Fonte: www.ciranda.net, por Carlos Henrique Árabe, Gleber Naime, Martvs Chagas e Sonia Leite

É muito significativo que diversas organizações de resistência de diversos países da África tenham se encontrado, pela primeira vez, no Fórum

O VII FSM foi encerrado na tarde do dia 25 de janeiro com um ato político e cultural no parque Uhuru, centro de Nairobi. Assim como na abertura, a presença dos quenianos e das delegações africanas deram o tom colorido e a “batida” dos sons que marcaram todo o encontro. Além dos organizadores internacionais e do Quênia, falaram representantes da Palestina, Zâmbia e Brasil (Fernanda Lopes e a nossa companheira Sonia Leite).

A primeira comemoração foi a própria realização do fórum. Não deixa de ser uma façanha reunir cerca de 40 mil participantes de dezenas de países nas condições atuais africanas e realizar o que continua sendo o maior e mais importante encontro de organizações e militantes que lutam para superar o neoliberalismo e sua ordem internacional.

Uma nova face africana começou a ser desenhada nesse VII FSM, essa é a segunda vitória importante. É um desenho inicial, tracejado, de um perfil ainda por ser descoberto. É muito significativo que diversas organizações de resistência de diversos países da África tenham se encontrado, pela primeira vez, no Fórum.

A terceira mudança importante é que o VII FSM busca abrir um novo ciclo de organização dos movimentos sociais em escala internacional. Apesar de não ter sido anunciado oficialmente o próximo Fórum deverá ser realizado daqui a dois anos, implicando em jornadas de lutas e fóruns regionais no período intermediário e, sobretudo, adaptando o grande encontro às capacidades (inclusive financeira) dos movimentos sociais.

Há que se ressaltar ainda a presença brasileira e da América Latina no processo atual de integração de movimentos e lutas para que um “novo mundo seja possível” (ainda que seja muito difícil, mas isso é quase óbvio: as opções “fáceis” são aquelas oferecidas pelo próprio capitalismo). Nossa região, pelos seus avanços políticos na luta contra o domínio imperial dos EUA, pode contribuir muito para o processo que se abre a partir desse fórum.

Algumas das dificuldades do Fórum na África

Para as delegações latino-americanas as dificuldades começaram com o custo da travessia do Atlântico e a reduzida oferta de hospedagem em Nairobi (em geral hotéis de turismo, muito caros). Isso levou a delegações menores e certamente pesou na decisão de realizar o próximo fórum daqui a dois anos, o que é mais compatível com a capacidade de financiamento dos próprios movimentos sociais.

O maior desafio, no entanto, estava dentro da África mesmo. Ao norte do Quênia desenvolvem-se conflitos armados (Somália, Etiópia), o que dificultou o deslocamento de delegações por via terrestre do norte da África. Acresce a isso um fenômeno que conhecemos bem na América Latina e que já começa a ser alterado pelas políticas de integração regional. É que no mais das vezes é mais fácil ir da África para a Europa do que um país africano para outro. Mas isso é apenas a ponta do iceberg da dramática realidade social e política do grande continente: altas taxas de desemprego, epidemias (como a alta incidência da aids), altos índices de criminalidade, corrupção das elites que controlam governos, fragmentação política e derrotas de projetos nacionais e de unidade regional para sair da devastação deixada pelo colonialismo (apenas para lembrar: o Quênia livrou-se o jugo colonial inglês apenas em 1963). Há que se acrescentar ainda que a África foi palco de duas grandes políticas internacionais propulsadas pelo Banco Mundial, FMI e outras instituições que zelam pela ordem internacional. A primeira inaugurada na própria Nairobi, no inicio dos anos 60, com o discurso de MacNamara (então presidente do Banco Mundial) de políticas liberais e de “assistência financeira” que tentaram transplantar o modelo de desenvolvimento capitalista anglo-saxão (no estilo da Aliança para o progresso, para a América Latina). Ela foi substituída, vinte anos depois, pelas reformas neoliberais impulsionadas também pelo Banco Mundial, com a Sra. Anne Krueger como economista-chefe. Seguiu-se uma onda de privatizações selvagens e de empobrecimento generalizado.

De outro lado…

O VII FSM introduziu a África como um grande tema de reflexão e ação na agenda dos movimentos sociais. Nesse sentido, aquelas redes mais internacionalizadas – Via Campesina (MST entre outros), Mulheres (Marcha Mundial das Mulheres entre outros), Movimento Negro, Juventude, Meio-Ambiente, movimentos ati-guerra, contra o livre-comercio e a dívida, por novas instituições internacionais, entre outros – puderam entrar em contato com organizações de resistência de diversos países africanos. Importante assinalar que no âmbito do movimento sindical, que tem a nossa CUT como um dos principais impulsionadores, já vem se desenvolvendo há mais tempo iniciativas na região, com destaque para a África do Sul. Essas iniciativas, de modo geral, podem oferecer aos movimentos sociais africanos um quadro de referencia e participação mais estruturado e com mais acúmulo político. Claro que isso implicará em novas e difíceis tarefas no sentido de consolidar essa conquista ainda incipiente mas muito significativa.

No aspecto propriamente da organização interna do Fórum há que se falar de um ponto positivo que foi a concentração das atividades num só terreno, o grande conjunto esportivo Kazarami, nos arredores de Nairobi. Mesmo com essa vantagem, o VII FSM não apresentou momentos unificadores, a não ser a assembléia final dos movimentos sociais. Isso não é apenas um problema organizativo e provavelmente tem a ver com a dificuldade de combinar dois elementos fundamentais nos processos de organização internacional, o de ser profundamente internacional e ao mesmo tempo profundamente regional. Essas características apareceram com força, por exemplo, nos fóruns realizados em Porto Alegre e em Caracas.

Pensamos que esses avanços, e ao mesmo tempo alguns problemas, fazem parte de processos mais longos de acumulação de forças e de construção de identidade política e social de grandes movimentos. Não é possível manter o tempo todo avanços; enfrentar problemas pode ser uma maneira também de superar limites atuais.

A possibilidade de um novo ciclo de organização internacional

A idéia de “esticar” a distância entre os fóruns sociais mundiais vinha sendo elaborada por movimentos sociais antes desse fórum em Nairobi. Em Cochabamba, na Cumbre Social realizada em dezembro último por ocasião da reunião da Comunidade de Nações Sul-Americanas, já era visível como uma alternativa que permitiria reforçar os processos regionais, como aqueles que vêm se desenvolvendo na América Latina. Na nossa região a unidade regional dos movimentos sociais vem crescendo. Um dos exemplos é a Aliança Social Continental e seu papel articulador no movimento sindical (onde se prepara a fundação de uma entidade unificadora do movimento sindical em todo o continente) e junto aos demais movimentos. Mas é muito importante também a crescente relação internacional dos movimentos camponeses, de mulheres, de juventude, e pela própria integração regional com justiça social e democracia.

Um dos grandes desafios na nova modalidade do fórum social mundial parece ser o de combinar diferentes realidades e dinâmicas regionais. Em parte ele pode ser suprido no âmbito de cada grande rede de movimento social, mas permanece a questão de buscar uma certa unidade para o movimento mais amplo de internacionalização das lutas e da construção de uma plataforma alternativa à ordem neoliberal-imperial.

O PT e o Foro de São Paulo na relação com o FSM

Olhando o “mundo” através do VII FSM, podemos destacar a contribuição dos movimentos político-sociais da América Latina nesse novo momento. Depois de anos de hegemonia neoliberal, nossa região vem experimentando uma combinação de processos de conquista de governos por forças populares e de esquerda, de diálogo entre esses governos e movimentos sociais e de retomada do Foro de São Paulo (que une partidos populares e de esquerda para a busca de uma agenda comum de superação do neoliberalismo). Sem subestimar nossos próprios problemas e sem substituí-los por outros, mas buscando situa-los dentro da nova dinâmica do FSM, podemos dizer que a América Latina tem uma contribuição especial e que quanto maior for sua própria integração maior poderá ser seu apoio à luta por um novo mundo.

O texto é assinado pelo membro do coletivo de relações internacionais do PT e do Diretório Nacional, Carlos Henrique Árabe, pela secretária de Combate ao Racismo, Sônia Leite, pelo secretário de Mobilização, Martvs das Chagas, e pelo membro da Executiva Nacional, Gleber Naime