Fonte: http://www2.uol.com.br/pagina20/01032007/opiniao1.htm, por Evandro Luzia Teixeira*

Nos últimos quatro anos, o Brasil acrescentou na sua agenda de desenvolvimento uma nova proposta de política com a intenção de fortalecer o “empoderamento” local: o acréscimo consta de experiências vividas por Organizações Não-Governamentais e Governamentais, arroladas no termo Economia Solidária. A estratégia, sem dúvida, não está voltada para atender demandas de comunidades pobres, sob o chavão da inclusão social. Seu objetivo passa pela variante do desenvolvimento local/territorial, voltado para o crescimento sócio econômico e releitura crítica da cultura de desenvolvimento instalada no País.

Encontramos como referência para traduzir este pensamento à expressão desenvolvimento sustentável e solidário, que se propõe romper com a lógica de produção e reprodução de riquezas relacionadas tão somente ao universo econômico/financeiro, mas que pactua a integração entre a economia, o social e o ambiental, tecendo uma nova ordem de organização em que o ser humano, enquanto sujeito social, ocupa o centro das ações. Isto contribui na formação do “corpo” da Economia Solidária.

A construção dessa concepção não tem sido tarefa fácil, nem no Brasil como nenhum outro lugar do mundo; estamos aqui, desde o inicio da década de noventa, criando musculatura política para que esta nova abordagem sobre o desenvolvimento seja capaz de alterar pensamentos tradicionais e ou burguês de economia, e que reconheça a solidariedade econômica e social.

Quando falamos em solidariedade, não incluímos a idéia de filantropia ou assistencialismo, queremos realçá-la no princípio da reciprocidade onde “uma” contribui com o ”outro” sem criar a relação de dependência mecânica em que o “frágil” é assistido pelo “forte”, numa permanente relação unilateral de poder.

Visto estas questões percebemos o quão é complexo mudar conceitos milenares de solidariedade e somá-los aos conceitos de desenvolvimento com o intuito de construir novas relações e organização de poder por parte dos trabalhadores. Sem duvida, essas dificuldades estão presentes no Brasil e nos outros países que fizeram a opção para implantar a política de Economia Solidária.

Em recente contato com os representantes desta Economia de organismos internacionais, contamos a alta freqüência de obstáculos. Alguns como França e Itália já avançaram no conceito e na prática, contribuindo com bons resultados políticos, culturais e econômicos; outros como o Canadá, estão em fase intermediária da construção e assumiram a dianteira nos aspectos culturais, mas ainda com o pouco avanço no político. O Brasil, de maneira inversa, acelerou neste último devido a ousadia do Governo do Lula e das Prefeituras Populares, como a de Rio Branco-AC, porém não conseguimos ainda desfazer a cultura de que trabalhador não pode dominar o capital.

O preconceito ainda é forte. Há pensamentos de que o desenvolvimento acontece através de empreendimentos que se constituem como empregadores, ou aqueles que, minimamente, se destacam no meio econômico como possibilitadores de emprego e renda. Estes pensamentos subsidiam a difusão da descrença de que pequenos grupos são incapazes de “cooperar” com a economia local, através do trabalho, geração de renda e promoção da dignidade social.

A estrutura política do Estado brasileiro também incentiva esta descrença, basta analisarmos o processo de legalização de empreendimentos – leis de compra públicas – que perceberemos que ainda falta incentivo. Contudo, estamos marchando com “força militante” para fortalecer a proposta, da mesma forma que países da África e da América Latina procuram se afirmar como executores dessas políticas.

Nenhuma das informações e interpretações aqui citadas, podem ser consideradas algozes da esperança, pois elas não foram capazes de demover aqueles que acreditam na possibilidade do trabalhador, em regime coletivo de autogestão, dominar o trabalho e o capital para que estabeleçam a partir daí, uma relação de pertencimento e não um sistema de exploração.

Afirmamos que é possível e que há militantes desta causa, quando conhecemos experiências positivas da França, onde o desenvolvimento local se deu também pela Economia Solidária, assim como o Canadá (Québec) que tem 4% de seu PIB proveniente de Organizações Solidárias articuladas em grupos de médio e pequeno porte, compostos por 60% de mulheres, dispersos em atividades laborais de serviços e produção (confecções, artesanatos, agricultura e outros) integrados e “umbilicados” com o meio ambiente, de forma ética e responsável. Os trabalhadores deste estado estabeleceram o comércio justo como forma de rearticulação permanente das relações humanas e do valor do trabalho, sob a ótica de quem produz e não de quem explora.

Neste mesmo aspecto, devemos reconhecer resultados como os do Brasil que mapeou 14.954 empreendimentos solidários que movimentam cerca de R$ 6 bilhões ao ano. Rio Branco se inclui nesses dados com cerca de 150 grupos mapeados até o momento, sendo responsável por promover ocupações produtivas a quase 1.600 pessoas, gerando renda e conseqüentemente desenvolvimento local. É bom que reflitamos: caso não apoiemos o fortalecimento e a continuidade desses empreendimentos, teremos condições de articular a instalação de empresas capitalistas para absorção desta mão de obra? A resposta a esta indagação será nossa referência para construção de política de desenvolvimento local através da Economia Solidária.

É preciso que tenhamos vontade e coragem política para assumir esta nova Economia, que, em função do preconceito, é considerada por alguns como a “economia dos pobres”, contrariando a experiência positiva de micro crédito com a população de baixa renda desenvolvida pelo bangladês Yunes, que reconheceu os pobres como atores do desenvolvimento local. O Brasil possui características semelhantes às de Québec, inclusive com o mesmo percentual de mulheres atuando nas organizações de economia solidária. Este fato é importante para percebermos que não estamos na “contra-mão”. Na mesma busca se encontram o México, o Peru, a Nigéria, o Quênia e a Etiópia, que têm trilhado percursos parecidos.

A discussão em torno do tema aponta para uma aproximação entre paises que têm atuado com o mesmo propósito. Em 2007 receberemos a visita do Fórum de Economia Social e Solidária do Canadá (CHANTIER). Para evolução desta política necessitamos da postura militante que acredita que outra economia é possível, por isso é bom que lembremos a expressão: “trabalhadores de todo mundo uni-vos” que nasceu da perspectiva de união dos trabalhadores.

O capital traduziu bem o propósito do chamado e se fortaleceu com as orientações históricas das lutas sociais, mas somemos a elas o exemplo que nos trouxe o capitalismo: globalizemos a união dos trabalhadores em economia solidária, numa ação democrática de valorização do homem e da mulher, do seu território e do meio ambiente para a formação do comércio justo, e para que tenhamos concretamente o desenvolvimento com inclusão social.

* Professor-Educador popular, Educador em Economia Solidária e Coordenador Municipal de Trabalho e Economia Solidária da Prefeitura de Rio Branco