos possíveis de concretização do papel do Estado como agente promotor da Justiça Social, da redistribuição de renda e da Sustentabilidade Socioambiental.

Quais os benefícios de um Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário? Enumeramos alguns benefícios diretos para os EES – Empreendimentos Econômicos e Solidários que vierem a integrar de forma voluntária ao Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário. Seriam a garantia de acesso a políticas públicas especificas para os interantes desse novo sistema:

2- Benefícios fiscais (insumos, produtos);

3- Benefícios licitatórios ;

4- Agregação de valor ao produto e melhoria da qualidade;

5- Melhoria renda e qualidade de vida;

6- Melhoria das relações de trabalho;

7- Melhoria da gestão do empreendimento;

9- Prática do Preço justo (custo da produção; custo social; custo ambiental; equilíbrio-poder nas negociações na cadeia; processo participativo ao longo da cadeia);

10- Melhoria das condições de pagamento e garantia de relações de continuidade;

13- Organização em cadeias produtivas e redes de produção, comercialização e consumo;

14- Transparência na formação dos preços em todos os elos do processo de produção, beneficiamento , distribuição e venda;

15- Consumo responsável;

16- Benefícios ambientais e na paisagem.

Há ainda que se considerar os vários benefícios indiretos a serem percebidos pelos demais atores das redes de comercialização a se envolverem nesta proposta, tais como os pequenos comerciantes e os consumidores individuais e em grupos.

Quais são os componentes do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário? O Sistema Nacional e a sua regulamentação pública devem conter definições sobre os seguintes elementos para poder concretizar suas intenções: a) um conjunto de normas (que garanta uma identidade nacional ao conceito que queremos construir na prática); b) um sistema de monitoramento (que permita identificar e comunicar quais produtos, processos e serviços estão respeitando as normas deste conceito); c) sistema de controle (que garanta a relação de confiança e, o aprimoramento deste sistema a partir dos novos desafios), e, d) marca (que aproxime produtores e consumidores em torno de toda esta proposta).

Até o momento, o GT já referenciado traçou alguns caminhos para a definição do conteúdo de cada um desses componentes, a partir de construções anteriores relacionadas especificamente ao tema comércio justo e solidário, tanto em escala nacional como internacional, e, também, a processos de movimentos convergentes como o dos orgânicos, com toda a sua experiência anterior no estabelecimento de relações de produção e comercialização diferenciadas em torno de um sistema de garantia regulamentado por uma normativa publica.

Escrevemos abaixo tais definições, reforçando a afirmação de que as mesmas são parciais, estando, portanto, em pleno processo de construção e consolidação.

a) Normas: para preencher tal requisito, será considerado como ponto de partida o acúmulo de Princípios e Critérios sistematizado pelo Faces do Brasil a partir de um processo participativo de construção, debate e pesquisa ação, animado com o intuito de se buscar a identidade brasileira deste conceito. Será considerado ainda o acúmulo internacional do Sistema FLO – FairTrade Labelling Organisation, que representa o órgão internacional de reconhecimento de conformidade dos produtos comercializados em escala internacional de Comércio Justo;

b) Sistema de Monitoramento: para preencher tal requisito, será considerado como ponto de partida os acúmulos de princípios, critérios e práticas construídos pelo GT CPR do GAO1 a partir de um processo participativo de construção, debate e pesquisa ação, animado com o intuito de se buscar aceitar todos os mecanismos de avaliação da conformidade, e não só a certificação. Uma normativa pública deve conter todas as possibilidades de sistemas de monitoramento, deixando para a prática e a aplicação do Código do Consumidor regular a melhor opção em função das características do produto, do processo e serviço, da proposta que pretende se monitorar ou garantir, das relações comerciais, e do nível de participação de produtores, compradores e consumidores. Assim, deliberou-se por quatro procedimentos:

-Declaração de conformidade do fornecedor (produtor);

-Declaração de conformidade do comprador;

-Declaração de conformidade por um organismo de 3ª Parte (certificação) – só permitida se realizada em grupo;

-Sistemas Participativos de Garantia.

Vale esclarecer que os três primeiros itens se reconhecem no conceito consagrado de “Avaliação de Conformidade”, como “um processo sistematizado, com regras pré-estabelecidas, devidamente acompanhada e avaliada, de forma a propiciar adequado grau de confiança de que um produto, processo ou serviço, ou ainda um profissional, atende a requisitos pré-estabelecidos por normas ou regulamentos” (INMETRO, 2004).

No Brasil, o INMETRO tem regulamentos para o uso da Declaração do Fornecedor e para a certificação de produtos. Já os Sistemas Participativos de Garantia – SPG, apesar de se assumir como um processo inovador e ainda em construção, surge a partir de um posicionamento, desde a década de 90, dos movimentos de agroecologia e, mais recentemente, do comércio justo na América Latina e Caribe, liderados pelo Brasil, contra a imposição da certificação de produtos orgânicos e do comércio justo como a única forma de garantir a conformidade dos produtos e processos, e, a conseqüente situação de dependência ou de impossibilidade de inclusão dos pequenos empreendimentos nestas práticas.

Suas características fundamentais podem ser assim resumidas: a) normas concebidas pelos atores; b) organização de base; c) é apropriada a pequena agricultura; d) princípios e valores que melhoram o meio de vida e o bem estar das famílias e promovem a agricultura orgânica; e) sistemas de gerenciamento e procedimentos documentados; f) mecanismos para verificar o cumprimento das normas pelos produtores; g) mecanismos para apoiar os produtores; h) contrato firmado pelos produtores; i) selos ou rótulos; j) sanções para os produtores que não cumprem com os compromissos (KALLANDER, 2005).

c) Sistema de Controle: foi definido que o controle e gestão do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário deve se dar a partir de um colegiado misto, composto paritariamente por organizações públicas e privadas. O controle representa um conjunto de procedimentos que verifica o atendimento às normas e procedimentos estabelecidos no corpo do Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário, e, delibera pela inclusão, exclusão ou manutenção dos EES – Empreendimentos Econômicos Solidários neste Sistema.

d) Marca: decidiu-se pela criação de uma marca nacional do Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário, que reconheça e identifique os vários produtos e processos inseridos no Sistema, como forma de garantir um canal fácil e uniforme de identificação desta proposta.

Enfim, algumas definições já foram acordadas e outras não estão acabadas, que podem e devem ser aprimoradas a partir das sugestões, propostas e críticas de todos os atores interessados. As Conferências Estaduais de Economia Solidária e a própria Conferência Nacional que se aproxima representam um campo democrático e muito oportuno para operacionalizar este processo.

Tentaremos resgatar uma discussão, que ainda não está concluída, sobre o papel do Estado no SBCJS – sigla usada para denominar o Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário, apontando para um modelo possível de intervenção democrática na promoção de um comércio alternativo no Brasil e na sua operacionalização. Apresentamos algumas considerações sobre a proposta de IN – Instrução Normativa formulada no âmbito de um Grupo de Trabalho – GT interministerial , e que servirá como parâmetro para a construção de uma proposta base que está sendo validada por uma série de organizações sociais e secretarias de 3 ministérios (Ministérios do Trabalho e Emprego ; Ministério do Desenvolvimento Agrário e Ministério do Meio Ambiente) a proposta será encaminhada através da SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária que é parte do Ministério do Trabalho e Emprego. Paralelamente a construção de uma IN- Normativa Pública de Comércio Justo e Solidário está sendo realizada várias articulações entre a proposta desse Sistema e outras ações e políticas dessa Secretaria, assim como das demais Secretarias de Ministérios para integrar recursos e potenciar ações de fomento aos beneficiários desse novo sistema.

É neste espírito, o de tornar o Estado permeável aos anseios e as aspirações populares através da construção de políticas públicas ancoradas no diálogo social e na participação da sociedade civil, que vimos realizando o processo de construção do Sistema de Comércio Justo e Solidário por meio da instalação do grupo de trabalho (GT–SBCJS). Nesse sentido o tema do papel do Estado no SBCJS se apresentou de forma decisiva a partir dos resultados dos dois seminários preparatórios ocorridos no período da I Feira Nacional de Economia Solidária, 2006 em São Paulo. O Objetivo desses seminários era a construção de um documento-proposta sobre o Sistema Brasileiro de Comércio Justo e Solidário, a ser apresentado ao Governo Federal, como desdobramento da primeira Audiência Pública realizada sobre Comércio Justo no Brasil.

Ao mesmo tempo considerando todo um acumulado histórico de construção, principalmente a partir das experiências internacionais que vem ao longo de mais de quatro décadas se desenvolvendo sem a presença direta do Estado.

É nesse contexto que nos deparamos com a indagação sobre a presença do Estado no Comércio Justo, explicitando no Grupo de Trabalho uma pergunta central: afinal, qual a extensão da presença do estado e conseqüentemente o seu papel num sistema público de regulação de relações comerciais?

Frente a esta indagação, procuramos, de forma direta, apresentar as várias compreensões que haviam a respeito do referido tema e suas conseqüências para os seus principais atores , aqueles a quem costumamos chamar de protagonistas do Comércio Justo: produtores rurais e urbanos e consumidores.

Naquela época vale salientar que a identificação de três situações possíveis, três modelos previamente estabelecidos sobre a presença ou intervenção do Estado no Sistema de Comércio Justo e Solidário. Embora fossem lançadas como tipos ideais, essas situações também poderiam convergir, tornando-se assim uma nova situação ou modelo.

As três possibilidades que foram levantadas e suas caracterizações e /ou atribuições:

Situação 01: Governo reconhecendo um Regulador Externo ao Sistema Público de CJS

O Estado delineia e caracteriza o que seria o SBCJS por meio de normativos – por exemplo uma IN (instrução normativa), reconhecendo esse sistema, suas implicações e conseqüências;

ou, o Estado delineia as normas reconhecendo sua importância, estabelece que o controle é feito pelo setor privado / sociedade civil , podendo garantir ou não alguns benefícios aos participantes

Situação 02: Governo fomentador e Regulador do Sistema

O Estado diz o que é o Sistema, quem dele participa ou não e, periodicamente, monitora e avalia (verificação por amostra), garantindo um conjunto de benefícios ou não. Sendo o controle do sistema somente estatal  Governo  Controle: verificar e excluir

Situação 03: Governo como Fomentador, Regulador e Controlador Participativo do Sistema.

O governo reconhece Política pública: fomento + normalização Regulador Instrução Normativa (Conceito,objeto,beneficiários, critérios/princípios, sistema monitoramento, sistema de controle), garantindo um conjunto de benefícios e opta por uma norma, com algum nível de participação no controle do sistema Governo Controle: verificar e excluir.

A presença do Estado contida nos vários aspectos no normativo

Será no contexto da IN, no capitulo relacionado ao tema do controle do sistema que se verifica a questão focal do debate sobre o limite do papel do estado. Reside na duvida de quem de fato exercerá o controle do sistema e como se constituirá a autoridade máxima ou a estância decisória do mesmo.

Seguindo a dúvida qual será o perfil dessa autoridade ou instância? (participativo ou não). Quais seus mecanismos de controle e sua manutenção ?

Sobre o acúmulo do GT- SBCJ com relação ao tema do papel do Estado

1.O estado ao reconhecer a importância do SBCJS para os seguimentos envolvidos, no sentido do fortalecimento dos agentes excluídos e/ou marginalizados do acesso aos fluxos comerciais existente, e principalmente reconhecendo que seus resultados e impactos poderão vir beneficiar a sociedade brasileira.

2.Sobre o tipo ideal de controle e participação do estado o grupo de trabalho considera que o controle sobre o Sistema deverá ser misto, isto é, que quem vai verificar, direta ou indiretamente, os Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) e os outros agentes e aprová-los do Sistema será um órgão colegiado composto pelo Estado e Sociedade Civil.

3.Seguindo a seguinte lógica: fomento + regulamento (consenso mínimo) + controle (privado + estado). Superando desse modo a premissa de que o estado não o reconhece e que portanto não regula/controla.

4.Contudo não se pode deixar em segundo plano a necessidade sobre a questão de se avançar nas condições objetivas para que a sociedade possa fazer o seu controle social , por meio dos principais seguimentos envolvidos que são os produtores e os consumidores organizados para que os mesmos possam ter uma presença destacada no controle do sistema.