Fonte: Ademar Bertucci (ademar@caritasbrasileira.org)
A emergência de comunidades pobres e excluídas que começam a se organizar visando efetivar iniciativas produtivas variadas que gerem algumas experiências de economia solidária.
“Discípulos e discípulas de Jesus, por uma América includente e solidária”
1- Nós delegados e delegadas de todos os países da América Latina, Caribe e Estados Unidos, nos reunimos no Haiti de 19 a 24 de março para realizar, neste querido país, o XVI Congresso Latino Americano e Caribenho da Cáritas além do III Encontro Continental da Pastoral Social Cáritas. Nos acompanharam alguns representantes da Cáritas Internacional e de várias outras Cáritas irmãs, que atuam na Europa. Nossa presença junto a esse povo valente, de rica história e possuidor de uma cultura impressionante, foi no intuito de ser um signo de solidariedade respeitosa e fraterna em relação aos esforços deste povo por construir, com a participação de todos os setores, um futuro de esperança.
2- Em sintonia e comunhão com a próxima conferencia geral do Episcopado Latino Americano e Caribenho, nosso congresso teve como tema: “Discípulos e discípulas de Jesus, por uma América includente e solidária”. Essa é a nossa atitude a qual caracterizou nossa presença junto à igreja local, que nos acolheu com uma caridade fraterna e comovedora. Fomos ao Haiti e nos deixamos ser ensinados pela realidade do país, com suas luzes e sombras; angustias e esperanças. Contemplamos o rosto sofredor do Senhor nos inúmeros rostos de meninos e meninas; jovens, adultos e idosos, vendo também nestes rostos, sinais da presença do Senhor ressuscitado.
3- Como organismos católicos empenhados em levar adiante o compromisso social da Igreja, tivemos a graça de conhecer e escutar essa Igreja irmã, representada por bispos, sacerdotes, diáconos, religiosos e laicos que participaram do Congresso. Damos graças a Deus pelo caminho que sua Cáritas e Pastoral Social tem trilhado, bem como pelas orientações pastorais que guiam seu serviço generoso principalmente em relação às comunidades mais carentes. Queremos expressar aqui, nosso profundo respeito, admiração e solidariedade.
4- Acreditamos que o conceito de Estado, não condiz com a idéia de Estado fracassado que se quer relacionar a esta nação. Esta é uma maneira de manter a dependência e apresentar uma solução que vem de fora, que instrumentaliza o povo tirando sua capacidade de ser sujeito de sua própria historia. Destruindo através das ajudas humanitárias subsidiadas, a capacidade produtiva de uma população quase que exclusivamente agrícola. Propiciando uma libertação financeira que destrói a capacidade de arrecadação do Estado.
5- Durante estes dias fecundos de Encontro e Congresso, buscamos principalmente, reafirmar nossa identidade de discípulos e discípulas de Jesus que somos chamados para a construção de uma “América includente e solidária” de forma participativa e ativa no processo de transformação da sofredora realidade de nossos povos. A alegria que compartilhamos por viver no “continente da esperança”, não nos impede de constatar com imensa tristeza as inúmeras situações de dor e morte que nos pedem, como cristãos e cristãs, a renovação diária de nosso compromisso e co-responsabilidade com a vida dos mais pobres e excluídos.
6- Por isso, nossa espiritualidade longe de nos afastar da realidade em que vivemos, nos proporciona um enraizar constante e profundo nesta realidade. À luz do Evangelho e do Ensino Social da Igreja, de acordo com a pedagogia de Jesus, nossa obra pessoal tem que priorizar o fortalecimento da construção de sociedades mais justas, fraternas e solidárias que são signos do Reino de Deus. O olhar crente e esperançado do tema que temos por viver, nos renova neste compromisso. E ao reconhecer que Deus age na historia, e nós agimos com Ele, encontramos fortaleza e sabedoria para rejeitar as tentações que apareçam. Tentações que se instalam no individualismo ou indiferença, na mentira ou na busca do próprio interesse, pretendendo fazer crer que não é possível um mundo melhor para todos.
7- Descobrirmos também que, devemos seguir crescendo para que em todas as nossas ações assumamos cada vez mais esse estilo comum e evangélico de acompanhar os processos de crescimento das pessoas e das comunidades. E isso supõe evitar todo e qualquer tipo de paternalismo e assistencialismo; estes que no lugar de uma liberdade real, geram dependência. No trabalho, com os pobres devemos procurar afirmar-lhes a dignidade e a partir dela reconhecer que têm o direito a ser sujeitos, protagonistas e artifícios de seu crescimento e desenvolvimento. Trazendo à luz a latente capacidade de organização, encontrando um modo criativo de se expressar e fazer com que se ouçam suas vozes.
8- Além disso, queremos que nossos atos incidam na vida de nossos povos, propiciando a elaboração de leis e políticas públicas que defendam o direito de todos a uma vida digna.
9- Atualmente, nos sentimos compelidos a renovar nossas práticas e os rumos de nossas ações com a Pastoral Social Cáritas, principalmente pelo desafio de alguns sinais do nosso tempo são:
a)A pluralidade dos povos da América, que nos convida ao permanente diálogo e a viver uma inter–relação enriquecedora, mantendo ao mesmo tempo nossas identidades;
b)A crescente emergência da mulher na sociedade, que questiona e enfrenta o patriarcado e o machismo que impera, promovendo caminhos de eqüidade e reciprocidade entre homens e mulheres.
c)O surgimento de novos atores e movimentos sociais organizados que querem participar e incidir no campo político.
d)A crescente aquisição de consciência da necessidade de preservar o meio ambiente, a terra e o uso da água, no sentido de evitar a o uso irresponsável destes recursos.
e)A enorme pobreza agravada pelo modelo neoliberal e as situações de violência que induzem à migração forçada a inúmeros irmãos e irmãs, na busca de melhores horizontes de vida.
f)A emergência de comunidades pobres e excluídas que começam a se organizar visando efetivar iniciativas produtivas variadas que gerem algumas experiências de economia solidária.
10-Temos orado para que o Espírito do Senhor guie os trabalhos da próxima Conferencia Geral do Episcopado Latino Americano e Caribenho na cidade de Aparecida no Brasil. De nossa parte, oferecemos nossa contribuição como Pastoral Social Cáritas, apontando as situações que necessitam hoje, de solidariedade e justiça social e assumindo nossa própria responsabilidade.
11- O Haiti deixou em nós uma marca profunda, a qual não se pode apagar. Porque observamos de perto outras realidades e a rica e valiosa vida e cultura deste povo irmão. Levamos a recordação na nossa mente e no nosso coração, dos mais variados sinais de vida e de esperança, que caracterizam a alma de um povo que deseja construir um futuro melhor.
Por isso, ao concluir nosso trabalho, como um modo concreto e imediato de viver nossa solidariedade, queremos nos comprometer a:
a)Acompanhar o povo do Haiti em seus esforços para sair desta enorme situação de crise e conseguir construir uma ordem social eqüitativa, baseada no respeito aos direitos políticos, econômicos, sociais e culturais de todos. b)Reafirmar a importância do processo de reconquista da plena soberania do país, através do apoio à estabilidade institucional e de amplos processos de participação.
c) Construir junto com a Igreja do Haiti, pontes de solidariedade que nos permitam viver a prática do amor e do compromisso com nossos irmãos e irmãs mais sofredores. Possibilitando também que nossos povos conheçam a historia e a cultura do povo haitiano.
12-Decidimos, finalmente, os eixos temáticos e seus correspondentes desafios e prioridades que orientarão nossa ação como discípulos e discípulas de Jesus nos próximos quatro anos. Ditos eixos são: Justiça, Paz e Reconciliação; Migrantes e sobre pessoas; Meio Ambiente e emergências; Desenvolvimento humano integral e solidário; Fortalecimento Institucional.
Com Santa Maria de Guadalupe, a perfeita discípula e missioneira, nos colocamos novamente no caminho, para que nossos povos tenham vida e abundancia.
Laborde, Haiti, 23 de março de 2007.